Capítulo 8

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Ruriel

Ruriel acelerou o passo ao caminhar pelas ruas de pedra abarrotadas de celarianos no centro de Litherl. Já haviam se passado alguns dias da briga com Willem, e ele e seu tio mal tinham trocado meia dúzia de palavras. Finalmente a época das feiras tinha começado. Eram dez dias inteiros, nos quais comerciantes celarianos vinham até Litherl para comprar ferro das minas e vender seus produtos por preços exorbitantes, já que sabiam que os mineiros da vila não teriam outra escolha senão comprar. O comércio entre vilas e cidades era proibido para quem não era autorizado pelo rei, e nada além de frutinhas de arbustos e ervas daninhas nasciam naquele lugar, até mesmo a caça era praticamente impossível, pela destruição e poluição causada pelas minas do Rei.

– Ruriel! – Ele escutou uma voz feminina chamá-lo. – Que surpresa vê-lo aqui.

– Lorer kiren – Boa tarde, lin.

Siena estava linda, como sempre, em seu vestido verde e dourado. Seus cabelos brancos e olhos claros, herdados de sua mãe Norealiana, se destacavam em sua pele escura, herdados de seu pai Faleariano. Não se viam muitas pessoas com herança sulista no sangue em um lugar tão ao Norte, diziam que não conseguiam se acostumar facilmente com a baixa temperatura. Ruriel também não se imaginava vivendo em um lugar tão quente a ponto da estação branca sequer existir.

– Aproveitando as feiras? – Siena falou, e, em seguida, apontou para seu rosto inchado – Andou provocando Willem de novo?

– Como bem sabe, lin, seu noivo e eu não somos o que chamam de amigos, mas, desta vez, parece que é você a culpada.

Siena arregalou os olhos e levou a mão a boca, fingindo surpresa.

– E como eu posso ter sido a culpada? – Ela perguntou. – Não estava nem ao menos presente.

Ruriel conhecia Siena, desde sempre ela adorara seus joguinhos, manipulando e brincando com qualquer conforme sua vontade. E todos, encantados pela sua beleza, aceitavam de bom grado.

– Pelo que fiquei sabendo, ele ficou irritado com a atenção que você e sua amiga estavam me dando naquela noite na taverna.

– Entendo. – Ela disse, baixando o olhar. – Nesse caso, devemos ir para um lugar mais reservado para que eu possa cuidar melhor dos ferimentos que tem por minha causa, tir.

Ruriel suspirou.

– Por mais tentador que pareça, lin, estou tentando me manter afastado de problemas por alguns dias. – Ele falou virando as costas para Siena e se afastando em direção a taverna, Thael já devia estar lhe esperando.

– Boa sorte com isso, Ruriel. – Ele a ouviu dizer sarcasticamente.

A porta da taverna se abriu com um rangido, o calor insuportável que veio de dentro fez Ruriel franzir o cenho. O salão estava lotado. Os comerciantes que vinham para as feiras se instalavam em uma estalagem no centro da vila, onde apenas celarianos eram permitidos, mas os seus empregados, mercenários e guardas contratados para proteger a carga preciosa que levavam, quase sempre ficavam instalados na taverna de Thael.

– Onde diabos estava garoto!? – Ouviu a voz irritada de Thael. – Está atrasado! Tem uma tonelada de pratos sujos na pia, quando terminar, limpe o salão, que já está imundo! Não tem época do ano pior que essa. Nirl me ajude!

O mestre andava apressado, de mesa em mesa atendendo os pedidos dos hóspedes que se acomodavam para o almoço. Ruriel se apressou em direção a cozinha, recolhendo algumas canecas abandonadas no caminho. Aquele seria um dia difícil, e com tantas pessoas hospedadas na taverna, Ruriel com certeza poderia esquecer seu treinamento com espadas.

Assim que encheu o balde com água, um estrondo o fez voltar para o salão rapidamente. Na soleira da porta estava Killiam, com olhar esbugalhado e ofegante. A taverna ficou quieta com a sua chegada brusca.

– Houve um ataque às minas. – Ele falou baixo, com a voz esganiçada, olhando para Thael. – Galneses.

O povo da floresta, Ruriel pensou. Galneses eram um grupo sem reino e sem região. Eram saqueadores famosos em toda Elthe, a única guilda de assassinos e ladrões que o Tirano ainda não conseguira dizimar. Eles estavam em todos os lugares e em lugar nenhum. Sempre atacavam onde menos se esperava. Algumas lendas diziam que tinham vindo das Florestas em Aurealia, e que eram horríveis, sem misericórdia, e silenciosos como sombras.

– Ainda bem que as minas estavam vazias... – Thael começou.

Não estavam. Ruriel tinha se esquecido por um momento que seu tio lhe avisara mais cedo naquela manhã que tinha sido chamado às pressas para consertar um equipamento que havia quebrado graças ao tempo ruim. Lion e os outros poucos mineiros que faziam parte de sua equipe tinham sido forçados a trabalhar mesmo do dia de Nirl.

– Lion e sua equipe estavam lá. – Killiam respondeu. – Me mandaram te chamar Thael, o curandeiro das minas não quis ajudá-los porque não tinham dinheiro para pagá-lo.

Ruriel escutou Thael esbravejar, enquanto um buraco se formava em seu estômago. Lion tinha sido atacado enquanto trabalhava, e aqueles celarianos malditos não quiseram ao menos socorrê-lo. Ele lançou um olhar raivoso para Thael, antes de se apressar para a porta.

– Isso não vai ajudar agora garoto. – Thael falou, segurando-o pelo braço. – Vá até meu quarto e traga aquela bolsa. Vamos até Lion.

Ruriel tentou se desvencilhar do aperto do mestre, que apenas se intensificou.

– Se quiser ajudar seu tio – Thael falou encarando firmemente os olhos de Ruriel. – faça o que eu disse.

Ele assentiu, vencido, e se virou em direção as escadas que levavam aos aposentos de Thael.


A Canção do Antigo (Completo)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora