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|8 de dezembro, 2017|

O ar quente do café infiltrou-se pelos nossos corpos a dentro mal passámos pelas portas. Que acolhedor este ar quente e cheiro agradável, não só às doçarias regionais, mas também a Natal. O estabelecimento estava praticamente cheio, o que é muito normal, apesar de neste bairro muito calmo e desconhecido da capital não ter muita gente, por ser um dos únicos cafés onde a convivência e ambiente é agradável. Duas mesas ao pé de uma janela e das tão incomodantes máquinas de matraquilhos estavam livres.

A Tia Ana ( nome carinhoso para a senhora de sessenta e alguns anos dona deste café e avó de um dos meus amigos) estava ao balcão a falar com algumas das comadres e a por a conversa em dia. Aproximei-me delas e cumprimentei-as todas com um simples "Boa tarde" e um sorriso. Começaram quase todas com a típica conversa de que já não me viam há muito tempo e de que cresci, mesmo já nos tendo visto numa das missas de domingo há umas semanas atrás. Pedi dois chocolates quentes e duas torradas. A Tia Ana avisou que não demorava muito e que me podia ir sentar pois ia levar-me o pedido à mesa, então foi o que fiz. O rapaz já estava numa das mesas à minha espera, a mexer numa revista, daquelas que têm todos os mexericos que costumam ser todos falsos e servem apenas para nos ocupar o tempo com notícias importantíssimas sobre a unha partida de uma celebridade que daqui a dois dias já ninguém se lembra.

Quando me sentei, ele largou a revista e encarou-me, ainda a tentar perceber que tipo de pessoa eu era e o porquê de estarmos ali depois do que se acabou de passar no campo de basquete. Costumo considerar-me uma boa julgadora de caráter e quase perita em ler mentes das pessoas. Ainda estava a tentar perceber o porquê de gozarem com ele, para além de estar numa cadeira de rodas. É uma coisa normalíssima estar numa cadeira daquelas, mesmo quando se parte uma perna ou assim, - o que pode ser muito bem o caso dele. Há mais qualquer coisa, eu sei. De qualquer das formas, continuam sem razão para fazerem tal coisa ao rapaz.

- Olá, eu sou a Beatriz- estendi-lhe a mão e presenteie-o com o meu bom humor e sorriso de quem adora esta época do ano, apesar do congelador em que a cidade e a minha casa se tornam.

- Frederico- apertou a minha mão o mais rapidamente que pôde. Estava desconfiado e não queria contacto com esta estranha peculiar que lhe ofereceu um chocolate quente depois de assistir a uma cena de bullying de qual foi vítima. Não o julgava por isso, até eu acharia estranho se não me conhecesse a mim mesma e não estivesse habituada às minhas ideias malucas e desnorteadas.

- Então Frederico, o que andas a fazer neste calmo bairro num dia de inverno tão gelado como o de hoje?- tentei meter conversa de uma forma suave de modo a não afugentá-lo, mas não sei se funcionou. Ele revirou os olhos e inclinou-se para a mesa, apoiando-se com os cotovelos.

- Podes dizer-me o porquê de estarmos aqui? Eu não te conheço de lado nenhum- canrrancudo, encarou-me e esperou uma explicação.

- Viemos conversar e comer alguma coisa. Estava frio lá fora- a sua expressão facial ficou ainda mais pesada e carregada que antes. Deve querer fugir de mim para bem longe, dado que esta situação em que nos encontramos é bastante peculiar, admito.

- E porque é que me foste chamar a mim? Se estavas com frio podias bem ter vindo sozinha- reencostou-se na sua cadeira de rodas, mostrando-se ainda intrigado e chateado, mas mais à vontade com a minha presença.

Já muita gente me disse que às vezes tenho atitudes difíceis de compreender, e talvez um pouco impulsivas de mais. Contrariamente ao que essas pessoas acham, a opinião delas é como um anúncio de televisão. Pode passar as vezes que quiser, que eu vou continuar a ignorar. Ser quem somos, porque assim o queremos ser é viver de forma verdadeira e digna. Fingir ser alguém para agradar aos outros é apenas ocultar uma realidade que nos persegue, que somos fracos de mais para sabermos lidar connosco próprios.

Uma Cadeira e Dois Chocolates QuentesOnde as histórias ganham vida. Descobre agora