Capítulo XX

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Carlos Montenegro estendeu a mão, entregando a carta para Charlene. Ela soltou um suspiro angustiante e andou, parando em frente à janela. Deixou o papel que tinha entre os dedos cair sobre o tapete.

- Durante todos esses anos seu pai e mais algumas pessoas faziam parte de uma seita? - questionou Montenegro à espera de uma resposta plausível.

- Foi difícil acreditar que ele estava envolvido numa coisa dessas. Mas tudo o que você queria saber está nessas malditas caixas - respondeu Charlene limpando uma lágrima que escorreu pelo rosto.

- Por qual motivo você acha que comemorávamos todos os anos o nome do homem que fundou Santana? Mas o meu pai não teve culpa! Depois que minha mãe morreu, ele ficou distante, era como se estivesse presente e ao mesmo tempo não. Você entende? Por horas ficava sentado no sofá olhando para o quadro que desenhou. Algumas semanas depois ele começou a falar desse homem, que dizia saber por que nossa cidade estava sofrendo e porque minha mãe havia morrido. Isso foi o suficiente para ele acreditar. Ele saía à noite e só voltava na manhã seguinte. Era assustador vê-lo daquele jeito. Tive que tomar muita coragem para segui-lo. Eu tinha apenas doze anos! Estava sozinha e com medo. Meu pai está correndo perigo e creio que você, por ter voltado, também esteja.

- Você não tem ideia do que me trouxe de volta a esta cidade! - a voz de Montenegro saiu forte e fulminante.

- Então me conte, Carlos.

- Tudo isso que você me disse... todas essas coisas que vinham acontecendo desde que a gente se conhecia?

- Eu não podia contar, Carlos! - bradou Charlene sentindo as mãos ficarem trêmulas. - Meu pai estava envolvido. O que poderia fazer? Sair por aí contanto que os homens de Santana matavam jovens em rituais para livrar nossa cidade de uma maldição? Eles sabiam, apenas não queriam fazer parte. Não queriam sujar as mãos de sangue. Creio que sabiam que eu os observava. Acho que queriam que alguém visse o que eles praticavam. A princípio desconfiei, pois foi tão fácil entrar na caverna. Então aquele homem me fitou. Fiquei paralisada - disse ela girando o corpo, olhando fundo nos olhos de Carlos. - Meu escape foi começar a escrever essas cartas. É por isso que querem meu pai. Eles acham que tudo o que fizeram foi revelado por ele.

- E por que isso agora? Por que ameaçá-lo agora, se sabiam que sua filha assistia tudo? E por que está me contando depois de tanto tempo?

- Agora você entende porque era difícil eu sair com vocês. Escolhi ficar o mais longe que podia. Descobri tudo sozinha e sabia que, se contasse, meu pai já estaria morto. Você não imagina o quanto foi perturbador ver as coisas que eles faziam. Ouvir os gritos daquelas jovens enquanto eles cantavam.

Charlene fez uma pausa, precisava de ar, precisava respirar aliviada. Mas enquanto estava ali seus pensamentos permaneciam juntos de Antônio Lazar.

- Nunca imaginei que fosse ver você de novo. Mas hoje dei de cara com você parado no meio da minha sala. Quando o vi, achei que algo estava para acontecer. Não podia ser mera coincidência sua vinda até Santana e meu pai o ajudando.

- E quem era esse homem que veio aqui? Você o viu alguma vez? - indagou Carlos.

- Sim. Eu o vi... Foi em uma noite.

Charlene revirou os olhos, como se estivesse buscando lembranças

em sua mente.

- Estava frio... eu acordei no meio da noite ouvindo meu pai conversar com alguém. Fui até a sala, a porta estava aberta. Ele estava na varanda com a espingarda em punho.

- Então você viu o tal homem?

- Não - disse ela. - Não vi ninguém. Meu pai estava sozinho. Falei algo sobre a garrafa de uísque. E ele foi rude comigo. Subi correndo para o quarto e só desci quando o sol já havia nascido. Procurei por ele na casa toda e, como não o encontrei, fiquei lá fora na varanda. Ele chegou com a picape, mas não me disse aonde tinha ido.

- Venha. Nós dois vamos atrás de seu pai.

- Não podemos ir onde ele está - ela interpelou.

Montenegro pareceu que iria partir para cima de Charlene, querendo tirar tudo o que ela sabia. Então decidiu fazer do seu jeito.

- Onde você está indo? - ela perguntou parada ao lado da cama.

- Indo atrás desses tais de Datrios.

- Não! - gritou ela. - Preciso de você aqui comigo!

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