Capítulo 28

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Olsen

O frio lhe picava as costas denudas. Olsen estava exausto pelas longas horas na mesma posição. Ele tinha as mãos amarradas a cima da cabeça, e seus pés e barrigas presos a um tronco alto fincado no chão. Ele descansava a cabeça na madeira fria, enquanto aguardava o que viria.

As punições funcionavam assim na mina, eles os deixavam longas horas no frio, até que ficavam entediados o suficiente para virem aplicar as chicotadas. Ele já tinha ficado nesta posição antes. Mas sempre eram dez ou no máximo vinte chicotadas, com duzentas ele certamente morreria.

Olsen escutou o som de passos se aproximando lentamente de onde estava, com o rosto virado para a tora de madeira, não conseguiu ver quem era.

– Já pediu perdão para seus deuses fajutos escravo? – Olsen escutou, seguindo de um estalo causado pelo pesado chicote batendo no chão. – Nós fizemos eles pararem de trabalhar para assistir, vai fazer um bom exemplo.

Olsen apertou a mandíbula, enrijecendo seus músculos das costas, consideravelmente maiores.

O barulho do chicote cortando o ar trouxe a dor lascinante para Olsen a medida que a força do chicote, rasgava-lhe a pele. Ele contou mentalmente. Uma. Olsen sentiu seu corpo começar a tremer, não conseguia dizer se de frio, ou de dor. Possivelmente de ambos. 

Duas. A cada chicotada, Olsen era obrigado a expelir o ar de seus pulmões. Ele se recusava a gritar, mas seu orgulho era vencido a cada rasgo em sua pele causado pelo chicote. Dez.

Ele não precisava olhar em volta para saber que os escravos, forçados a ver sua punição, estariam o encarando, em silêncio, piedosos, enquanto alimentavam a raiva dentro de si mesmos. Esse era o lado ruim de governar pelo medo, e terror. Os massacres, as punições públicas, inibiam as revoltas de uma forma imediata, mas ao mesmo tempo, alimentava a raiva e feriam o orgulho do povo, fazendo o sentimento de vingança social crescer, dando força para qualquer pensamento revoltoso. 

Cinquenta. Ele contou, sentindo a si mesmo a ponto de perder a consciência. A dor que irradiava de suas costas como um fogo queimando a parte de trás do seu corpo, era demais para sua mente conseguir suportar. Ele escutou algumas risadas vindas dos soldados atrás de si.

  — Ele é forte. — Olsen ouviu. — Ninguém nunca passou da vigésima. 

— Aposto que Loreno que está perdendo a força do braço. — Uma voz diferente falou.

— Se acha que pode fazer melhor... 

— Eu faço. —  Olsen ouviu uma voz conhecida falar. Illiano, era conhecido por todos os escravos como o mais impiedoso de todos os soldados.  Olsen sentiu a si mesmo perder as esperanças de passar vivo pelo castigo.

Assim que contou cinquenta e um. Sentiu uma dor muito maior irradiar sobre suas costas. Illiano, estava de mal humor. As pernas de Olsen estavam a ponto de ceder quando sentiu o cheiro familiar de pão assando no forno a lenha. Ele fechou os olhos, tentando buscar no cheiro, o alivio que necessitava para passar pela punição consciente. Cinquenta e nove.

Ele sabia que o cheiro vinha de sua própria mente. Sessenta. Seu corpo inteiro formigou na medida que viu a si mesmo largar seu peso sobre uma cama feita e confortável. O fogo crepitando em uma lareira, afastava lentamente o tremor que sentia pelo frio. Cem. 

Ele sabia que era a mente de Lydia que estava visitando naquele momento. Ela estava bem, e pela primeira vez em muito tempo, Olsen sentiu que ela já não estava fria por dentro, aquilo o confortou ainda mais. Cento e vinte. Ele se permitiu compartilhar das sensações que Lydia experimentava naquele momento. E agradeceu a Nirl por ser capaz de fazê-lo. Cento e cinquenta.  Os pensamentos de Olsen eram guiados por Lydia a medida que ela se perdia nos seus próprios. Ela estava insegura, mas curiosa, sobre a energia que agora mesmo ela sentia que a rodeava. Cento e setenta. A dor teimava em cortar a ligação rara entre a mente de Olsen e Lydia, enquanto o jovem se sentia caminhar lentamente para a escuridão.

Ela parecia não saber que Olsen compartilhava com ela esta ligação. Cento e setenta e cinco. Ele ouviu, não parecia vir de lugar algum, e não parecia vir de sua própria mente. Uma melodia, baixa, sussurada, trazia uma energia que acariciava seu corpo surrado levemente, fortalecendo-o pouco a pouco, apenas o necessário para manter-se vivo para a próxima chicotada. Ele sabia que aquilo vinha de Lydia, da ligação que tinha-se criado entre ele e ela. Assim que contou duzentos, sentiu a energia se esvair completamente, não sem antes tocar mais uma vez seu corpo, antes de abandona-lo de vez. A realidade voltou dura e cruel para Olsen quando se viu mais uma vez amarrado ao tronco de madeira. Com a pele das costas completamente dilaceradas. Assim que se deu conta da dor grande demais para ser suportada, desmaiou.

- Acho que ele está acordando - Olsen ouviu alguém dizer enquanto lutava contra a escuridão.

- É realmente um milagre, quase não sobrou um pedaço de pele sem machucados, e mesmo assim os ferimentos não infeccionaram, e estão curando bem.

- Sim.

Olsen não sabia ao certo quanto tempo passou alternando entre a inconsciência e a consciência. Mas podia perceber que alguém cuidava dele todos os dias. Eles sentia mãos delicadas percorrerem seus ferimentos, enquanto seu corpo lutava para se curar. Quando finalmente conseguiu vencer a escuridão, abriu os olhos lentamente, piscando para tentar se acostumar com a luz fraca que vinha de algumas tochas acesas. Era noite.

– Precisa descansar, querida. Não vai conseguir cuidar dele se estiver doente.

– Vou ficar bem. – Olsen escutou.

– Quem é... – Ele tentou dizer.

Olsen conseguiu olhar bem para a pessoa ajoelhada ao seu lado.

Ela era jovem, assim como ele, tinha os cabelos raspados assim como todos os escravos daquele lugar. Sua pele era negra, possivelmente ela tinha vindo de algum lugar ao sul. Isso também explicava o porque de suas feridas estarem curando tão bem. Sempre diziam que a maior parte do conhecimento de Elthe estava na cabeça dos Saularianos e Falarianos.
Assim que seus olhos desembaçaram foi possível reconhecer a jovem que falava com ele. Era a moça que tinha salvado dos soldados, o motivo pelo qual tinha levado as chibatadas.

– Sara. Meu nome é Sara. – Ela respondeu. – Você vai ficar bem, seus ferimentos estão cicatrizando rapidamente.

A Canção do Antigo (Completo)Where stories live. Discover now