Capítulo XXXI: Plano espiritual; Cordão vital

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      “A porta da casa do fauno foi aberta de todo jeito com o Nordes entrando as pressas e segurando a porta para que os demais entrassem trazendo o bruxo inerte.
- Ponham ele aqui na mesa rápido! – ordena o fauno jogando tudo de cima para o chão, tigelas, canecas e os talheres, como eram tudo de madeira não tinha perigo de quebrarem.
O bruxo é suspenso pelos amigos e colocado na mesa, Kyle e Shermicy estavam em prantos chorando, o Like com olhos lacrimejados segurando as lagrimas. O Fauno se aproxima e faz um novo exame no Edward. Toca em seu pulso, pressiona a mão em seu peito apertando algumas vezes, ponhe o ouvido perto da boca, escutou por um tempo. Se afastou e foi ate sua prateleira onde continha vários potinhos com pós de diversas cores dentro.
- Então senhor Nordes? O que houve com o Ed? – pergunta Like tirando os cabelos da testa suada do amigo.
- Ele teve um infarto fulminante. Seus órgãos pararam, mas pelo que parece o cérebro ainda funciona, então temos que ser rápidos pois temos pouco tempo para ele ir de vez. – explica o Nordes e pega o potinho do qual queria, chega perto dos jovens e lança um pó amarelo em cima do bruxo recitando algumas palavras magicas, no decorrer que o pó tocava o corpo inerte, um cordão brilhante aparecera no umbigo do bruxo, tremeluzente indo em direção a janela.
- O que é isso? – pergunta Kyle chorando e apertando a mão do amigo.
- Esse é o cordão da vida, a ligação entre o físico e o espiritual. Significa que seu espirito se separou do corpo mas o cordão que liga eles não fora rompido, por isso ainda temos chance. – fala Nordes voltando para sua prateleira e pegando outros potes.
- E o que ocorre se esse cordão se romper? – pergunta Like temendo a resposta. O fauno para o que estava fazendo e olha para o demônio.
- Se o cordão se romper ele morrera. – Like olha triste para o corpo do amigo e afaga a testa úmida. Kyle retomara seu choro chamando pelo nome do bruxo.
- Shermicy o que aconteceu no lago? – olha Like para a lobo que chorava mais no canto afastada dos demais. Ela os olha sentindo uma pontada de culpa. Será que de fato tinha culpa?
- Após ter desfeito a conexão com o lago ele tornou descontrolado e queria tocar as aguas outra vez. Tinha que impedi-lo, ele era mais forte do que eu e já estava quase conseguindo o que ele queria, eu não podia deixar, ele ia morrer. – fala Shermicy chorando cada vez mais.
- Então não tive outro jeito, dei uma pancada na nuca dele para desmaia-lo e puxá-lo de volta, mas a respiração dele ficou curta e então não tinha mais batimentos nem nada. Não queria mata-lo, era só para perder os sentidos. – ela põe as mãos no rosto para esconder a vergonha e o sentimento de culpa.
- Não se preocupe lobo, não foi por causa de seu golpe ele ter tido o taquicardíaco. Foi a emoção do momento que fora demais para ele. – fala o fauno tirando o fardo da culpa dos ombros da Shermicy.
- Agora vamos rápido, precisamos trazer o espirito dele de volta.
- E onde o espirito dele tá? – pergunta Like.
- No lago.”
      Uma dor fina percorre da minha nuca para a parte de trás da minha cabeça, tudo estava escuro e silencioso, sentia folhinhas de grama pinicando minhas costas, abro os olhos lentamente e vejo um céu negro acima de mim, os únicos detalhes eram os pontinhos brilhantes que continham nele, e a grande lua que iluminava todo o local. Me levanto vagarosamente e fico sentado, a dor ainda persistia mas não incomodava. Olho ao redor e vejo que ainda estou na clareira do lago dos dois mundos, fico de pé e limpo minhas roupas com minhas mãos pequenas, espera! Minhas mãos estavam pequenas, olho para mim meu corpo estava pequeno, corro para beira do lago e olho meu reflexo, eu tinha voltado a ser criança.
      Fico zonzo, era muita informação, tento me lembrar o que acontecera, e as lembranças vem aos poucos. Minha mãe no lago partindo, a Shermicy me impedindo de voltar, ela dizendo que... ...não consigo me recordar bem do que ela dissera, e depois uma pancada na minha cabeça e fim. E como eu tinha voltado a ser criança? Magia? Ou estava sonhando como sempre, olho para mim outra vez e vejo uma corda brilhante no meu umbigo que percorria pela trilha de volta para a cabana do Nordes, não doía, não queimava, só estava ali.
- O que é isso? – pergunto para mim mesmo sem esperar resposta.
- Esse é o cordão da vitalidade. – uma voz responde atrás de mim, e me viro no susto, olho o autor, ou melhor, a autora e me alegro era minha mãe.
   Corro até ela alegremente e me jogo nos seus braços, abraçando-a forte, como sentia falta daquele toque, daquele cheiro. Daquela sensação de aconchego e proteção.
- Mamãe, a senhora esta aqui. A senhora esta viva! – falo olhando para ela de baixo, pois era uma criança novamente. Ela me olha com um sorriso torto.
- É filho estou aqui, mas não estou viva. – fala ela me soltando.
- Como assim? Se a senhora não esta viva, então, como posso tocá-la? – pergunto em duvida.
- Na verdade é você quem morreu. – recebo a noticia com um choque.
      “O cordão tremeluz e estica como fazendo menção para partir, o bruxo ainda estava deitado na mesa, sem camisa com o peito exposto e com alguns símbolos riscados nele. O fauno passava um objeto que expelia uma fumaça cheirosa com mistura de ervas e alguns dos pós que pegara na sua prateleira sempre recitando umas palavras magicas como uma canção em outra língua, Like estava na cabeceira da mesa, abraçado com o amigo, Kyle chamava-o pelo seu nome silenciosamente para que voltasse e a lobo ainda estava num canto afastado da sala sem saber o que fazer, só chorar com sentimento de culpa, mesmo que não tenha sido culpada.
- O cordão tremeluziu, o espirito encontrou algo muito intimo e pessoal do outro lado que pode impulsiona-lo a ficar e o cordão se partir, precisamos continuar. – fala o Nordes e retoma sua canção passando o atiçador de fumaça cheirosa pelo corpo inerte.”
- Como assim eu morri? O que houve mamãe? – pergunto ainda em choque e sem entender como eu tinha morrido.
- Na verdade meu filho o seu corpo morreu, você teve um ataque fulminante onde todos seus órgãos pararam, só seu cérebro funciona por conta do cordão que liga o físico com o espiritual. – explica minha mãe e olho para a corda brilhante do meu umbigo.
- Então quer dizer que sou um espirito?
- Sim meu filho, você é sua forma espiritual. Estamos em outro plano.
- E porque meu espirito é minha forma de criança? – pergunto querendo saber porque estava daquele jeito.
- Porque foi a época em que você teve um trauma maior. Então as lembranças de um passado se manifesta no outro plano fazendo com que você volte a sua forma infantil. – olho para minha mãe e sorrio abraçando-a outra vez.
- Então quer dizer que vou ficar com a senhora para sempre? – pergunto olhando para ela alegre mas ela não estava feliz.
- Se o cordão se partir filho, sim, você ficara aqui. Mas aqui não é seu lugar. Seus amigos estão do outro lado fazendo de tudo para você voltar.
- Não quero voltar! Quero ficar aqui com a senhora, nem que eu precise morrer de vez!
      “O cordão tremeluziu mais uma vez ficando mais fino, o Nordes começa a suar pois estava imaginando o que poderia ocorrer adiante. Ele termina sua canção e solta o objeto de lado e vem ate o bruxo, confere os sinais vitais e se desespera ainda mais.
- Gente, os sinais não estão voltando, o cordão esta se partindo, falta pouco para se romper. Vamos perder ele. – fala o fauno e o desespero começa a tomar conta de todos, Like começa a chacoalhar os ombros do amigo e chama-lo com a voz embargada de lagrimas, a Kyle se desespera e um enjoo toma conta de dentro de si que corre para o banheiro para vomitar, a Shermicy se encolhe chorando, seu coração palpita aceleradamente, iria perder o companheiro de viajem, o que iria fazer dali por diante, presa numa ilha no meio do oceano. O que faria sem ele. Ela corre ate o bruxo e chega perto dos demais.
- Edward! Acorda! Não nos deixe, esta me ouvindo não nos deixe. – pelo toque da lobo o cordão engrossa seu brilho o fauno analisa novamente os sinais vitais e uma esperança ressurge.
- Gente ele esta com o pulso fraco, esta voltando aos poucos, vamos todos nos unir. Cada um põe a mão no peito dele. – após as instruções Like, Shermicy e Kyle que chegara depois colocam a mão no peito do amigo onde estava desenhado um símbolo de amor cruzado com o da amizade. O fauno põe a mão em cima da deles e se concentra.
- Agora pensem em lembranças boas ao lado dele, chamem ele na mente, vou trazê-lo de volta. – então todos se concentram e o fauno começa a recitar suas palavras magicas e os símbolos em seu peito brilham fortemente.”
- Filho você não pode falar isso! Aqui não é lugar para você! – minha mãe me repreende e me encolho como uma criança chorona, como de fato era.
- Mas mãe. Eu quero ficar com a senhora, preciso da senhora comigo.
- Meu filho sua jornada ainda não acabou, você tem pessoas do lado de lá que precisam de você, que esperam que você volte. – ela fala e imagino como meus amigos estavam naquele momento.
- Eles irão superar mãe, eu que não conseguirei prosseguir sem a senhora perto de mim, me deixe ficar eu quero ficar! – falo com as lagrimas já ameaçando cair.
- Edward, escute. Todos nós temos um destino a cumprir, temos um começo, um meio e finalmente um fim. Eu tive um começo, aprendi tudo que pude e que me ensinaram, tive um meio onde corri mundo, amei, me enganei, tive você e lutei por você, e tive um fim. O final de minha trajetória, mas você Ed, ainda estar no meio. Seu fim ainda não chegou, pode estar próximo ou distante, mas esse momento não é o seu fim. – começo a chorar pois minha mãe não me queria perto dela, mas não para meu mal, e sim porque ela não queria esse fim para mim. Olho para o cordão no meu umbigo e uma pressão me chama atenção na minha cintura.
- Bom mamãe a senhora estar certa, meu fim ainda não chegou, mas, vou adiantá-lo de vez. – falo passando a mão na minha cintura rapidamente.
- Ed não! – grita minha mãe quando levanto minha adaga e faço menção para cortar o cordão da vitalidade e ficar de vez no plano espiritual. Quando a lamina chega perto de cortar o cordão o mesmo tremeluz e me puxa me desiquilibrando e caindo de costas errando o corte e a arma caindo no chão.
   Não sei como acontecera aquilo era como se alguém tivesse puxado a corda, me sento e olho o cordão esticado na direção da floresta, olho para minha mãe, e ela me encara.
- Desculpe filho não é assim que se decide o destino. – com isso o cordão me puxa e sou arrastado para dentro da floresta gritando o nome da minha mãe.
“O cordão fica mais grosso e brilhante, o corpo inerte se mexe com um solavanco, todos se assustam, o peito do bruxo começa a subir e a descer vagarosamente com pequenos intervalos fora de sinal.
- Vamos lá gente! Ele está voltando, pensamentos positivos! – ordena Nordes voltando seu encantamento e todos voltam a se concentrar com mais veracidade. Cada um com suas lembranças. Shermicy se concentra mais esperançosa e lembra da noite em que dançaram na taberna ao som da lambada.”
   Eu estava sendo arrastado pela trilha que segui com a Shermicy no inicio da noite, o cordão me puxava com força, tentava me agarrar nos troncos das arvores em pedras e em arbustos, mas era tudo em vão, as folhas soltas no chão passavam ligeiramente pelo meu campo de visão, minha adaga ficara para trás no lago, se estivesse comigo poderia cortar o cordão de vez. Olho por cima da barriga e vejo a trilha quase no fim, já estava avistando a casa do Nordes ao longe e o cordão vindo da janela. Quando estava prestes a sair do caminho uma mão me agarra e impede meu progresso, olho para cima e era Sheridan o irmão morto de Shermicy.
“Tudo estava dando certo, cada vez mais o cordão brilhava e regredia para o corpo do bruxo inerte, as esperanças estavam a mil, ele acordaria e tudo ficaria bem. Enquanto todos estavam com seus pensamentos mais fortes e contritos, o Nordes recitava cada vez mais forte as palavras magicas, a noite estava se esvaindo aos poucos dando abrimento ao amanhecer, o céu de negro estava ficando aos poucos em tom laranja e rosado com o casamento da luz lunar com a luz do alvorecer, a corda vital vinha com mais intensidade ate que de repente ela para, seu brilho cessa numa fraca iluminação, as pulsações e os sinais vitais morrem e o brilho dos sinais desenhados no peito do bruxo perdem a cor. Todos param e ficam olhando sem entender. Nordes analisa cauteloso.
- É tarde demais. – se pronuncia o fauno.
- Como assim tarde demais? O que houve? Por quê tudo parou? – pergunta Like.
- Algo agarrara o espirito do bruxo, não podemos fazer nada, é questão de tempo para o cordão se romper. – fala cabisbaixo o fauno e todos se desesperam.
- Não, não, não! Ed! – grita o Like sacudindo o amigo. A Kyle chorando se junta ao Like chamando pelo amigo. Shermicy tentou absorver a informação lentamente sem querer acreditar, sem querer aceitar. Não era possível estava quase lá. Um aperto corroei seu peito, ela olha para o cordão com o brilho fraco saindo pela janela e toma uma decisão tola. Se levanta e sai correndo pela porta.
   Ela saiu pelo jardim do fauno seguindo na direção de onde vinha o brilho fraco, da passagem da trilha para o lago, o céu já tinha perdido todo a negritude e já se via pitadas de azul bebê fundido no alaranjado da manha, a lobo corre e sobe a trilha, ao chegar na entrada vê mais a frente o cordão ter um fim a nada, simplesmente acabava ali, não sabia porque, devia seguir ate o lago; mesmo não tendo nada a frente dentro de si sentia que algo de ruim estava acontecendo e com uma atitude sem pensar estica a mão e segura no cordão vital, nada magico poderia acontecer a ela pois era imune a magia mas ao tocar uma luz encandeia sua visão e quando consegue ver claramente preferia não estar vendo nada, a sua frente estava um menino, de olhos verdes brilhantes e assustados deitado no chão tentando se livrar do agarro de um homem, Sheridan.
- Nãoooooo! – grita Shermicy atraindo a atenção dos dois.”
      O irmão morto da Shermicy me segurava com força no chão, por um momento não queria ser um espirito, pois parecia muito real, o agarro e a dor pois ele cravara as unhas no meu braço.
- Agora somos eu e você bruxinho. – rosna ele olhando fixamente para mim. Tento me soltar mas não consigo, estava tão nervoso que não conseguia pensar direito.
- Me solta lobo, me deixe em paz! – grito cuspindo na cara dele, mas só deixou ele mais raivoso.
- Não adianta se debater coisinha, você esta no plano espiritual não tem como morrer duas vezes. Primeiro vou soltar o laço que lhe prende do mundo físico, depois vou lhe estraçalhar para sempre. – fala ele erguendo a mão livre pronta para cortar o cordão que me ligava ao plano físico, se ele conseguisse estaria acabado, eu morreria de vez. Começo a me debater, mas estava bem preso, sinto uma pressão no cordão que estava no meu umbigo, uma sensação de arrepiar, não sabia o que era e não daria tempo para descobrir, pois ele já estava desferindo o golpe final.
- Nãooooo! – um grito ecoa no vale, o lobo para sua investida e olha e sigo sua visão, só podia ser sonho, ou ela também tinha morrido pois era a Shermicy a nossa frente, não sabia como chegara ate ali mas estava agradecido.
- Você novamente Sher! Saia daqui, preciso terminar um serviço que era seu. – fala o lobo voltando sua atenção novamente para mim para continuar de onde havia parado.
- Sheridan não faça isso! – ele não dera ouvido a irmã e desfere o golpe no cordão mas antes dele concluir, ele recebe um chute na lateral de seu corpo que o faz cair de lado me soltando, olho a autora do golpe era a Caline, mas não dera tempo para agradecer, pois o cordão tornara a me puxar como estava antes.
- Caline!
- Seja feliz. – foi a única coisa que consegui ouvir da boca dela, ate ela sumir do meu campo de visão, olho para frente e estava indo de encontro com a Shermicy, iriamos nos chocar, quando chego próximo a ela, ela some.
   A lobo desaparece por um segundo a tempo de passar por ela e o cordão me puxa para cima, agora estava sendo arrastado no tempo. Olho para baixo e a vejo jogada no chão, olho para frente e estava voando em direção a janela da casa do Nordes, do alto dava para se ver a porta aberta e meus amigos em volta de mim adulto, chorando e o Nordes recitando suas palavras magicas, quando chego próximo de passar pela janela o fauno olha para mim, como se pudesse me ver e sorrir, eu entro pela janela levito em cima do meu corpo adulto inerte na mesa e o cordão me puxa para dentro do meu eu.
Abro os olhos num relance e me sento automaticamente meus amigos se assustam e me encaram perplexos, depois da ficha caída eles gritam e se jogam em cima de mim chorando descompassadamente, sorrio e me permito chorar também, era estranho saber o motivo real da choradeira, estava me sentindo inteiro, achava que estava dormindo, não lembrava bem, só se lembrava de um sonho estranho de que eu havia morrido, olho para o fauno e ele estava sorrindo então olho para a janela, para além do caminho na entrada da trilha, meu coração se aperta de certa forma, olho para a porta aberta e meus sentidos se aguçam. Me desvencilho do abraço e saio da mesa meio zonzo e confuso.
- Ed calma você tem que descansar. – fala Like mas não dou atenção saio correndo pela porta.
- Ed o que foi? – pergunta Kyle correndo atrás de mim junto com o Like. Corro o mais rápido que posso até a trilha, ao chegar na entrada vejo um corpo caído no chão, os cabelos emaranhados cobrindo a face desacordada.
- Shermicy!

A Fonte de Lilith - Coleção Herdeiro de Bayeux "livro 2"Onde histórias criam vida. Descubra agora