Capítulo 19

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Ruriel

– É um dia importante para os jovens rapazes de Litherl. – Ruriel escutou Loreno, o celariano baixinho responsável pela vila falar. – Participar do recrutamento é um ritual de maioridade. Algo que deviam se orgulhar.

Ruriel torceu o rosto, aquilo não era nada parecido com um ritual de maioridade, estava mais para leilão de gado. O círculo estava repleto de pessoas, os mais jovens que iriam passar pelo recrutamento se alinhavam no centro da praça com o chão de pedra, cercada de lojas e estalagens cearianas. Ruriel não costumava ir até aquela parte da vila, assim como os celarianos que viviam ali, só iam até o círculo para trabalhar, e para assistir o recrutamento de seus familiares.

Apesar do vento das montanhas soprar ainda gelado, o sol estava brilhando quente, sem nenhuma nuvem para esconder seu calor. Já tinham começado a cerimonia, e Ruriel sentiu-se empurrado por Thael, para a linha de jovens no centro, alguns deles já tinha sido escolhidos como Ruriel pode perceber. Ao longe, pode ver o gerente das minas, pai de Willem, cumprimentando e registrando os seus novos trabalhadores, sentado em uma grande mesa adornada com pedras coloridas.

– Vamos, vamos! – Ruriel escutou um celariano chamar, por entre a confusão de vozes. – Os jovens de dezessete anos, entrem na fila!

Próximo ao gerente alguns mestres de ofício celarianos analisavam a fila de jovens, fazendo caretas e resmungando algo, que Ruriel julgava ser sobre não ter nhum jovem celariano, ou ao menos mestiço restante na fila. Mas o que viu a direita de onde estava fez suas mãos congelarem, mesmo estando debaixo do sol. Um homem com a armadura prateada e azul olhava-o com as sobrancelhas erguidas, um capitão do exército. Ao redor do homem vários soldados rasos, instruíam alguns jovens norealianos. O exército estava escolhendo aquele ano. Isso nunca tinha acontecido antes. E como Ruriel sabia bem, a ordem de preferência de escolha eram, os mestres de ofício, o exército, e só depois as minas escolhiam.

O garoto procurou Thael com o olhar, mas não conseguiu encontrá-lo em lugar algum. Depois do treinamento que recebera ele tinha se tornado forte, e receava que isso não passaria despercebido pelo Capitão. Nada seria por do que ser escolhido para servir o Tirano, o responsável pela morte de seus pais, e o objeto de todo o seu ódio. Ruriel não suportaria fazer parte dos massacres orquestrados pelo rei.

Ele deu um passo a medida que a fila andava. Pela forma com que Willem o olhava presunçoso, ao lado de seu pai, ele já devia ter sido escolhido. Mais um passo, o capitão do exército ainda o olhava. Ruriel tentou procurar novamente o mestre por entre os pais aflitos. Nada.

– Gostei de você garoto. – Ruriel escutou o capitão falar, olhando-o. De alguma forma ele tinha se aproximado sem que Ruriel percebesse. – Parece forte.

Ruriel fitou o capitão nos olhos. O homem era alto e forte, e seus traços não pareciam como alguém de celaria.

– Não estou interessado. – Ruriel respondeu.

– Sabe garoto, já fui exatamente como você. Um jovem nascido no Norte, apesar de ter um pai do Centro, vivi em Aurealia por muito tempo. Sei como é esse orgulho do Norte, que as pessoas aqui parecem ter. – O capitão falou. – Mas devo te falar, orgulho não devia ser mais importante do que ser capaz de alimentar sua família, e dar melhores escolhas para seus filhos do que uma vida de escravidão. Você daria um bom soldado. Poderia levar uma vida digna.

– Serei um escravo de toda forma, nas minas servirei a um celariano que só pensa em dinheiro. No exército servirei um rei que só pensa em...

– Ruriel! – Ele escutou Thael chamar, o mestre se aproximava rapidamente, em passos largos.

– Não devia nem ao menos pensar em dizer coisas como a que estava prestes a dizer rapaz. – O capitão começou.

– Me deixe pedir desculpas pelo garoto, ele é um tolo que ainda não aprendeu boas maneiras. – Thael falou sem olhar para o capitão.

Algo parecia errado com seu mestre. O cabelo castanho que ia até os ombros, que usava sempre meio ou totalmente preso, agora estava jogado displicentemente sobre seu rosto, coberto parcialmente por uma capa poida. Não era estranho em Litherl o uso de capas, mas era curioso que alguém que costumava não usá-las tivesse escolhido justamente um dia quente para tal.

– Vai aprender boas maneiras logo no exército. – O capitão falou, sem prestar muita atenção a Thael.

– Não estou interessado. – Ruriel repetiu.

– Parece que não tem escolha. – O capitão rebateu com um sorriso sarcástico.

O silêncio que se seguiu foi como uma lâmina afiada entrando no estômago de Ruriel. Qualquer coisa era melhor do que aquilo.

– Acho que está acontecendo um engano aqui. – Thael disse. – Esse garoto aqui já foi escolhido.

– Temos prioridade ao gerente das minas... – O capitão começou.

– Não. – Thael interrompeu. – Meu nome é Thael. Sou mestre de ofício. Este tolo aqui é meu aprendiz.

Ruriel não conseguiu conter seu queixo antes que ele abrisse em um perfeito 'O' de surpresa.

– Vamos garoto, temos que discutir os detalhes.

Thael empurrou Ruriel levemente para que o jovem pudesse despertar do estado em que estava e segui-lo em direção a taverna. Mas antes que pudessem se afastar, Ruriel viu a mão do capitão segurar o braço de Thael.

– Acho que já vi você em algum lugar. — O capitão falou subitamente interessado no rosto de Thael.

– Está enganado. – Thael falou se afastando.

— É exatamente como dizem. —  o capitão falou rindo. —  Os norealianos são todos malditamente parecidos. Se conhece um deles, conhece a todos.   



   

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Quando finalmente abriu a porta da taverna abafada, Ruriel suspirou de alivio, e se jogou na cadeira mais próxima. Ainda se recusava a acreditar no que tinha acabado de acontecer. Ele já devia muito ao mestre e iria continuar a deve-lo pelo resto da vida. Thael estava calado, andando de um lado para o outro com um olhar preocupado.

 — Obrigado, Thael. Não vai se arrepender. Vou trabalhar duro... eu vou...

  — Pode apostar que sim garoto, não tem ideia do tanto que arrisquei indo falar com aquele capitão. 

—  E então? — Quando devo me mudar?

O mestre imediatamente parou de andar e se virou para Ruriel com um olhar incrédulo.

— Se mudar? —  Ele perguntou.

— Sim, agora sou seu aprendiz. —  Ruriel explicou calmamente.

— Por Nirl. —  Thael sussurrou balançando a cabeça e se jogando na cadeira mais próxima.  — Amanhã, pode se mudar amanhã.

 —  Tudo bem. —  Ruriel falou. —  Vou avisar Lion.

— Tudo bem, mestre. — Thael corrigiu. 

— Como?

— Tudo bem, mestre. — Thael repetiu mais alto. — É como deve responder agora a tudo que eu mandar. Sim, mestre. Tudo bem, mestre. Pois não, mestre. Se vamos fazer essa coisa de mestre e aprendiz, devemos fazer direito, garoto. 

  —  Sim, mestre. —  Ruriel falou sorrindo. 


A Canção do Antigo (Completo)Where stories live. Discover now