A casa branca e a escola foram construídas no mesmo período e compartilham do mesmo estilo arquitetônico, só que com uma diferença: muitas das janelas da escola eram feitas de vitrais, dando um aspecto mais sacro que de ensino ao local.

É uma construção em U, sendo o primeiro andar dedicado aos anos iniciais e laboratórios, além da biblioteca na extrema direita, com ligação independente com o segundo andar, o qual, por sua vez, é dedicado aos anos finais. Entre as duas alas há um gramado extenso, com caminhos de pedra que levam a uma fonte de água ao estilo barroco de anjos ao centro. Uma vez todo ele atravessado, ao fundo há o campo de futebol precário, com uma arquibancada lamentável e o seu gramado esburacado.

Além da entrada principal, há saídas laterais. A saída do lado esquerdo leva ao ginásio de esportes coberto, e se você seguir a trilha, ladeada de árvores centenárias e robustas, acabará nas piscinas cobertas, inutilizadas há anos. A saída da direita dá para uma escada íngreme, porém larga, de pedras desiguais e escuras, e esta, por sua vez, ao refeitório, que é algo como uma lanchonete a céu aberto, a que chamamos, carinhosamente, de cantina. Conta com algumas mesas cobertas, e muitas outras descobertas, espalhadas pelo gramado e pelo cimento, entre as paredes da escola e o verde que a circunda.

Não era frequente alunos irem dirigindo para a escola, pois, além da falta de habilitação – é uma vergonha que no Brasil se atinja a maioridade apenas aos dezoito anos – e da falta de dinheiro, a maioria dos moradores está na cidade velha, e podia fazer o trajeto a pé ou era trazido pelos pais.

Os poucos carros estacionados são de professores, carros populares ou latas-velhas como o opalão de Tui, um dos poucos alunos com carro além de nós. Ao avistar uma Dodge Ham preta, tive outro momento de desequilíbrio. Só podia ser a mesma que vi no posto de gasolina, a não ser que estivesse acontecendo um encontro desses monstrengos na cidade e a Mô não soubesse, o que era impossível.

Eu estava tão absorta em pensamentos que mal percebi, enquanto caminhava em direção à escola, a mão que procurava a minha. Quando me virei, não sei o que esperava, mas, mesmo assim, fiquei surpresa ao vê-lo, moreno e esguio com o sorriso de orelha a orelha. Ele me puxou e enterrou sua boca na minha, num beijo furioso e íntimo. Senti o sangue chegar as minhas maçãs do rosto em ondas gradativamente mais fortes.

Os sons que se seguiram eram de zombaria, típicos de crianças de doze anos, como era a mentalidade dos amigos de Martin, e particularmente verdade em se tratando da loira espalhafatosa – Sy é claro – que gritava: "Vão prum motel", seguido de sua risada quase maléfica.

Era óbvio que estávamos dando um show contra minha vontade.

Desfiz-me, o mais rápido que pude, de seus braços, mas, em dado o momento, meus maiores temores se concretizavam. Ele ainda mantinha suas mãos nos meus quadris, como prevendo a minha intenção de ganhar ainda mais espaço entre nós.

— Por que tu não atendeste ao telefone ou respondeste minhas mensagens? Eu estou tentando falar contigo desde ontem!

— Tu sabes que isso não é uma tarefa simples na ilha.

Eu odiava esse tom acusatório e possessivo, como se fosse minha obrigação atendê-lo ao primeiro chamado. Suas mãos se fecharam ainda mais contra meu corpo, e aproximou seu rosto do meu com um sorriso malicioso brincando em seus lábios.

— Não tem problema, eu tenho tudo planejado para hoje.

A nuvem de depressão ia ficando mais densa sobre mim. Respondi com outro sorriso amarelo. Iria colecioná-los ao fim do dia, pelo visto.

Graças a todas as minhas estrelinhas, os muitos seguidores de Martin o cercaram e exigiam detalhes da viagem. Aproveitei a oportunidade e, mal disfarçando meu alívio, disse um "Até depois" e, antes que ele pudesse responder, eu estava do lado de Mô, logo atrás do restante das primas, na calçada que seguia a escadaria e a porta principal do Colégio Menotti Garibaldi.

Herança de Sombras - Livro 1 - LuxúriaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora