UM - A HORA DO PESADELO

902 69 120
                                    



I A N

Ian acordou sobressaltado assim que o ônibus parou na rodoviária da velha Itacorá. Ele havia caído no sono e acordou após um pesadelo, o mesmo que o acompanhava a dois longos anos. O rapaz levantou do banco com o braço dormente e foi em direção à saída tentando não pensar muito naquilo.

O calor infernal do fim de janeiro deixava Ian mal humorado e um pouco ranzinza. Ele deu uma rápida olhada ao redor e ficou um tanto frustrado ao perceber que tudo permanecia exatamente igual, mesmo depois de dois anos. A rodoviária ainda era um prédio baixo e desbotado, na frente dela as lojinhas de artigo eletrônico continuavam com a mesma cor na fachada e o céu permanecia com aquele tom "cor de vômito de gato" recorrente de todo final de tarde.

O rapaz se certificou que sua única bagagem, uma mochila preta, permanecia em suas costas e entrou em um táxi rumo ao centro da cidade onde ficava o prédio com seu antigo apartamento.

– Rua Getúlio Vargas – disse ele ao motorista ao se acomodar no banco de trás do carro. – É um prédio na esquina, em frente à Churrascaria do Tito.

O carro seguiu por um trajeto passando em frente a uma praça que não existia na cidade há dois anos. Havia um campo de futebol sintético, uma pista de skate e uma pequena lanchonete que estava fechada. Uma enorme pista de patins havia sido construída ao redor da praça, além de bancos de madeira e árvores distribuídas de forma aleatória.

– Essa praça é nova? – Perguntou Ian encarando um garoto descendo com um skate pela rampa. O motorista do táxi, um senhor de idade com um bigode branco e que usava um boné cinza na cabeça olhou em direção à praça também.

– É a Praça Otávio Gasparini – disse o motorista, em seguida ele voltou a prestar a atenção na estrada a sua frente. – Ela foi inaugurada há pouco tempo. – Ele buscou os olhos de Ian pelo retrovisor. – Aqui ia funcionar uma clínica que acabou desabando no dia da inauguração – ele soltou um risinho, mas Ian permaneceu sério. – Os cara gastaram um dinheirão pra construir um prédio que explodiu e nem chegou a funcionar – disse o motorista que parecia indignado. – Parece que houve uma explosão no penúltimo andar e o prédio foi condenado...

O carro passou da praça e então entrou na rua onde ficava o prédio com o apartamento de Ian.

 – Pode parar aqui – disse Ian apontando para um espaço vago em frente ao seu prédio. – Aproposito, –  o motorista encarou Ian pelo retrovisor enquanto estacionava o carro  – a explosão foi no último andar – disse ele entregando o dinheiro para o motorista antes de sair do carro – eu estive lá. – Em seguida ele saiu e fechou a porta do carro, deu a volta por trás e caminhou até ao enorme portão branco, que como ele imaginou, estava destrancado.

Ian subiu as escadas e parou no segundo andar, em alguns instantes lá estava ele procurando as chaves dentro de sua mochila para entrar em seu apartamento. Parado em frente à porta por uma fração de segundos, ele sentiu que assim que abrisse aquela porta, todo o passado voltaria a fazer parte do seu presente. Ian então soltou um suspiro de derrota e destrancou a fechadura. Assim que atravessou a porta uma onda de poeira veio em sua direção lhe dando as boas vindas e o fazendo espirrar.

– Merda – disse ele. – Eu deveria ter mandado alguém vir limpar esse lugar.

Ele apertou o interruptor, mas a luz não acendeu, andou até a cozinha, mas nem sinal de água na torneira. Poeira e teias de aranha dominavam aquele triste apartamento cinzento. Ele abriu o armário de sua pequena cozinha americana e encontrou uma garrafa de Red Label pela metade ao lado de um pacote mofado de bolachas recheadas.

Heróis (Concluída)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora