— Sabe, não era isso que eu tinha em mente... Na verdade, é bem o oposto que eu esperava — disse Cris enquanto encarava a tela da TV, sem expressão. Então, se virou para Nelson e Marcelo.
Os dois nadadores jogavam videogame, focados demais para tirar seus olhos da tela. Eles estavam sentados no chão com as costas contra a cama de Nelson.
— Foi mal atrapalhar seus planos pra hoje, Cris — disse Marcelo, com olhos arregalados e sem piscar. Estava tão imerso que se movia com os jogadores na tela. — Mas quando o idiota aqui ligou e me convidou, sabia que ele tava na iminência de uma crise de pânico. Como seu melhor amigo, simplesmente tive que atender o pedido, fazer o que.
— Eu não ia ter uma crise de pânico. Pare de mentir pro meu assistente — reclamou Nelson, quase ficando de pé no chão enquanto esmagava os botões do controle. — E, caso eu fosse mesmo ter uma, não que eu vá ter, digo, caso fosse, você devia deixar seu melhor amigo vencer a partida, porra!
— Eu deixaria, sério, Nelson — disse Marcelo, sorrindo. — Mas nem se eu jogasse vendado e sem tocar no controle você ia ganhar de mim.
— Corrigindo, se você não trapaceasse.
— Está insinuando que minhas habilidades são trapaça? — Marcelo negou com a cabeça. Ainda que não aprovasse o comentário do amigo, jamais tirou os olhos da tela. — Eu sabia que você era mau vencedor, mas em pensar que era mau perdedor também.
— Não sou!
— Então por que desistiu de jogar pra valer? Faz um tempo que você está tentando só acertar carrinhos e tirar meus melhores jogadores do jogo.
Nelson não respondeu enquanto tentava fazer seu personagem dar um carrinho por trás. Mas Marcelo viu e o driblou com facilidade. Depois, o juiz apitou, indicando o fim da partida.
Marcelo foi o óbvio vencedor, com um incrível 7 a 1. E o único gol de Nelson foi porque Marcelo ficou passando a bola para o goleiro e errou uma hora. O fato do melhor amigo estar sorrindo não ajudava em nada o humor de Nelson.
— Cala... Só cala... cala a boca, tá bom?
— Calma. — Marcelo riu maldosamente. — Não fale assim com os vencedores. Em vez disso, vai me pegar uma cerveja, cara — disse, com tom autoritário, estendendo a mão ao mesmo tempo.
Nelson encarou seu melhor amigo por um tempo, sem se levantar.
— Pega uma pra mim também — disse Cris, sentando do outro lado de Marcelo e pegando o controle de Nelson. — E nenhuma pra você. Não vai ingerir uma gota de álcool esta noite.
— Eu sei — disse Nelson com a voz amarga. Ele arrastou os pés até a geladeira do quarto, murmurando alguma coisa que a dupla não pode ouvir. — Eu convidei vocês aqui pra passar um tempo comigo, por que virei o garçom?
— Porque é um perdedor — disse Marcelo, como se fosse óbvio.
Cris cobriu a boca, mas ainda acabou rindo.
O outro nadador se virou para o assistente quando Nelson procurava a cerveja.
— Sinto muito por atrapalhar você. Mas quando o idiota me ligou...
— Eu sei. Não precisa se desculpar. Tipo, eu tenho outras expectativas quando um cara me convida pra passar a noite, mas o Nelson é denso demais pra sacar — disse Cris, dando de ombros. Mas a atitude não escondeu o pequeno sorriso em seu rosto.
— Ah, mas é claro, colega. Sinto muito por você, mas, infelizmente, ele é tão denso quanto um protagonista — disse Marcelo, balançando a cabeça e suspirando. — Ele demora, demoooora muito, mas muito pra aprender. É difícil fazer algo entrar naquela cabeça dura. Descobri isso por experiência própria.
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O nadador e o assistente
RandomO clube Prado Maranhão de desportos aquáticos, um lugar onde aqueles que miram o topo dos esportes aquáticos se juntam. Nelson, chamado no passado de garoto prodígio da natação brasileira, está perto de se recuperar de um acidente sério que quase ti...