Capítulo Trinta e Quatro

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O tempo passa depressa.

Dezembro chegou. Mais do que isso, dezembro chegou trazendo consigo as provas de fim de ano. No caso da turma em que nós estudávamos isso era ainda mais importante, pois se tratavam das últimas provas do nosso último ano no colegial antes de enfrentarmos os temerosos vestibulares e a faculdade.

Parece que quando nascemos, recebemos um sermão da vida nos explicando o seu manual de instruções.

Imagino a voz da vida, autoritária e grave, aponta o dedo na nossa cara e diz:

            Vida falando:

 "Primeiro você irá para o primário, estudará até o colegial e então prestará o vestibular para algumas das profissões disponíveis. Até então é fácil, né? Pois bem. Ingressará em uma boa faculdade onde conhecerá uma garota pela qual você vai se apaixonar, mas não irá se casar com ela! Não seja apressadinho, tenha calma, pois você entrará em uma união estável com a mulher que conhecerá mais tarde no emprego ou entre os amigos em comum.

Vocês irão morar juntos (mesmo que cada um possua condições de bancar a sua própria casa) e brigarão ocasionalmente. Terão de um a três filhos que vão reiniciar o processo...".

E se eu não quiser fazer nada disso? E se optar por virar ator de teatro amador? Ou artista de rua? E se eu não quiser me casar? E se preferir ir viver no meio da floresta? Por que tenho a sensação de que, no fundo, nenhum de nós é livre?

Minhas notas caíram bastante com relação ao semestre passado, mas eram o suficiente para garantir o meu diploma, ao contrário das notas da Jéssica, que foi obrigada a fazer deveres extras e provas de reforço para poder se manter na média. Em breve, nós dois estaríamos encerrando uma etapa de nossas vidas e iniciando outra. Mas acredito que isso tenha um significado diferente quando se está esperando um bebê.

Ao fim do meu turno na livraria, reparei no livro da Clarice Lispector na prateleira antes de sair. Apesar de tudo, havia prometido a Jéssica que levaria o livro para ela. Fiquei um tempo indeciso e, por fim, acabei comprando.

A livraria não ficava muito longe de onde eu morava, possibilitando fazer o trajeto até a minha casa a pé. Enquanto caminhava, tive a estranha sensação de estar sendo observado e olhei para trás assustado. Era noite e não havia muitas pessoas na rua, apenas uma senhora de meia idade e dois rapazes conversando, por fim decidi que não passava de coisa da minha cabeça e continuei caminhando.

Era possível ver no chão a sombra provocada pelos rapazes que andavam logo atrás de mim. Assim começou um jogo, se eu virava para esquerda, eles viravam para esquerda, se eu virava para a direita, eles viravam para a direita. Aumentei a velocidade dos meus passos e eles fizeram o mesmo, isso era mais do que uma suspeita.

 Mais sombras foram aparecendo atrás de mim, mais garotos estavam surgindo e me seguindo, apertei os meus passos. As cinco sombras estavam se dispersando e formando um semicírculo em minha volta.

 Eu estava sendo cercado.

Correr não adiantaria nada, eram muitos, um deles provavelmente me pegaria. Parei e os encarei, no meio da luz fraca, tentando parecer o mais corajoso possível. Reconheci alguns rostos da escola, do time de futebol, conhecidos, não amigos, não pareciam nada amigáveis no momento.

            Puxei a minha carteira do bolso e tirei todo o dinheiro que havia nela.

            — Isso é tudo o que tenho. — Disse estendendo o dinheiro para um deles. — Podem pegar.

            Mas não era um assalto.

            O mais alto me acertou com um soco de surpresa no estômago. Perdi o ar, tremi em dor, botei minhas mãos sobre a barriga e caí de joelhos no chão. Socos, chutes, pontapés se seguiram, a dor se tornou uma constante e eu nem ao menos sabia o porquê. Nunca apanhei tanto na minha vida. Um soco na costela fora particularmente forte, me fazendo gritar de dor, tinha sensação de que havia se partido em duas.

            — Chega! — Ordenou uma voz conhecida. — Já é o suficiente.

            Os socos e pontapés cessaram, eu sangrava no chão, os garotos abriram espaço revelando o seu mandante.

            Lucas.

A VIDA DESENCAIXADA DE ICK FERNANDES (história completa)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora