31 - Isso também é amar

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Os dias sem Guilherme eram vazios. Parecia estar em uma realidade distante, como se minha vida tivesse sido tomada de mim sem que eu sequer pudesse fazer algo a respeito. Aquela não era a minha vida, pelo menos não a que conheci desde que ingressei naquela missão de paz no Haiti. Minha vida havia mudado completamente. Não era justo que essa mudança fosse tirada de mim. Ficar sentado com toda a minha angústia e inconformismo também não me parecia ser a maneira correta de lutar. Estava tão confuso que não sabia por onde começar. Perguntei-me se deveria lutar pela nossa história, mas minha mente não parecia processar nada daquilo direito.

Nas primeiras noites, tranquei-me sozinho no quarto desfrutando do vazio absoluto que minha vida significava sem ele. Derramei-me em uma espécie de autopiedade deixando minha família ainda mais preocupada sobre o quão mais o escândalo de todos os nossos problemas juntos fosse ainda se agravar.

Algumas noites Fernanda bateu na porta do quarto sem sucesso, na expectativa de que lhe cedesse um espaço em minha tortura. Cheguei a um beco sem saída. Me vi tão desolado que não cabia mais em minhas próprias roupas. Dias sem notícias dele e também sem coragem de telefonar e receber sua frieza como resposta, ou pior, sua ira por trás de pedidos mal educados de que nunca mais ligasse de volta, foram o suficiente para me despejar em um completo caos. Aquilo tudo foi o suficiente, eu precisava reagir. Abri a porta e deixei-a entrar. Para a minha surpresa, não era Fernanda, era Camila.

Eu tremi na minha derrota e lamentei pelo meu estado. Não por estar embaraçado com a situação, mas por jamais imaginar que ela estivesse pronta para degustar de tudo aquilo.

Diferentemente do que pensei, ela pediu licença e entrou educadamente, sorrateira e calma. Seu olhar me evitava, e tentou não centralizar em pontos específicos, apenas percorrendo o vazio do quarto desarrumado até que sinalizei para que se sentasse na poltrona vazia próxima a cama. Deitei-me de volta sobre os lençóis ainda úmidos de lágrimas que não tinham mais forças para se derramar.

"Eu gostaria de saber o que dizer, mas não sei", ela lamentou a princípio. Seu tom de voz parecia sincero, mas nada disso me fez sentir vontade de encará-la. Permaneci em silêncio, então ela continuou. "Eu lamento por tudo, de verdade. E.. Pra ser sincera, ainda que estivesse magoada pelo fato de ter sido trocada por outra pessoa", ela respirou profundamente em uma pequena pausa. "A verdade é que aceitei a proposta e todos os convites de sua mãe porque sabia que ela reagiria mal a tudo isso. Sabia dos problemas que estavam vivendo, tentei fazê-la ser mais compreensiva, mas você conhece sua mãe, Felipe", o rumo que aquele monólogo estava tomando me fez erguer o olhar em sua direção e ela me encarou de volta.

"Eu só vim para te ajudar", ela disse, finalmente, fazendo um gesto que indicava o peso que estava sendo retirado de seus ombros. "Eu sabia que, de alguma forma, estar aqui a faria aliviar a situação. Você sempre foi meu amigo, sempre me apoiou e esteve lá por mim, Felipe. Eu jamais faria algo que prejudicasse você, muito menos a chance de te ver feliz com o verdadeiro amor da sua vida", Camila se inclina sobre a cama e toca minha mão como costumava fazer antigamente para me consolar. Seus grandes olhos estavam cheios d'água.

"Eu.. Eu lamento tanto, Cami..", levantei-me um pouco, apoiando o braço na cama para me ajeitar e sentar. Minhas barreiras haviam sido vencidas com o reconhecimento de seu verdadeiro intuito. Ela foi minha amiga o tempo inteiro.

"Eu sei. Eu sei, Felipe. Você não me deve explicações de nada, sabe? No começo, eu vou ser sincera. Achei ruim, chorei, me queixei comigo mesma, e até ouvi calada, sem rebater, as palavras da sua mãe a respeito da maneira como você conduziu tudo. Mas", ela faz outra pausa e seu olhar decai para o chão. A respiração parece pesada, sobrecarregada pela energia que nos assola. "As pessoas se apaixonam, Felipe. Não tem hora, dia, gênero, raça.. O amor não tem rótulos", seu olhar se ergue devagar de uma maneira que consigo compreender.

Por Trás da Farda (Romance Gay)Where stories live. Discover now