Capítulo 33 - Rio Grande do Sul

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No momento em que pousamos no Aeroporto Internacional Salgado Filho e descemos em busca de nossas malas, ainda sentia a angústia da saudade de minha família. Jujuba, Regina, Álvaro, Fernanda e até mesmo Camila. Por outro lado, havia um sentimento forte que estava me dando forças para iniciar essa nova jornada. Pela primeira vez, conheceria a verdadeira história de Guilherme. Aquele misto de euforia, curiosidade e ao mesmo tempo receio me dominou durante o voo inteiro, especialmente porque fui o único que passou esse tempo acordado.

Alugamos um carro ainda no aeroporto e Guilherme dirigiu rumo a sua cidade interiorana que ficava há alguns quilômetros da capital, mas não tão distante assim. A lembrança de suas palavras sobre a venda da fazenda que herdou de sua família e a possível briga com seu pai por conta disso me deixou em alerta para o que poderia vir. Ele já havia me dito sobre o histórico militar de sua família. Também pude deduzir sobre o machismo presente devido as suas percepções de algumas coisas, seu jeito grosso e rude de se portar, o que representava – para mim – uma barreira protetora de possíveis pancadas que levou durante sua vida. Independentemente, eu não estava ali para julgá-lo pelo que passou, mas para apoiá-lo e aceitá-lo por quem ele é. Respeitar sua história era a minha prioridade, eu só não sabia como deixar isso claro para ele.

Chegamos no fim da tarde e demos entrada em um hotel por insistência dele, que alegou preferir não se hospedar na casa de ninguém de sua família. Isso me deixou bastante preocupado. Só de imaginar que ele não tinha o apoio de ninguém, absolutamente ninguém, meu coração se contorceu em aflição.

Enfim, despejamos as malas no chão e ele foi o primeiro a ocupar o banheiro para um banho quente. O clima estava frio e gostoso, e a pequena cidade era tão confortável, verde e simplória que me fez pensar em como eu até poderia me acostumar com essa calmaria. No fundo, meu coração protestou. Meu sonho de ser médico e salvar vidas nas missões de paz permanecia intacto.

Depois que tomou banho, fui o próximo a entrar no banheiro e deixar a porta aberta. Aproveitei cada minuto para tentar relaxar debaixo da água morna até me sentir mais tranquilo para descansar.

"O que vai querer jantar? Pensei em você me apresentar um pouco da culinária gaúcha..", dizia animadamente ao deixar o banheiro com uma toalha enrolada no quadril até me deparar com Guilherme jogado na cama de casal dormindo. Talvez ele estivesse cansado demais, ou apenas se preparando para o amanhã. Decidi que não desceria também e pedi um jantar simples a ser entregue no quarto. Comi em silêncio com a televisão no volume mínimo enquanto trocava mensagens com todos no grupo da família do aplicativo de mensagens instantâneas. Suas palavras fortaleceram meu coração e amenizaram um pouco da saudade.

Escovei os dentes, joguei-me na cama, abracei Guilherme e me preparei para descansar, apesar dos pensamentos estarem a mil e, como resultado, a noite passou muito devagar. Acordei diversas vezes para tomar água e usar o banheiro. Guilherme parecia inquieto também em seu sono, apesar disso ser comum. Acredito que em partes nosso sono nunca mais seria o mesmo depois de nossa missão no Haiti. Por um momento, agarrei-me a lembrança de Kiran e de Guilherme dizendo para mim que nós já estávamos casados. A ideia de montar uma família me veio a cabeça, assim como todas as dúvidas que isso acarretaria. Não custava sonhar, afinal. E, assim, consegui pegar no sono pra valer.

Meu homem de aço estava acordado quando abri os olhos. Espreguicei-me devagar com receio de que meu movimento espantasse sua pose de pensador, mas logo identifiquei aquele olhar desfocado que ele sempre sustentava quando estava sofrendo internamente.

"Bom dia, Guilherme Carvalho", sussurrei, abrindo-lhe um sorriso de conforto para conquistar sua atenção. Ele me olhou e esse encontro intenso de olhares o desarmou.

"Bom dia, Felipe Barreto", Gui sussurrou de volta, mantendo uma expressão ilegível.

"Quais os planos pra hoje?", perguntei, arriscando tatear um pouco a superfície gélida que ele de repente levantou entre nós.

Por Trás da Farda (Romance Gay)Where stories live. Discover now