O vento escolhera aquele momento para dar uma pausa, resultando em um maior silêncio no ambiente. Sem os ruídos nos ouvidos e os sons das folhas nas árvores ao redor, era garantia que o homem conseguia ouvir alguém se aproximando, ainda mais que já esperava sua chegada.

- O que está fazendo aqui? – perguntou Avril, assim que parou ao seu lado.

- Vim te fazer companhia – mesmo calma, a voz de Tony tinha algo que a mais nova demorou para conseguir classificar. Parecia uma nova modalidade de preocupação, uma postura paternal até então não utilizada por raramente tocarem naquele tópico, um acordo de ambas as partes que Avril sequer conseguia recuperar a data de origem – Eu descobri por acidente, na verdade. Normalmente eu vinha no dia 19, meio que para despistar a mídia também, e um dia o Jeffrey disse que tinha uma garota que viera uns dias antes, sempre assumi que era você, até um ano você dizer seu nome e ele confirmar comigo depois.

Avril apenas assentiu, enfiando o máximo que podia de suas mãos nos bolsos depois de deixar uma flor sobre cada lápide. Seu olhar permanecia baixo, variando de seus pés para as letras há tanto tempo talhadas na pedra, algo que não passou despercebido por Tony – e que lhe deu ainda menos certeza do que fazer.

- Por que mudou sua rotina agora?

- Nós não estávamos bem na época, suspeitava que acabaríamos brigando na frente dos dois se aparecesse aqui ao mesmo tempo que você.

Ela riu de leve, o som melodioso bem mais amargurado do que planejava.

- Eles voltariam a vida só para nos deixar de castigo.

- Achei que agora era um bom momento, que fosse querer companhia, mesmo que não tenha chamado o Rogers – Tony retomou a resposta, quase rindo ao notar a filha ficar mais tensa ao seu lado pela menção do noivo. A sensação de estar certo era sempre boa, e Tony estava mais do que acostumado com ela. O problema era quando estar certo não era um bom sinal, como naquele momento. Steve saberia muito melhor lidar com Avril do que ele, só que aquele papel tinha que ser cumprido pelo pai, para variar um pouco. Tony estava cansado de fugir de suas responsabilidades, não tinha mais a opção de ser negligente com a filha – Ele deve estar chateado, ele deve saber que dia é hoje.

- Eu mal consigo lidar comigo hoje, não sabia se ia conseguir lidar com ele também – a confissão surpreendeu ambos, talvez mais Avril do que Tony – Eles eram amigos, não dá.

Mentira.

Aquele não era o motivo.

- Eu não consigo mais reconstituir a voz deles, sabia? – continuou ela, buscando na disfarçada mudança de assunto um cenário onde seus batimentos pudessem desacelerar naturalmente, que os sintomas físicos que tentavam lhe entregar fossem logo neutralizados. No fim, não pareceu tão uma boa escolha. Aquilo era verdade, afinal das contas. E doía – Quando eu era pequena, conseguia com perfeição, frases que eles nunca disseram que eu conseguia imaginar e fingir que era alguma memória perdida. A cada dia fica mais difícil lembrar deles.

- Sei como você se sente. Sinto falta deles também.

- Pai?

Tony não demorou para desviar o olhar da lápide para a filha, sem suspeita alguma do tipo de informações que ela mantinha em segredo, sem ver nada além de saudades em seus olhos avermelhados. Ele ainda tinha um vestígio de sorriso nos lábios, como se pretendia consolá-la, como se ela pudesse merecer algo desse gênero.

Um ano.

Exatos um ano atrás e ela estava na companhia da outra única pessoa que deveria saber daquele episódio. Não, melhor: da outra única pessoa que se lembrava.

The Real Side II: Dark TimesOnde as histórias ganham vida. Descobre agora