OITO - UM DELES, UM NOSSO

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I A N

PARAGUAI

A antiga casa da Cintia cheirava a fumaça de velas. Na grande sala havia um quadro com uma foto sorridente da mulher que Ian conhecia tão bem. Os pais de Cintia estavam sentados em um dos sofás e recebiam as condolências de todos que entravam para rezar o terço. Sem que alguém notasse, Ian subiu as escadas que levavam para o segundo andar.

No largo corredor do segundo andar, havia uma janela grande com vista para os fundos da casa. Havia um gramado e uma árvore centenária que fazia uma sombra majestosa. Ian escorou naquela janela e encarou o gramado, fazia muito tempo desde o dia em que ele havia partido dali.

Aquele gramado lhe trouxe, automaticamente, umas das memórias preferidas de Ian sobre Tamires.

Eu guardo uma memória de nós dois. – Pensou Ian. – Uma das minhas memórias preferidas sobre nós. Uma sobre uma tarde quente onde nós conversávamos sobre o futuro, mesmo sem entender qualquer coisa sobre ele, quando você disse algo que me fez ter uma crise de riso. Você havia acabado de dizer algo bobo, mas aquilo pareceu tão engraçado para mim que lágrimas escorreram dos meus olhos de tanto que eu ri. Então eu deitei naquele gramado tão verde e tão frio e ignorei sua cara de brava. A princípio você ficou irritada, mas logo cedeu e deitou ao meu lado, rindo também. E naquele instante eu podia jurar que a sua risada seria capaz de preencher céus e mares. Depois da crise de riso nós permanecemos deitados no gramado olhando as árvores altas e os raios de sol que passavam por entre as folhas. A tarde então pareceu menos quente naquele momento. Tudo ficou tão suave e tênue como numa realidade paralela. Um sonho bom do qual você fica triste quando acorda. A dois palmos de distância eu te encarei olhando para o céu por mais três segundos até nossos olhares se encontrarem. Então o silêncio preencheu o momento mais uma vez enquanto recuperávamos o fôlego e eu aproveitei o tempo para decorar todos os traços do seu rosto. A testa estreita, o nariz pequeno, as bochechas rosadas e o batom claro em seus lábios. Eu pude sentir seus olhos decorando cada traço do meu rosto também e aquilo me fez rir. E você riu daquilo. Naquele momento nenhuma arquibancada cheia de torcedores e nem os gritos de um Maracanã lotado poderiam preencher aquele instante como nós havíamos preenchido.

Ian ainda gostava de lembrar daquele tempo, mesmo que agora a memória o deixasse mais triste do que feliz. A nostalgia fez seu peito apertar. Ele então soltou um suspiro de impaciência e desvencilhou o olhar da janela para as paredes do corredor.

O vampiro encarou os papeis de parede já sem cor e seguiu pelo corredor até parar na primeira porta aonde, sem pensar no que fazia, girou a maçaneta e entrou no quarto. O quarto de Cintia continuava o mesmo. A cama de casal na parede do lado direito ficava em frente a um enorme guarda-roupa de madeira. As janelas que davam para a sacada estavam fechadas e a penteadeira repleta de perfumes e produtos de beleza continuava intocável.

Lentamente, o vampiro sentou na beirada da cama e encarou as portas fechadas do guarda-roupa. Desde o dia em que ele havia absorvido a vida de Cintia, ele lutava para os pensamento dela não ocuparem sua mente, mas naquele momento, estando naquela casa, naquele quarto, as imagens em sua cabeça se misturavam.

Ian fechou os olhos e tentou controlar a respiração. As lembranças de Cintia começaram a se multiplicar em sua mente, uma por cima da outra, todas num repleto caos.

Yo te amo – disse ela para um homem, ambos deitados naquela cama.

Sí, te encuentro más tarde– dizia Cintia ao celular, escorada na sacada.

Heróis (Concluída)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora