Capítulo Trinta e Oito

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Minha cabeça rodopiou fortemente e, por um segundo, quase não consegui sentir o chão. Eram cartas vindas de diferentes lugares, mas todas escritas por Samaris, para mim. Ela passou esse tempo todo tentando manter contato comigo.

            "Ick. Eu entendo se você estiver com raiva de mim e não quiser mais me ver", dizia uma das cartas, "mas a verdade é que eu não consigo parar de pensar em você e se você está bem, por favor, tente enviar uma carta de resposta para o hotel em que estou agora". Eu enviaria, mas a carta nunca chegou em minhas mãos, eternamente sem resposta. "Talvez eu esteja sendo boba", dizia outra carta, "mas já mudei de cidade e temo que talvez a carta que você me mandou simplesmente não tenha chegado a tempo, então achei prudente te mandar essa outra avisando onde estou agora. Nessas horas, eu queria ter algo simples, como a capacidade de lembrar a senha do meu próprio e-mail. Não adianta, sou meio que da velha guarda mesmo."

            Ela não se esqueceu de mim. Mesmo com a distância e o medo de me perder como perdeu os seus pais ela ainda me amava, tentou buscar contato comigo e agora pensa que eu fui quem a esqueceu.

            "Você deve achar que sou louca" dizia a última carta, "afinal, é uma equação óbvia, não é mesmo? Se eu te amo tanto deveria ter ficado com você. Mas eu queria que você conseguisse entrar na minha mente, queria que você entendesse o quanto tudo isso é complicado. Eu prometi não amar nada, não amar ninguém e agora encontro você. Eu fugi e ainda fujo por medo, puro medo de tudo desmoronar. É como as coisas tendem a acontecer na minha vida, desmoronam. Mas eu amo você e tinha que mandar essas cartas. Agora entendo que a complicada sou eu e que você não tem nada com isso. Às vezes me pergunto se você já encontrou alguém (alguém normal). Espero que você seja feliz, Ick. Essa é a última carta que te mando, prometo não te incomodar mais. Adeus, Ick. Eu ainda te amo".

            Eu também! Eu Também te amo! Eu queria que ela ouvisse isso! Queria poder dizer isso a ela! Uma hora dessas, ela já deve estar em outro lugar e eu nunca terei a chance de encontrá-la novamente.

            — Desculpa, Ick. — Jéssica me observava aflita. — Eu não queria que ela reabrisse feridas antigas suas. Em nenhumas das cartas ela menciona a vontade de voltar, então achei que era melhor assim. Ick, acredite, eu fiz isso pensando no seu bem! Mas agora eu me sinto culpada. Eu nunca me perdoaria se fosse embora sem te contar a verdade.

            Eu me perguntava como nunca tinha visto nenhuma dessas cartas antes, quando lembrei que desde que Jéssica chegara em casa, era sempre a primeira pessoa a verificar a caixa dos correios.

            — Ick, você está me ouvindo? Ick, você está bem? Responde. Por favor! Fala alguma coisa!

            Eu não conseguia falar nada, não conseguia pensar em nada, não conseguia esboçar nenhuma reação:

            — Sai daqui. — Disse baixinho. — Eu preciso ficar sozinho.

            — Ick, me perdoa. Por favor.

            — Sai daqui. Só sai daqui.

            Ela se retirou e eu fiquei ali, relendo aquelas cartas várias e várias vezes. 

A VIDA DESENCAIXADA DE ICK FERNANDES (história completa)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora