Cross-fire

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Quando cheguei no hotel fiz a coisa que melhor sei fazer: me dopei de remédios e apaguei totalmente. Agora o meu celular está tocando ridiculamente alto e minha cabeça está rodando, abafo a vontade de rolar para o lado o ignorando e estico a mão até o criado mudo para pega - lo. Apenas quando a porta do quarto se abre é que noto que era a campainha tocando, e não o celular. Eu nem sabia que quartos de hotel tinham campainha.

- Norah! Pelo amor de Deus, você está bem? - Jack entra parecendo um tornado no quarto.

- Bom dia. - Minha voz sai inaudível, mas não faço questão de repetir.

Sento-me na cama esfregando os olhos e tentando raciocinar.

- Estou bem.

- Graças a Deus. - Ela fala em um suspiro - Você não atendia a merda desse telefone e eu pensei que estivesse com Justin.

- Eu não estou com Justin. - Respondo séria, permito-me revirar os olhos.

- Norah, sobre o Justin... - Jack começa a falar, mas a interrompo. Ela já deve saber que vim vê-lo de surpresa e vai querer me dar um sermão sobre isso.

- Eu sei. Foi uma péssima ideia vir até aqui, na próxima vez vou te comunicar antes. Assim você me avisa quando ele estiver acompanhado. - Tiro os lençóis de cima de mim e levanto-me da cama indo até o banheiro, Jack me segue.

- Não é sobre isso que eu quero falar.

- Alguém descobriu sobre nossa briga? - Sugiro enquanto escovo os dentes.

- Norah - Jack respira fundo e aperta o celular em sua mão, eu guardo a escova de dente no lugar e olho para ela esperando a bomba, seu jeito está me deixando nervosa. - Justin sofreu um acidente.

- O que?

- Justin sofreu um acidente nessa madrugada. Ele não chegou a fazer o show, saiu logo depois de você do local. Os escombros do carro dele foram encontrados horas depois, possivelmente ele perdeu o controle por estar em alta velocidade. - Jack diz.

Encosto-me no batente da porta do banheiro quando sinto minhas pernas amolecerem, sinto tudo se revirar em meu estômago.

- Ele está bem? - Pergunto.

Jack me pega pela mão e me leva até a cama, ela me faz sentar na beirada.

- Justin se machucou bastante, ele está em cirurgia no momento. Não sabemos ainda qual o seu estado, nem o que vai acontecer a partir de agora. Sinto muito. - Jack fala com uma voz mansa, tentando me manter calma.

Sinto tudo ao meu redor girar, abaixo a cabeça tentando me manter firme. Jack passa a mão pelos meus ombros e os aperta, fazendo com que eu olhe para ela.

- Norah, eu preciso que você me escute e tente ficar calma. Não tem notícias sobre o acidente circulando ainda, e nós pretendemos manter assim. Justin não precisa de milhares de pessoas se dependurando na porta do hospital por uma notícia dele. Então você vai voltar para Nova York e vai continuar com os seus compromissos normalmente, tudo bem? Eu sei que pode ser dolorido, mas você precisa fazer isso pelo Justin. Quanto mais tempo conseguirmos manter isso afastado da mídia, melhor para ele. Você está me entendendo?

Desvio meu olhar do dela, tudo o que consigo pensar é nas últimas palavras que eu disse para ele.

".... Eu queria que você não existisse em minha vida, nem em lugar nenhum. "

Eu desejei o seu fim, e agora isso realmente pode acontecer. Tenho vontade de gritar, meu peito se dilacera e eu me acabo em lágrimas por dentro, por fora não consigo mexer nenhum músculo. Estou paralisada de medo do que desejei, arrependida pelas coisas que falei. A culpa de uma mentira dita em forma de verdade me mata.

- Norah! - Jack grita e me sacode - Eu preciso que você coopere comigo.

Olho para ela e concordo.

