Capítulo Trinta e Nove

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Não tornei a ver Jéssica por algum tempo. Minha cabeça andava tão ligada nesses últimos acontecimentos, que praticamente me esqueci do evento significante que se aproximava:

            A formatura.

            A fatídica formatura se aproximava e cada vez as conversas entre os colegas da sala de aula eram menos sobre o presente e mais sobre o futuro. "Irei cursar medicina", disse a garota ruiva que senta no canto da sala, "eu quero trabalhar com algo verdadeiramente empolgante." "Já decidi que vou seguir o meu sonho", disse o garoto de cabelo espetado, "vou continuar com a minha banda até ela dar certo." O outro retruca: "O meu sonho é ter o meu próprio restaurante".

            Sonhos. Ouço muito falar sobre eles.

            Quando questionado, sempre respondi que a faculdade que pretendo seguir é a de jornalismo. Mas, na verdade, ainda não sabia bem o que eu queria. A indecisão numa hora dessas é perigosa, mas não conseguia pensar em um caminho com o qual eu me identificasse a ponto de dedicar o resto da minha vida inteira. Não é uma sensação muito agradável de sentir.


Agora a notícia surpreendente:

— Por que raios nós temos que ensaiar a cerimônia de formatura uma semana antes? — Perguntou Mateus, logo atrás de mim, na fila que os alunos formaram no grande salão de eventos da escola. — É só subir lá e pegar o diploma, não é mesmo? Não tem segredo nisso! Você não concorda comigo, Ick?

            — Ah, sim, claro. Concordo. — Na verdade, não prestara atenção no que ele dizia. Tudo o que eu queria era voltar para casa e tentar dormir um pouco.

            Matheus continuou a tagarelar incansavelmente, enquanto observei uma garota de cabelos muito loiros e olhos muito azuis se destacar no meio da multidão. Ela era a única a não usar a batina de formatura, não tenho certeza se não participará da cerimônia ou se apenas não encontrou uma batina em que caiba sua barriga de grávida, que se destaca cada vez mais. Ela veio em minha direção. Parou na minha frente, pareceu apreensiva.

            — Ick.

            — Oi, Jéssica.

            — Lá fora tem um homem que quer falar com você. — Foi direta ao falar e não olhou nos meus olhos, ainda está envergonhada pelo nosso último encontro.

            — Quem é?

            — Não sei. Não o conheço, mas ele está lá fora perguntando por você. Diz que tem algo urgente para te falar. — Cerrou um pouco os olhos ao acrescentar — E o carro dele é realmente bonito!

            — Eu vou ver quem é. Pode guardar lugar para mim, Matheus?

            — Claro, sem problemas. — Ele respondeu. — Pode ir.

            Atravessei o grande salão de festas acompanhado de Jéssica. No lado de fora, ocorria a movimentação habitual de alunos, muitos dos que passavam (principalmente os meninos) viravam o pescoço para poder apreciar a imponência do carro preto estacionado em frente à porta da escola. Encostado no carro estava um senhor de meia idade, asiático, careca e de aparência bondosa. Apesar do seu rosto muito enrugado, seu corpo era esguio e de aparência saudável. Por mais que puxasse pela memória, não conseguia me lembrar de conhecer esse senhor.

            — Boa tarde. — Disse ele, seus olhos eram tão puxados que quando sorri, parecem duas fendas. — Você é o Ick?

            — Sim, sou eu. Me desculpe, mas de onde o senhor me conhece?

            — Você conhece essa garota? — Ele me entregou uma foto, ignorando a pergunta.

            Ao vislumbrar qual rosto estampava a foto, o meu corpo inteiro gelou. Um par de olhos puxados me fitava através da foto, um sorriso conhecido meu sorri para mim, a doçura, os cabelos negros, tudo. Eu conhecia tudo aquilo.

            — Samaris! — Exclamei.

A VIDA DESENCAIXADA DE ICK FERNANDES (história completa)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora