- (In)justiça -

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Dezenas de pernas corriam agitadas de um lado para o outro e a medida que os minutos se passavam, ainda mais alvoraçadas se mostravam. O chão batido era como lava de tão quente de maneira que as gotas de suor secavam num piscar de olhos ao entrar em contato com o solo. Em um movimento arriscado, um dos rapazes pulou sobre o bloqueio duplo de defensores e com maestria enterrou o objeto redondo alaranjado dentro do cesto que logo em seguida caiu quicando para o fundo da quadra sendo resgatada logo em seguida. Focalizo a mira da Canon sentido ao atacante, ele sorri enquanto retorna para sua base, troca uma batida de mãos com um dos companheiros e em posição de guarda, com as pernas levemente arqueadas, enxuga o suor do rosto na camisa regata. Do outro lado da quadra vejo o Armador fazer gestos com os dedos indicando números e chamando jogadas o que provoca o reposicionamento estratégico do time. Cauteloso pinga a bola enquanto a passa entre as pernas e por trás das costas tão rápido que, embora não tenha intimidado seu rival, havia atordoado minha vista enquanto filmava as jogadas do treino de basquete.

Na lateral, a treinadora berrava ordens e fazia anotações na prancheta. Ela demonstra o nervosismo enquanto anda de um lado para o outro arrumando imaginariamente uma mecha solta do cabelo devidamente amarrado. Enquanto isso, o Armador concluí o crossover jogando a bola para um lado e rapidamente puxando de volta. Percebendo o desequilíbrio do oponente, ele endireita a postura erguendo a bola na altura da testa, flexiona os joelhos para baixo e depois para cima, então arremessa a bola empurrando-a com a mão direita. O jogo encerra com uma reviravolta mediante uma cesta de três pontos executada perfeitamente.

Após receberem alguns minutos para descanso, os garotos saem apressados rumo ao bebedouro, outros desabam no chão exaustos, de tão aquecidos nem se importam com a temperatura do solo. Desligo a câmera checando antes a quantidade de bateria restante, deixo-a ao lado, pego uma garrafa com água na mochila, abro e bebo os últimos goles que restavam, fecho a garrafa e torno a olhar para o ginásio. Estou na arquibancada, protegido pela sombra da cobertura, dali tenho plena visão do ambiente que apesar de esportivo não é muito convidativo.

Aquela era a primeira vez que ia até aquele local, talvez por isso não podia deixar de notar o quão peculiar era o ambiente, uma realidade diferente da qual vivenciei na infância. O piso de concreto da quadra poliesportiva estava rachado e a tinta gasta, as traves traziam as marcas do tempo nas inúmeras ferrugens, o aro só faltava cair de tão encurvado e das redinhas só sobrara os fiapos. De todos, creio que só eu estava incomodado com o cheiro de urina que exalava dos quatro cantos. O que dizer do lixo, restos de comida, pinos de cocaína e, acreditem ou não, embalagens de preservativos usados? Mas não, nenhum dos garotos parecia se preocupar com a precariedade ali presente, do contrário. Jogavam a partida de basquete tão entusiasmados e determinados que faria inveja a qualquer profissional da NBA. Quem sabe no seu íntimo eles não almejavam alcançar o mesmo patamar do Michael Jordan, Lebron James, Stephen Curry ou Russell WestBrook, na certa se pudessem ao menos usar a camisa oficial dos seus ídolos já lhes traria imenso jubilo. Diante daquela situação fui obrigado a indagar o por quê daquele sonho soar como impossível.

Somos todos de carne e osso, reles mortais. Sujeitos a erros e falhas, entretanto por que para uns o sucesso é tão simples e para outros imensa utopia? Quem poderá responder se o sol nasce para todos e da morte ninguém escapa?

Ainda questionava sobre as injustiças da vida quando outra cena me chama a atenção. Rente a quadra há a pista de skate que sempre está abarrotada e separando essas duas áreas, há um corredor que, graças a vista privilegiada, posso ver tudo o que ocorre ali. Ainda que não tivesse percebido antes, volta e meia alguns jovens vão até o beco, trocam palavras e saem disfarçadamente. Curioso mudo a atenção, vejo uma moça raquítica, descabelada e suja caminhando até um jovem de boné. O rapaz tem inúmeras tatuagens das quais algumas estão meramente cobertas pela camisa azul e shorts preto batido, mas consigo ver uma carpa desenhada na panturrilha. Inicialmente os dois apenas trocavam palavras, mas quando o tom de voz foi elevado, percebi que discutiam:

Ponto De VistaWo Geschichten leben. Entdecke jetzt