TEMPEST

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Quando chegamos em casa já está anoitecendo. Pattie está sentada no sofá tomando chá. Jeremy está em pé, ele parece inquieto e quase salta quando nos vê.

- Graças a Deus! Onde vocês estavam?

- Saímos. - Justin dá de ombros sem dar importância para o tom de voz do pai, ignorando sua pergunta.

- Nós precisamos conversar. - Jeremy diz.

- Jeremy, por favor. Fale com calma. - Pattie o repreende. Ele olha para ela quase desesperado.

- Nós não podemos perder mais tempo, Pattie. Ele precisa saber!

- Saber o que? - Justin pergunta desconfiado, seu olhar alternando entre Pattie e Jeremy.

Fico em dúvida se devo ficar na sala ou não, isso está parecendo um assunto de família. Porém, quando faço menção de sair dali, Justin agarra minha mão e me traz para junto dele.

Jeremy respira fundo e passa a mão pelo cabelo.

- É sobre seu projeto, a campanha.

Sinto Justin enrijecer ao meu lado, seu peito infla e ele está pronto para sair dali, mas Pattie o impede.

- Por favor, Justin. Escute o que o seu pai tem a dizer. - O olhar dele alterna entre os seus pais mais uma vez. Ele os analisa e depois de um tempo pensando faz sinal para Jeremy continuar.

- Eu pedi para que investigassem a campanha. Foi descoberto que boa parte do dinheiro arrecadado até agora foi desviado para outra conta. - Jeremy suspira, faz uma pausa e continua a falar. - Justin, Ester não é nome verdadeiro da sua amiga e ela não tem um irmão. O casal que você conhece como sendo de irmãos, é procurado pela polícia já faz algum tempo. Eles cometeram alguns roubos graves em outros estados, não é a primeira vez que trocam de nome. Sinto muito, filho.

Tento colocar em ordem o furacão de palavras que veio em nossa direção, aperto mais forte a mão de Justin que está estático ao meu lado. Ele dá um sorrisinho debochado.

- Mas eu vi a criança. Tenho acesso a essa conta também, isso não é verdade.

- A criança realmente existe, mas ela não está doente. - Pattie diz de forma doce, admiro a calma na voz dela. - Não existe doença nenhuma, Justin, eles inventaram tudo isso apenas para conseguir o dinheiro.

- Mas...

- Quantas vezes você viu a criança? A visitou no hospital?

- Uma vez, ela fica com a mãe que mora em outra cidade. - Justin fala devagar, um pouco perplexo. Sua ficha parece estar caindo e está lingando os pontos, as informações fazendo mais sentido.

Olho para o rosto dele e quase caio para trás, meu coração se quebra em vários pedacinhos. Seu olhar é de desespero e dor.

- Eu sinto muito, filho. - Jeremy diz mais uma vez, Pattie abraça o próprio corpo.

Justin solta minha mão e sai como uma tempestade da sala. Levo um minuto para me restabelecer e entender o que está realmente acontecendo. Alguns minutos atrás nos estávamos em um passeio e o dia tinha tudo para terminar bem, mas agora estamos nos afogando. Vou até à parte de trás da casa que é para onde Justin foi. Paro na porta do jardim quando o vejo de costas, seus ombros balançando. Tenho vontade de o guardar em um potinho e o proteger de todo o mal.

Respiro fundo e vou até ele, coloco a mão em suas costas, ele se vira e me abraça. Posso sentir que ele está chorando quando meu ombro fica molhado, ele esconde a cabeça ali. Justin é mais alto do que eu, mas agora ele parece tão pequeno em meus braços. O aperto com mais força desejando retirar todos esses sentimentos ruins dele.

- Vai ficar tudo bem, amor.

Justin se desvencilha me empurrando, dou alguns passos para trás para me equilibrar.

- Não, não vai. Você não sabe o quanto isso é importante para mim, Melina. Você não sabe o quanto ela é importante para mim. - A voz de Justin falha, a decepção está estampada em seu rosto.Não sei se ele está falando de Ester ou Jazmyn, talvez das duas. Os seus olhos contêm o mesmo desespero de um animal preso em uma jaula, não consigo encara-lo. - Jazmyn era minha metade, meu coração fora do corpo. Ela ajudou a manter por muito tempo a nossa família junta, eles até tiveram Jaxon. Ela era o meu bebê, ela.... Eu preciso fazer alguma coisa por ela. Eu preciso.... Não posso deixar mais que mais pessoas sintam a dor que eu senti quando a perdi. A campanha era o jeito de compensar isso. Eu... eu não acredito que Ester faria isso, ela... - Ele para de falar, como se as palavras não fossem suficientes para demostrar seus sentimentos, seus braços caem desanimados ao lado do corpo.

Abraço meu corpo com mais força, em parte para me proteger do frio, mas também porque não sei bem o que falar.

- Justin... - Começo a falar, mas me calo assim que ouço alguém me chamar.

- Melina... - Viro-me em direção a voz, Pattie está atrás de mim. - Você se importa?

Faço sinal um sinal mostrando que ela pode vir e vou em direção a casa novamente, dou graças a Deus por ela ter chegado. Olho para trás e vejo os dois abraçados, Justin parecendo um menininho agarrado na mãe. Meu coração aperta ao ver a cena, naquele momento qualquer mágoa que ainda tinha entre os dois foi superada pelo amor.

Entro em casa e Jeremy está falando no telefone e pelo jeito que ele pronuncia as palavras, a conversa não parece estar sendo nada agradável. Fico parada ali na porta que dá acesso ao quintal sem saber o que fazer, me sinto deslocada em meio àquele momento que parece ser bem familiar. Jeremy desliga o celular e se vira para mim, ele dá um longo suspiro.

- Já estão tomando as providências para que essas pessoas sejam presas. Acho que Justin vai ter que depor.

- Por que você foi investigar a campanha? - Pergunto. No outro dia que conversamos ele não parecia querer se envolver com isso.

- Ouvi a conversa de vocês no corredor sábado. No fim acabou que você estava certa, Melina. - Ele diz com um sorrisinho surgindo em seus lábios.

Me encolho e aperto o casaco mais contra meu corpo, murmuro algo que era para ser uma afirmação, mas não tenho certeza se saiu bem isso e subo as escadas o mais rápido que consigo. Não consigo decifrar o que sinto em relação a Jeremy, em um minuto ele parece ser um pai atencioso e divertido, que quer o melhor do filho, e no outro é debochado e tão... tão.... Resmungo frustrada, não sei como o descrever, apenas sei que não gosto totalmente dele.

Entro no quarto de Jaxon, que por hora é meu, e fico por lá esperando as coisas se acalmarem ou até eu descobrir o que fazer.

Sento na cama e fico um bom tempo só mexendo no celular. Dou um salto quando a porta se abre atrás de mim, viro-me e encontro Pattie apenas com a cabeça para dentro do quarto.

- Tudo bem por aqui? - Ela pergunta com a voz doce, fico impressionada com a tranquilidade dessa mulher.

- Tudo bem. - Dou um sorriso meigo. Ela entra e fecha a porta. - E você está bem?

- Sim, sim. Estou bem. Sinto muito que você teve que passar por isso, Melina.

- Oh, não. Você não precisa se preocupar comigo. Estou bem.

Pattie suspira, parece preocupada, por um momento ela parece ser bem mais velha do que aparenta.

- Justin já passou por tantas coisas, teve uma fase que eu achei que fosse perder ele. - Afirmo com a cabeça, pensando se ela está falando do acidente que Justin me contou. - Achei que ele fosse morrer, sabe? Esse foi o ponto mais assustador, porque ele era adulto e poderia ir para qualquer lugar longe de mim. Eu não poderia força-lo a ficar perto de mim.

Concordo e dou um sorriso sem graça, sem saber bem o que falar. Me sinto totalmente desconfortável com suas palavras.

- Mas ele recuperou-se aquela vez, vai ficar bem agora também.

- É verdade. - Diz ela, saindo daquele estado de melancolia - Bom, vou deixar você se acomodar aqui. Se precisar de algo pode pedir ao Jeremy.

- Tudo bem. Boa noite.

Fico parada no meio do quarto ainda analisando suas palavras, e decido que não gosto de pensar nisso.

Sento na cama de Jaxon apertando os lençóis de bichinhos com minhas mãos, tento aguçar os ouvidos em busca de gritos, discussões ou algo que indique o que está acontecendo lá embaixo, mas não consigo escutar nada e fico ali por pelo menos vinte minutos. Depois de notar que não conseguiria escutar nada, a menos que eu descesse e isso estava totalmente fora de cogitação - me sentia desconfortável, realmente sinto que esse assunto eles têm que resolver entre eles - decido parar de tentar e ir tomar um banho.

Meu peito está apertado, quero chorar até adormecer, ou simplesmente sumir. Já troquei de roupa milhares de vezes e nenhuma parece ficar boa em mim, devo ter engordado desde que vim para as férias. Parei de me pesar há algum tempo, toda vez que me forçava a subir na balança era certo que a semana seguinte seria de muito choro e ódio. Eu não queria mais isso para mim, então decidi passar longe desse instrumento, que para mim, é de tortura. Espero conseguir mudar isso algum dia, não o peso que ela mostra no visor, mas minha relação com o número que insiste em controlar meu humor. Por enquanto é melhor ficarmos afastados.

Tiro a camiseta, irritada e a jogo na cama. Odeio me sentir assim, sempre fico uma vaca e minhas respostas saem mais grossas do que quero. E isso sempre me leva a magoar as pessoas que mais amo, o que acaba me machucando também. É um círculo vicioso que estou disposta a quebrar, mas não sei se sou capaz.

Respiro fundo impedindo as lágrimas de descerem, talvez eu não esteja pronta para estar com alguém. Não quando eu ainda posso machucar essa pessoa devido a um problema meu. Convenço meu cérebro com o bordão que criei para situações assim: Você não vai parecer maior do que é. Não que isso faça algum sentido, não tem que fazer, o importante é que me ajuda. Além do mais, esse sentimento sempre passa, pode demorar um pouco e muitas vezes parecer eterno, mas sempre vai embora. Só tem mais algumas horas para o dia acabar, e aí vem outro dia, mais uma possibilidade de ficar tudo bem. Todos passamos por dias ruins, e vencemos todos eles até agora.

Sento na beirada da cama, de pernas cruzadas. É claro que não é só por isso que quero chorar, essa situação com Justin também tem muito peso nessa equação. Odeio saber que o causador de tudo foi nossa conversa no corredor, mas fico mais aliviada em saber que pelo menos Justin não vai mais ser enganado agora.

Noto que já passou um bom tempo desde que subi, então decido ir atrás deles.

Quando vou abrir a porta, ouço alguns murmúrios baixos e logo Justin sobe correndo as escadas, entra no seu quarto e já sai novamente. Penso em ir atrás dele e perguntar como estão as coisas, mas instantes depois ouço a porta principal bater e o carro sendo ligado, deixando claro que estou sozinha naquela casa enorme.

Tento me entreter com algumas coisas, mas nada consegue manter minha atenção. Estou ansiosa, nervosa e curiosa para saber o que está acontecendo. Quando são 22 horas, subo para o quarto e deixo a porta encostada, caminho de um lado para o outro esperando escutar finalmente o barulhinho de chave na porta. Se eu fosse uma pessoa que roesse as unhas, agora elas provavelmente estariam no talo. Deito na cama de barriga para cima esperando as horas passarem.

Cerca de meia hora depois, Jeremy e Justin chegam em casa. Eles sobem as escadas devagar e vão para os seus respectivos quartos. Espero alguns minutos e vou até o quarto de Justin, a porta está aberta e eu me encosto no batente.

BURNING COLORSTempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang