Quando minha luz se apagou.

317 10 4
                                    

Vida, o que é mesmo essa lembrança de que tento insistentemente me recordar?
A única coisa que me lembro, é de estar em pé, naquele beco escuro, a chuva caía, grossa, molhando pra valer, certamente ficaria doente, era quase meia noite, o horário era aquele, era meu cliente mais fiel, não importa a condição climática, ele sempre aparece pontualmente na hora acertada, meu cliente tem um gosto peculiar por horários estranhos, o mais bizarro até agora, foi marcar as 3:47am e chegar pontualmente neste horário.
No meu negócio não perguntarmos os motivos, apenas "entregamos" o que foi solicitado, dentro do prazo e na quantidade desejada, você já deve estar imaginando que no mínimo sou um desses traficantes de drogas, não é mesmo?
Pois engana-se, sou uma espécie de traficante sim, mas de um produto bem diferenciado, eu vendo informações, sou um hacker, minha especialidade? Invadir contas de redes sociais e descobrir traições, segredinhos, toda sorte de infidelidade, meus clientes? Homens, mulheres e cada tipo estranho que navega pela internet.
Esse meu cliente "especial" era um figura! Sabia que a mulher passava ele pra trás com o seu amigo, isso já se estendia a mais de um ano e mesmo assim, mesmo depois de eu ter devassado todas as contas de sua esposa, de ter descoberto todas as suas escapadas e entregue o dossiê, ele ainda continua a me pedir pra investigar, pra lhe manter informado. Porque já não se separou? Não botou ela pra fora de sua vida? Cada louco com sua mania, o que me importa é que ele paga bem, acima da tabela e em grana viva, dinheiro em espécie, da até gosto trabalhar pra um cidadão assim, pena a mulher dele ser tão sacana, ele é um cara gente boa, talvez não merecesse, acho que na real, traição não deveria mesmo existir, é dolorido demais, eu sei, já passei por isso.
Dou aquela olhada no relógio, 30 segundos, 29, 28, 27...
00:00am em ponto, o carro adentra o beco, infalível mesmo, esse cara não se atrasa.
O carro para rente a parede, de frente a mim, o vidro se abaixa:

- Trouxe?
- Sim!
- Ótimo, gosto de trabalhos bem feitos.
- Eu quem agradeço a preferência.
- Eu é quem agradeço. Não gaste tudo em doces, até mais.

Pacote entregue, peguei meu dinheiro, guardei no bolso da minha jaqueta de couro, adorava essa jaqueta, foi a Evelin quem me deu. Sai em direção ao meu apartamento, saindo do beco com todo cuidado, a chuva parecia ter apertado ainda mais, aquela sensação de penumbra servia aos meus propósitos mas ao mesmo tempo me provocava calafrios, apesar de eu gostar da calada da noite para trabalhar sem ninguém me incomodar, a noite tem seus mistérios e pode se tornar traiçoeira, assim como eu, há mais almas soturnas pela cidade, preciso chegar logo, minha mala já está pronta. Eu tinha combinado, seria meu último trabalho, juntei dinheiro o suficiente, vou embora, decidi ir pra bem longe, onde eu possa recomeçar, onde ninguém me conheça como o "hacker do amor", aquele que descobre maridos e esposas infiéis, preciso livrar-me deste estigma.
Virando a rua, vi um movimento estranho, quatro caras aguardavam do lado de fora de um carro em frente ao meu prédio, o que eles queriam? Por conta da minha atividade, tenho que desconfiar de todos a todo momento, fico aguardando num canto escuro, observando a movimentação.
Despercebido, não vi um quinto sujeito, ele certamente me viu, porque agora estava com o cano da arma encostado em minha cabeça, nervoso, tremia e me dizia para não me mexer, eu estava parado, ele queria saber quem eu era, o que estava fazendo ali, o que estava observando, pra quem eu trabalhava?

- E ai cagalhão? Ta fazendo o que escondidinho aqui nessa escuridão? Ta de olho na gente? Pra quem você trabalha hein? Responde seu merda!
- Calma ai irmão, não trabalho pra ninguém, eu moro ai no prédio, como vi vocês, achei melhor esperar aqui.
- Ta tirando com a minha cara seu bosta? Vai falando, pra quem você trabalha?
- Já disse que pra ninguém meu!
- Que barulho foi esse? Tem mais alguém contigo?
- Não tem ninguém comigo, já disse que to sozinho...

Barulhos de tiros foram ouvidos, o meu interlocutor se apavorou, talvez estivesse drogado, algo lhe fizera acreditar que tinha mais alguém ali naquele lugar, achou que eu estivesse acompanhado, num relance, no susto, ele disparou, descarregou seis tiros, dos seis, quatro acertaram em mim em cheio, senti apenas um calor muito elevado e depois o frio me correr a espinha, era assim que a minha luz ia se apagar, de forma inóspita, justo agora, tudo estava pronto pra eu ir embora, minha passagem já estava comprada, partiria às cinco da manhã, frio, dor, pensamentos passam como filme sobre meus olhos, sinto que meu corpo está parando, não tenho como explicar ao certo, mas sinto paz, fecho os olhos por um instante, consigo ver-me ainda guri, brincando, cheio de vida, contraposto ao meu momento, onde vida é tudo o que está prestes a me faltar, o ar entra rareado, chega difícil aos pulmões, um deles foi perfurado pelo tiro, aquele clichê da luz do fim do túnel, não faz sentido pra mim, porque não vejo nenhuma luz, só sinto a chuva molhar meu rosto, sinto que chegou a hora, a luz da minha vida irá se apagar, sinto um cheiro agridoce no ar, nunca tinha sentido esse cheiro antes, viro minha cabeça num último esforço, dois olhos vermelhos em chamas me observam, então é assim que tudo vai se acabar? Com um demônio a me levar? Meus olhos se fecham, já não sinto mais nada, a minha luz enfim, se apagou. [...]

***

Olá, tudo bem? Quero apresentar pra vocês meu novo conto, Quando a última luz se apaga. Será uma trama bem legal, acompanhem. Espero que gostem. Inspirado no mestre brasileiro de ficção André Vianco e no seu best seller O Senhor da Chuva.

Boa leitura.

Quando a ultima luz se apagar.Onde as histórias ganham vida. Descobre agora