Portanto, sim, chamem-me maluca, eu agradeço!

- Estavas sozinho e parecias precisar de companhia- tudo o que eu menos queria era falar sobre o bullying que, anteriormente ao meu convite, ele estava a sofrer. Frederico percebeu isso, finalmente, e deixou-se ir na minha conversa.

- Por acaso, não precisava, mas agradeço a preocupação- esboçou um sorriso falso e desviou o olhar do meu para a mesa de madeira onde antes tinha pousado os seus cotovelos, numa tentativa de me fazer sentir desconfortável e confrontada.

Nunca percebi aquelas pessoas que se sentem intimidadas por um simples olhar, muito menos por um simples olhar meu! Basta olhar para mim, para perceber que não sou nada intimidante. Aliás, sou bastante adorável e estranha, portanto não percebo mesmo quem tem a necessidade de desviar o olhar dos meus olhos castanhos claros.

E por isso, já gostava de Frederico. Apesar de ter escolhido a mesa ao invés dos meus olhos, fê-lo apenas quando sentiu que a conversa não se ia prolongar e não por achar que de alguma maneira eu o ia intimidar, fazendo-o ficar nervoso.

Já disse que sou ótima a analisar pessoas? Bem, eu sou ótima a analisar pessoas.

- Aqui têm os chocolates-quentes e as torradinhas- a Tia Ana interrompeu a nossa animada conversa sobre o quão silencioso o ambiente estava entre nós, e entregou-nos a nossa comida, a minha terceira refeição hoje- Espero que gostem e se quiserem mais alguma coisa é só pedirem no balcão, se tiverem a coragem de ficarem meia hora à conversa com as velhotas- gozou com a personalidade das amigas e piscou-me o olho.

Agradeci e mostrei-lhe um sorriso antes de pegar num guardanapo e numa fatia da torrada. Levei o pão à boca e saboreei o sabor da manteiga com sal e deixei-me desontrair enquanto o calor descia pelo meu corpo. O rapaz da cadeira de rodas continuava sem fazer nada, a olhar para mim, à espera que lhe desse ainda mais alguma explicação sobre o porquê de estarmos ali.

- Come, estão ótimas! Nunca vais comer umas torradas tão boas como as da Tia Ana- apontei para aquele maravilhoso pão, que arrefecia tristemente à espera que o comessem. E se Frederico não o fizesse, seria eu a acabar com a sua infelicidade.

- Duvido- provocou, para me contrariar e chatear, não surtindo efeito algum, naturalmente. Era preciso muito mais do que isto para me deixar mal-disposta, obrigando-me a mandá-lo embora, coisa que ele adoraria e esperava alcançar.

Enquanto o via repetir os meus movimentos anteriores, lancei-lhe um olhar desafiador, como a dizer-lhe que se vai arrepender de duvidar. Quando deu a primeira dentada, o seu rosto descontraiu tanto que uma pequena ruga que tinha na testa por ainda estar desconfiado desapareceu.

Olhou para mim e tentou recompor a expressão que tinha anteriormente, para não me dar a satisfação de lhe poder dizer que estava certa, mas já era tarde demais. Fora apanhado.

- Eu disse- comi mais um pouco da torrada enquanto ele fazia o mesmo, ignorando o meu comentário- Então, o que fazes do teu tempo? Para além de o desperdiçar num desporto hediondo tão como basquete?

- O basquete não é hediondo!- esboçou uma cara esquisita ao dizer a palavra hediondo, como se estivesse repugnado- Para tua informação, basquete é um desporto muito importante e merecia mais reconhecimento que alguns desportos que envolvem pontapear uma bola para dentro de uma baliza- ele ficou ofendido com o meu comentário de não apreciadora daquele desporto, e entrou diretamente na defensiva, criticando a atenção excessiva dirigida ao futebol.

Não que eu percebesse alguma coisa de desporto - nem sei se sou pior a avaliar modalidades ou a praticá-las - ou dos seus propósitos, para além de entreter os seus amantes fanáticos, mas considerava alguns deles uma perda de tempo. Para quê suar todo o corpo, desgastar-nos ao máximo para marcar um golo - ou no caso de basquete, um "cesto" - e festejar como se fosse amanhã para depois falhar no jogo a seguir e sentir-mo-nos destruídos? Mais vale gastarmos o nosso tempo em coisas proveitosas que nos façam inteiramente felizes.

Uma Cadeira e Dois Chocolates QuentesOnde as histórias ganham vida. Descobre agora