Capítulo V

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Eu queria a carona, mas não sei por que não queria entrar no carro com ele novamente. Um pensamento veio até mim, talvez a carona fosse inútil. Talvez estivéssemos indo em direções diferentes.

— Vocês estão indo pra onde?

— Para nossa casa, ué. Estávamos no banco, em Pelotas, e aproveitamos para fazer compras.

Espiei novamente o carro, e pude ver uma insinuação de sacolas pardas no banco de trás do passageiro. O único caixa eletrônico disponível em Tor foi vandalizado tantas vezes que nem se davam mais ao trabalho de consertá-lo. A cidade não é violenta, mas, infelizmente, há desocupados demais por aqui. Então, a história fazia sentido, me vi sem outra saída além de me explicar:

— Eu estou indo pra casa do Rodolfo.

— Então, vamos embora, é no caminho.

Tami me empurrou para os bancos traseiros, e dessa vez consegui subir sem ajuda, graças a um impulso seu mais forte. Ela não dissera nada sobre onde moravam durante o interrogatório de Mô, mais cedo. Ela nos falara que eles se mudavam muito, que são naturais de São Paulo, como se o sotaque deles não fosse indicativo suficiente disso. Que Benjamin, Ben para os mais próximos, costumava nadar em competições, por isso o porte físico diferenciado – ele deixa os nossos colegas parecendo mosquitos de magros ao seu lado. Outro fato interessante, porém triste, é que sua mãe morrera, e por isso, eles não ficavam muito tempo num lugar só, seu pai aceitava qualquer vaga para se manter em movimento.

Eu podia me identificar com essa vida aventureira que eles levavam – por mais que amasse viver na casa amarela, e brigasse frequentemente com Gabrielle para voltarmos a morar nela, em vez de ficar na barra da saia da Vozinha na casa branca – às vezes, me pegava sonhando acordada com a possibilidade de sair de Tor e deixar tudo para trás, mas a ideia desaparecia como fumaça antes mesmo de ganhar forma.

Pensei em começar algum assunto, mas Tami, rapidamente, ligou o som do carro e começou a cantarolar junto com a música. Melhor assim, de qualquer forma, eu sempre me perdia olhando o mar. Estava ansiosa pelo momento em que o vento mudasse de direção e as ondas ganhassem altura, ao mesmo tempo em que o céu não ficasse de todo tenebroso, ou seja, tudo no equilíbrio certo para um bom dia de surf.

O restante do trajeto durou menos da metade do que eu tinha levado a pé, só que paramos algumas casas antes da casa do Rodolfo. Mais um mistério resolvido, eles deviam morar ali, em um dos sobrados genéricos.

— Obrigada pela carona – disse, fechando a porta, virando-me para o portão.

— Você não quer esperar eu descarregar as compras? Eu também já estou indo – disse Tamisa, em tom suplicante, a quem estava considerando um pouco grudenta demais. Ela realmente devia ter poucas amigas.

— Eu não posso. Tenho de pegar um carro e buscar umas plantas da minha Vozinha na verdureira.

— Por que você não disse antes? A gente tinha voltado com você — indagou Benjamin, sem paciência. Estremeci ao ouvir sua voz, eu tinha me

esquecido como ela era rouca. Ele esteve tão quieto no carro que pensei estar atrapalhando, mas foi a Tami quem fez questão da carona.

— Capaz! Até parece que eu ia fazer vocês darem a volta.

Eu e Tami estávamos nos tornando amigas, é verdade, mas não sou desse tipo de pessoa folgada.

— Tami, termina de descarregar aqui. A gente já volta. – Ele disse isso, entregando as duas últimas sacolas a sua irmã, que parecia furiosa por ter ficado com todo o trabalho, entrando no carro em seguida.

Herança de Sombras - Livro 1 - LuxúriaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora