22 Com quem preciso estar

1.8K 181 29
                                    

Mônica

Acordei, esperando não me sentir tão mal como na noite anterior, mas quando fechava os olhos, tudo o que eu via era ele, ensanguentado na cama. Deixei que a mágoa, e minha covardia sobre nossa conversa, me atingissem, e não fiz meu trabalho como deveria. Estava ciente do meu erro. Mas não conseguia aceitar.

— Já acordou querida? — minha mãe me olhou da porta do meu quarto.

Assenti, e não consegui disfarçar minha cara de choro.

— Querida... Ele está bem, você mesma disse que a doutora controlou as coisas... Erga a cabeça e vá para o seu trabalho como sempre...

— E se ele me dispensar mãe? Eu...

Ela me abraçou — Se ele te dispensar, vai ser um sinal para você retomar sua vida de uma vez. Você me disse que estava vivendo um sonho, podendo conviver com ele, que ele era realmente tudo o que você se lembrava. Então, se terminar... Significa que você estava errada. — fechei os olhos sentindo seu carinho na minha bochecha — Só faça seu trabalho o melhor possível querida, sua avó dizia que tudo o que se faz com o coração não deixa arrependimentos não é? Então já sabe o que fazer.

Abracei-a — Você tem razão mãe. Eu errei, mas foi tentando acertar. Se ele me mandar embora, sei que vai juntar meus cacos quando eu voltar. — sorri para ela.

Ganhei um beijo na testa — Tome um banho e vá para o seu trabalho de cabeça erguida como sempre.

Assenti, pulei da cama e fui para o chuveiro, tomei um banho caprichado, me arrumei, e voltei para buscar minha bolsa. Dei um beijo rápido em minha mãe e corri para o apartamento que eu mesma havia escolhido, e que podia ser a última vez em que pisava.

Mas me benzi antes de entrar no elevador e chegar ao andar dele. Abri a porta com a minha chave e dei de cara com Adriana sentada na sala.

Engoli em seco e fechei a porta respirando fundo, antes de encará-la.
—Bom dia. — falei timidamente. — Ele está bem?

Ela assentiu e fez sinal para que eu fosse até ela.

— Me desculpe por ontem. — as palavras saíram baixas, mas mesmo assim não conseguia acreditar.

— E... Eu...

— Não devia ter gritado com você daquela forma, e não devia ter te expulsado. — Arregalei os olhos para ela, eu nunca esperaria algo como aquilo. — Rodrigo pediu para que eu conversasse com você.

Fechei os olhos e me sentei. Imaginei que ele não teria coragem de me dispensar, e acabou pedindo a ela. Engoli o choro, e fiz como minha mãe disse, me sentei, mas não baixei a cabeça

— Eu sugeri que ele contratasse alguém com mais experiência... — ela falou naturalmente.

Baixei a cabeça com os olhos cheios de lágrimas — Eu sei... Ele merece alguém melhor que eu para cuidar dele sozinho assim... Eu...

— Sim, ele precisa de alguém que faça o certo, e não suas vontades, como a Mary Poppins. — ela retrucou sem me olhar, mas furiosa. E quando se virou para mim, seu rosto já havia voltado ao normal —Ele disse que se você concordar, posso indicar uma enfermeira mais experiente para que possa te orientar.

Acho que minhas sobrancelhas foram parar junto ao meu couro cabeludo, de tanta surpresa. Respirei aliviada só de saber que ele a havia enfrentado daquele jeito por mim.

Ela se levantou. — Converse com ele,  se você achar que precisa de ajuda, é só me ligar, e faço a oferta para uma pessoa de confiança.

Me levantei também — Obrigada Doutora Adriana, obrigada mesmo por me dar mais uma chance.

Ela balançou a cabeça negativamente — Não me agradeça. A ideia foi dele.  — Assenti sem graça, e ela parou na porta do apartamento. — E Mônica... Me desculpe mais uma vez. Eu me exaltei, sei o quanto se dedica a ele. Me desculpe se sou superprotetora, mas você sabe que ele é importante para mim.

Pisquei para ver se minhas palavras voltavam para mim — Eu entendo perfeitamente Doutora Adriana. Mas não duvide que quero o melhor para ele.

— Eu sei disso. — seus olhos baixaram  com pesar. — Obrigada. Até amanhã.

Ela fechou a porta e soltei meus ombros, aliviada de verdade com aquilo, se tinha uma pessoa nesse mundo que eu não queria como inimiga, com certeza era a Doutora Adriana. Com um ano e meio no hospital, ela já tinha histórias terríveis  de broncas e autoritarismo com médicos residentes e enfermeiros. Todos me acharam louca quando me candidatei para a equipe dela. Mas era para ser. E que bom que fiz isso.

Fui para a cozinha para preparar o café da manhã que ele gostava, peguei os mini pães de batata, passei manteiga em dois deles, cortei duas fatias de mamão, e separei um suco de maracujá bem docinho. Eu sabia sobre seu amor por café, mas desde o hospital, ele nunca pediu. Então, o suco, era a bebida da vez.

Peguei a bandeja, e entrei vagarosamente no quarto, ele já estava sentado na cama, e abriu um sorriso enorme ao me ver. Quase perco o chão, vê-lo sorrir era bem raro, ainda mais por minha causa. Queria que algum sonho dele, mostrasse como eu o via desde antes de o conhecer. Mas não seria tão fácil assim.

Seus olhos se fecharam quando me sentei ao seu lado, deixando a bandeja a seu alcance.

— Você não sabe como fiquei com medo Moniquinha...

Ele abriu os olhos me encarando, e sorri para ele.

— Medo de quê?

— De você não voltar mais. De algo te acontecer... Nunca mais saia de madrugada outra vez. Entendeu? Nem que o Papa venha aqui em pessoa e mande você sair.

Eu ri do desespero dele. — Eu moro perto daqui Rod, e essa cidade não é assim tão perigosa. — segurei sua mão — Mas prometo que não saio mais, tá bom?

— Adriana falou com você?

Assenti de cabeça baixa — Falou, eu, eu sinto muito Rod. Eu falhei com você. Achei que ela ia me despedir.

— Primeiro, você não teve culpa de nada, eu te irritei, e sei por que você não insistiu comigo. E segundo, tá pra nascer alguém que vai dar ordens sobre quem eu contrato ou deixo de contratar.

Tapei o rosto com as mãos — Vocês brigaram? Por favor, me diz que não, ou vai ser mais uma culpa.

Ele fez que não com a cabeça. — Não brigamos, mas acho que nos demos conta de algumas coisas... Eu não vou ser o paciente dela para sempre não é? Eu vou ter que voltar a viver, a trabalhar. Tenho um legado para reerguer... Quando eu me reerguer.

Nunca fiquei tão feliz. Ouví-lo falar em viver novamente, em trabalhar... Nem parecia a mesma pessoa que me ignorava o tempo todo no hospital, que só ficava mergulhado em dor, e em luto. 

— Sinto muito por vocês. Mas estou feliz em ver você pensando no futuro assim. É bom ver você querendo viver.

Ele puxou minha mão para ele com o braço que não estava enfaixado — Eu queria sonhar com alguma coisa sobre esse futuro também Moniquinha, mas sinceramente, agora tenho medo de dormir.

— Por quê? Seus sonhos só mostram coisas ruins? Eles nunca te mostraram coisas boas?

— Sim, eles já me mostraram coisas boas, é claro que já. Mas... Quando vi você indo embora daquele jeito, só me lembrei daquela semana sem você no hospital... Tenho medo de não te ver no meu futuro.

Sorri quase chorando — Você vai me ver Rod, vai sim. Só você pode me afastar. E se você não quiser que eu vá, eu não vou. Tá bom? — tranquilizei tanto ele quando a mim com aquela frase, e sorri, puxando minha mão da dele — Agora não me enrola, e pode começar a comer. Vou fiscalizar.

Sua risada foi a melhor coisa de se ouvir. Foi direto para meu peito. E a vontade de contar a verdade quase me dominou. Mas troquei aquela conversa, apenas por vê-lo comer, ainda desajeitado, os pãezinhos. Ele não precisava saber... A hora de contar, já havia passado.

Nos braços do passado Where stories live. Discover now