Capítulo 01 - Acidentes

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— Meu pé, está doendo muito. — ela diz ainda sem me encarar.

— Deixa eu ver. — digo e me abaixo, colocando uma mão em seu pé e ficando na altura dos seus olhos que só então me dedico a olhar e perceber que é a mesma garota em quem esbarrei ontem.

— Você? — pelo visto, ela também me reconhece. — O que você tem contra mim? Por acaso está tentando me matar? Ontem me derrubou e destruiu o meu trabalho e agora joga essa moto em cima de mim. — diz, visivelmente furiosa.

— Foi sem querer! — me defendo. —Deixa eu te ajudar...

— Eu não quero sua ajuda! Some da minha frente! — grita e empurra minha mão do seu pé.

Ela chora e geme, a dor parece bem forte. A observo tentar se levantar algumas vezes, sem sucesso.

— Você vai mesmo ficar aí olhando o meu sofrimento? Liga para alguém, chama ajuda. — ela diz, com a voz embargada pelo choro, levando as mãos à cabeça tentando tirar os fios que se desprendem do seu coque e caem sobre seu rosto. Ela até que é bonita, se reparar bem, mas pelo visto se esforça em esconder isso por detrás do seu coque alto, seus óculos de grau grandes demais para seu rosto e suas roupas largas.

Só então desperto do transe em que estou enquanto a observo e começo a tatear os bolsos em busca do celular. A ambulância não demora mais que vinte minutos para chegar, assim como o guincho que vai levar a minha moto.

— Você vai acompanhá-la? — um dos socorristas pergunta à mim depois que ela já está dentro da ambulância.

— Ah, sim, eu vou...

— Não! Não precisa. — a garota grita de dentro do automóvel, antes que eu me aproxime o suficiente para entrar no veículo.

— Você é menor, precisa de um acompanhante. — o enfermeiro insiste.

— Minha mãe vai me encontrar lá. Obrigada por quase me matar! — ela grita, se dirigindo à mim com ironia. Dou de ombros e assim que a ambulância vira à esquina da rua, levando a nerdzinha chata, entro na cabine do guincho, com o motorista, e vou até a oficina da família do meu amigo Carter deixar a moto para ser concertada.

A lateral que deslizou pelo calçamento ficou destruída. Sinto até meu coração doer só de olhar o estrago, mas sei que se existe chance de consertar o estrago cem por cento, estou no lugar certo. O que me deixa mais irritado é ter que ficar sem ela durante esse período. Eu odeio andar de carro, para mim, trás as piores lembranças do mundo. As piores lembranças de toda a minha vida. Algo que eu jamais vou superar: a morte da minha mãe.

Naquele dia, nós teríamos um dia de mãe e filho. Eu já vinha cobrando isso dela havia um bom tempo mas ela estava sempre ocupada demais com suas obras. Ela era escritora. Uma ótima escritora. Na verdade, ela era ótima em tudo.

Nós fomos passear no lago, fizemos um piquenique, nadamos e, à noite, quando voltamos para casa eu ainda não estava satisfeito. Resolvi pedir para irmos ao cinema, ela aceitou e depois dessa noite jamais voltou para casa. Depois do filme, da pipoca, do refri, das risadas, dos abraços, eu a perdi. E o pior de tudo é que foi por minha causa que ela se distraiu. Eu estava fazendo brincadeiras no banco de trás, para fazê-la sorrir, por isso não viu quando outro carro vinha ultrapassando um caminhão na contra mão. Quando percebemos, já era tarde. Ela jogou o carro para o acostamento, nós capotamos e eu ainda ouço nossos gritos agudos dentro do carro até hoje. Depois disso eu só me lembro de ter acordado no hospital e descobrir que ela já não fazia mais parte da minha vida. Eu nunca mais a veria e a culpa era minha.

Sob O Mesmo Destino (CONCLUÍDO)Where stories live. Discover now