Em uma hora minhas coisas foram arrumadas e eu estou em um avião com destino a minha cidade, não sei muito bem como consegui me arrumar e vir parar neste assento. Tudo parece tão surreal, sinto como se estivesse flutuando e tudo isso fosse um pesadelo. Eles não me deixaram vê-lo, não me deixaram nem ir até o hospital. Não consegui falar com Scooter, Jack tirou meu celular para não termos nenhum contato com redes sociais, ela não quer que ninguém descubra sobre o acidente, mesmo que isso seja inevitável e é obvio que em poucas horas vai estar em todas as manchetes. Disseram que assim que possível, se ele conseguir sair da cirurgia, vão transporta-lo para Nova York, para o melhor atendimento possível.

Se ele sobreviver.

Agora eu nem sei se ele está vivo.

Olha para a janela e tenho a branda sensação de que estou afundando, mas não posso fazer nada para me salvar. Eu mesmo que furei meu barco, agora tenho que aguentar.

Encosto a cabeça no banco e fecho os olhos, sinto os calmantes que Jack me deu finalmente fazendo o seu efeito.

Monto-me inteira para o trabalho de hoje, maquiagem, roupa elegante e salto alto. Sorriso perfeito, ninguém no estúdio desconfia que tem algo errado. Norah Michele Florence Bieber continua com a vida intacta, o conjunto branco que estou usando me faz sentir ainda mais hipócrita, por dentro estou toda suja e manchada.

Sento na cadeira dos jurados e começamos a gravar, vários takes e cenas são feitas. O reality que estou gravando é para a escolha de uma representante de marca, mulheres escolhidas aleatoriamente que vão estrelar a próxima campanha publicitária, levando um pouco de representatividade ao público. Solto um risinho discreto, nenhuma delas foi escolhida aleatoriamente e a vencedora já foi estabelecida antes de começarmos a gravar. Tudo programado para parecer real e o público ser manipulado mais uma vez. Fiquei com poucas falas dessa vez, Jack alegou que eu estou doente da garganta e pediu para me deixarem mais no "sorria e acene", e foi isso o que eu mais fiz hoje. Minha cabeça está explodindo de dor, a luz forte dos holofotes só piora tudo. Meu corpo inteiro está dolorido, eu só queria saber notícias de Justin.

O sinal de intervalo da gravação toca e por um segundo eu fico zonza, fecho os olhos para tentar ficar bem. Quando os abro novamente me sinto diferente, como se estivesse fora de órbita.

Eu estava sentada, completamente estática, mas o mundo ao meu redor não parava. Uma guerra se formava dentro de mim, ao meu redor ainda estava tudo inteiro. Quem me olhava por fora nunca imaginaria que não restava mais nada ali dentro, eu estava uma completa bagunça e temia que não tivesse mais concerto.

Meu estômago dava voltas, sentia minha temperatura baixar a cada segundo, se eu não me conhecesse melhor diria que estava prestes a desmaiar. Mas eu sabia que isso não aconteceria. Tinha sempre uma coisa me segurando, me agarrando e clamando para me manter em terra firme e eu ficava. Ficava por que era ele e de alguma maneira aquele sentimento fazia-me sentir viva, me dava à esperança, mesmo que vazia, que ainda existia um nós.

Não conseguia acreditar que depois de tudo, esse seria o nosso fim.

Não! Não! Não! Não!

Não era o nosso fim! Não podia ser!

Sai da inercia em que parecia me consumir e corri daquele lugar o mais rápido possível. Se eu quisesse ter um final feliz teria que faze-lo acontecer com minhas próprias mãos. Fui pega em meio ao fogo cruzado, todos os sentimentos se misturavam me sufocando, mas eu sentia algo lutando para sobreviver. Não estava acabado, não podia estar.

Pedi o celular emprestado para uma mulher que era jurada junto comigo, já que o meu foi retirado de mim para nenhuma notícia vazar. Com as mãos tremulas disco o número da única pessoa que sei que colocaria minha vida em prioridade, acima do trabalho. Eu não estou mais em condições para fazer as escolhas certas, me sinto fraca em todos os sentidos e tenho certeza que não deveria estar aqui trabalhando enquanto meu marido pode estar morto. Eu deveria estar ao lado dele, lutando com ele. Eu preciso da minha família.

O toque da chamada se repete várias vezes até que atendam, assim que ouço a sua voz não consigo mais segurar as lágrimas.

- Tio - digo com a voz falha e abafada - Eu preciso de você.

After YesWhere stories live. Discover now