Desemprego

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Depois de ter cancelado o curso de fotografia, Caian vê-se determinado em conseguir um trabalho. Seja para trazer conforto à própria mãe, seja para atenuar a situação financeira em que se encontra sua família. Ele gravou bem as palavras que o pai disse "você tem uma boa aparência", "talvez consiga um trabalho logo" algumas frases que perturbam o âmbito mental de Caian, que está vestido para ir entregar currículos. Meio dia e meia. Caian se levanta de sua cama para ir almoçar. Ao passar pelo quarto da mãe, a vê deitada. Para ele, é uma cena angustiante – até porque Maria Clara sempre foi uma pessoa proativa e alegre. Ao chegar à cozinha, vê seu pai sentado e com a cabeça apoiada na mesa, por cima do antebraço direito. Ao se aproximar, percebe baixos soluços. Otoniel está chorando.

- Pai... Pai o que houve? Por que está chorando? - Pergunta Caian, preocupado.

- Hoje só temos arroz pra comer... Caian... São meio dia e você vai sair pra entregar currículos, você precisa se alimentar, sua mãe também... Meu Deus! - Responde Otoniel, em tom de desespero.

Caian fica sem reação. Não sabe o que falar. Mas fica triste por ver o pai chorando. Essa cena não é comum. Mais triste ainda por saber que a mãe está praticamente em um estado terminal de câncer, seu pai desempregado e a situação financeira e a pouca estabilidade de sua família, simplesmente, regredindo.  No entanto, na tentativa de interromper as lágrimas do pai e transmiti-lo uma consciência mais positiva, Caian diz:

- Pai, pare de chorar. Por favor. Estou indo procurar trabalho agora. Você mesmo disse que precisamos ter fé e coragem. Não desanime. As coisas vão melhorar por aqui... Eu prometo!

- Tá tudo de mal a pior! Vou tentar falar com aquele meu amigo de novo sobre a vaga para mim. Acontece que o aluguel da casa tá atrasado, temos a sua câmera para pagar ainda, fora aqueles remédios que compramos para as dores da sua mãe. Não sei mais o que fazer. - Responde Otoniel, enxugando as lágrimas.

- Eu ainda tenho dinheiro. Sobrou de umas fotos que eu fiz semana passada para um amigo que vai se casar. Dá pra pagar minha passagem. E eu como alguma besteira na rua. Não se preocupe. Cuide de mamãe, pai. Faça o chá. Ela continua com muitas dores. Estou indo... – Despede-se Caian.

- Vai com Deus, filho. Que você possa conseguir. Que ele te abençoe. – Diz Otoniel, confiante.

Ele sai da casa em direção à parada de ônibus. Andando e pensando. Caian não está bem. Mas é por causa da onda de acontecimentos que viveu nos últimos dias. Parece que, de repente, uma bomba atômica de estorvos explodiu no meio de sua casa, diante de sua família. Ele se sente um pouco culpado por não ter começado a trabalhar logo. Ou por ter achado que os problemas nunca apareceriam. Contudo, um pouco de esperança ascende em seus pensamentos. Ele acredita que conseguirá. Concomitantemente, tem consciência de que conseguir um emprego em sua pequena cidade não seria uma missão fácil. Mas ele segue positivo. Seus olhos já estão com lágrimas de novo. Ele as derrama e limpa. O ônibus vem. Faz sinal. Entra. Vai.

No ônibus, Caian pensa para onde deve ir e cogita entregar seus currículos no único e pequeno shopping da cidade. Acredita que, por lá ter várias lojas, possa encontrar mais oportunidades e opções de entrega. Sentado na poltrona do coletivo, ele olha pela janela e contempla os poucos outdoors que vê na avenida. Ele sorri disfarçadamente. Admira as fotos das mulheres e homens que os estampam. Entidades famosas. Modelos. Ou atores. Mais precisamente modelos mesmo. Ele se lembra da infância, dos 11 anos de idade, quando sonhava em ser um modelo famoso. Desfilar em eventos importantes de marcas milionárias. Fazer fotos para diversas lojas conhecidas. Fazer parte de propagandas e comerciais na TV. Apesar de muito novo, já entendia tudo a respeito de tais questões. Sempre foi muito inteligente e quando não sabia de algo, pesquisava e ia atrás. No entanto, passou a acreditar que ele havia nascido para trabalhar com fotografia. Aliás, a cidade de Vila Áurea não é tão grande. Não tem quase nada relacionado ao ramo que ele sonhava. Então ele passou as gostar das fotos. Identifica-se muito. De repente, ele nota que já está próximo ao shopping.

Caian desce do coletivo e segue para dentro do shopping. Este não é grande. Tem apenas dois andares. Ocupa, mais ou menos, meio quarteirão. Ao entrar, Caian já inicia deixando o currículo em uma pequena lanchonete, no pátio de entrada do shopping. É simpático e sorridente com a atendente, que pega o documento e o deseja boa sorte. Caian está positivo. Parece que depois que entrou naquele lugar, uma onda de esperança e positividade preencheram os espaços da angústia. Talvez isso seja momentâneo.

Andando pelo piso liso e brilhoso do shopping, ao mesmo tempo admirando grandes lonas e, novamente, modelos estampando-as, Caian pensa, ao olhar para as lonas, "se eu não estivesse desistido, talvez pudesse ser eu nessas fotos" e ri. "Jamais, não chego nem aos pés desses homens... Seria um sonho" pensa Caian, sorrindo. A realidade é que ele sempre teve a autoestima baixa demais. Característica típica de pessoas dessa geração. Entretanto, a verdade é que todos sempre o elogiaram muito. Ele possui uma beleza única. Sempre foi elogiado por ter a mandíbula em formato quadrado, estilo ator americano. Olhos claros e castanhos. Lábios desenhados. Nem magro. Nem gordo.  Meio forte. Aquele físico de meninos que malham, mas o de Caian é natural. 1,83 de altura. Sua barba preta e um pouco volumosa. Só um pouco. Ela torna seu rosto mais bonito. É coerente com o formato dele. Seus cabelos são castanhos bem claros. Próximo ao loiro. E mesmo com todas essas características, ele ainda se autojulga feio. Mas lá no fundo, sabe que é bonito.

Depois de caminhar por todo o andar de baixo daquele pequeno shopping e ter entregado seus documentos em seis lojas, ele segue para cima, pelas escadarias rolantes. Ao chegar ao segundo andar, não acredita no que ver: uma loja de câmeras profissionais e semi-profissionais. Ele não imaginava que naquele shopping haveria uma loja desse ramo, aliás, para ele, isso só teria nos shoppings da capital. Decide, sem pensar duas vezes, ir lá e entregar um dos currículos restantes. Em frente à loja de câmeras, há um quiosque de sucos e lanches. Ao passar do lado, para chegar onde estão as desejadas lentes, ele nota que há um jovem olhando-o desde que chegou ao segundo andar. Contudo, Caian olha rápido e busca disfarçar. Passa. Entra na loja, conversa com o encarregado e o entrega seu currículo. Durante o bate papo, falando com o atendente sobre seu interesse pelas câmeras, devido ao curso que ele fazia, Caian, sem querer, olha para o lado de fora e rapidamente percebe que o rapaz continua observando-o da lanchonete propriamente dita. Decide ir a outros lugares do shopping. Saindo da loja, na frente, ele ouve uma voz:

- Ei! Ei!

Caian percebe que quem está chamando-o é o mesmo rapaz que estava olhando-o desde que pisou no andar de cima...

RepresáliaWhere stories live. Discover now