DOIS - AQUI SE FAZ, AQUI SE PAGA

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F E R N A N D O

As ruas de Itacorá estavam escorregadias no dia seguinte. No final da tarde do dia anterior, o calor era tão infernal que chamou uma tempestade no final do dia. Os ventos eram fortes e a chuva densa e grossa. O dia havia amanhecido nublado. As ruas estavam cobertas de folhas de árvores e tudo estava molhado ou úmido.

Fernando parou em frente à igreja sem saber se deveria ou não entrar. O velório estava prestes a começar, mas sua única vontade era de sumir dali para sempre. Ele então passou a mão pelo terno preto bem passado e sentiu os pés desconfortáveis naquele sapato que raramente usava.

O corpo de Laura estava sendo velado desde o dia anterior no salão paroquial da igreja, mas devido à chuva e o vento descontrolado que caiu no final do dia, o caixão foi levado para dentro da igreja, aonde aconteceria a missa e logo depois o enterro.

Fernando continuou parado em frente à igreja que possuía uma construção rústica de grandes blocos de pedras. A torre do sino lembrava a torre de um castelo medieval e toda a igreja era rodeada de longos pinheiros verdes. Fernando encontrou Ágata parada nos degraus da igreja, ele foi até ela. Os dois trocaram um abraço forte e caloroso e em silêncio entraram na igreja juntos. A igreja por dentro não era muito grande. Os bancos eram de uma madeira forte, resistente e estavam brilhosos. O altar era pequeno e também tinha parte da estrutura em madeira já as cortinas no fundo eram num tom dourado fosco.

O piso estava coberto por um carpete azul claro e um desenho de uma cruz gigantesca estava pintado por toda a extremidade do teto. Os lustres eram grandes e estavam todos acesos, deixando assim o ambiente bem iluminado.

Fernando andou lentamente até a frente e parou rumo ao segundo banco. Ele mantinha seus olhos fixos no caixão grande e pesado, agora fechado, rodeado por vasos grandes de rosas. Sua mãe adorava rosas. Em cima do caixão havia um buquê enorme de rosas brancas e vermelhas. A tampa preta do caixão brilhava de forma intensa e aquilo fazia o nó em sua garganta o estrangular ainda mais.

Ao lado havia um quadro com uma foto dela. Era uma foto onde ela estava sozinha, sentada em uma cadeira e segurando um cesto de flores. A foto fazia parte de um ensaio fotográfico que ela havia feito em seu penúltimo aniversário. Naquele momento, a dor que Fernando sentia era algo infinito e extremamente sufocante. Era uma dor forte que fazia o coração oscilar às vezes. Era uma dor tão forte que fazia os olhos doerem toda vez que uma lágrima caia.

Fernando sentiu alguém colocar uma mão sobre seu ombro e ao virar para trás, se deparou com Kayo usando um terno parecido com o dele. Os dois trocaram um abraço rápido e silencioso.

– Pensei que você já havia ido pro Japão – disse Fernando.

Kayo e Fernando se conheciam desde o tempo do colégio e foram amigos durante todo o ensino médio. Depois da formatura, os dois acabaram se vendo pouco e lentamente foram se afastando. Kayo conhecia toda a família de Fernando e naturalmente, na noite anterior, quando Laura de fato foi a óbito, Fernando avisou Kayo, que lhe disse que estava de partida para o Japão.

– Eu vou mais tarde – disse Kayo seguindo para se sentar em um banco, Fernando foi o acompanhando. – Eu não poderia deixar de me despedir dela – ele olhou para frente e encarou o quadro com a foto de Laura. – Como você está se sentindo? – Disse ele depois de meio minuto em silêncio voltando a olhar para Fernando.

– Como se algo tivesse morrido em mim também – disse ele baixinho. Kayo estava prestes a continuar com a conversa, mas foi interrompido pelo padre, que tomou lugar no púlpito e começou a falar.

– O senhor dá e o senhor tira – disse o padre. Mas depois disso a única coisa que Fernando conseguiu fazer, foi lembrar dos momentos que teve com Laura viva ao seu lado e chorar em silêncio.

Heróis (Concluída)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora