- Meu Desejo -

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- Uno, bati! - afirmou minha irmazinha - Ganhei, eu ganhei.

- Poxa você ganhou de novo - finjo estar surpreso para vê-la feliz.

- Eu quero os chocolates que você prometeu .

- Não tem chocolates - afirmo, vejo o sorriso dela murchar - Mas tem cosquinhas!- Declaro e começo a fazer cosquinhas em Emilly que caí em uma gargalhada escandalosa.

- O almoço está pronto - Mario afirma, ele usa avental por cima da roupa social e enxuga as mãos em um pano de prato.

- Mario que fez o almoço? Essa eu quero ver. - brinco, me levanto enquanto Emilly reúne as cartinhas.

Na cozinha minha mãe arruma a mesa para quatro pessoas enquanto canta um louvor.

- O cheiro está muito bom - afirmo enquanto me sento.

- Eu espero que aprove - diz Mario, também se assentando - Muqueca não é o meu ponto forte.

- Sempre modesto - respondo - Você um cozinheiro de mão cheia.

- Ih ta bajulando demais - Diz Marta, minha mãe.

- Esse garoto é inteligente ele sabe agradar - Mario me defende.

- Vamos parar que assim eu fico com ciumes - brinca Marta e rimos.

Depois de almoçar nos reunimos na sala para ver filmes, demorou um pouquinho para escolhermos. Emilly gosta de animações, Mario prefere ação, minha mãe ama romances e eu ficção cientifica. Como Emilly se distraí muito fácil deixei ela jogando no meu celular. Mario era o anfitrião, então deixamos ele escolher, Missão Impossível, óbvio que ele escolheria essa franquia.

Durante uma troca de filmes eu fui para a cozinha estourar mais pipocas. Cada estouro trazia uma lembrança, seja com meu pai, dos meus colegas da escola, de Bruno, mas agora esse era um novo momento para uma nova memória.

- Se você não desligar o fogo vai queimar - Afirma Marta.

- Hã? Ah, desculpa, acho que me distraí - respondo.

- Você parece preocupado, tem certeza que não quer ficar um tempo aqui em casa?

- Está tudo bem mãe.

- Mas  e as contas? Como você vai fazer para pagar? - Marta me questiona enquanto prepara uma jarra com suco de uva.

- Fica tranquila - A tranquilizo enquanto separo a pipoca em potes - Eu estou fazendo uns bicos por conta e estou escrevendo um artigo, por mais que eu queira ficar aqui, eu tenho mais liberdade em casa. Nunca que a Emilly iria me deixar escrever em paz.

- Verdade - Marta ri - Ela fala tanto de você quando não está aqui, mas não fique sozinho filho, as portas sempre estarão abertas.

- Obrigado mãe.

O resto do dia se seguiu nesse clima familiar e embora eu tenha recusado o convite da minha mãe, no fundo meu desejo era voltar para casa, não por causa das dívidas que se acumulavam, mas porque algo estava diferente. Talvez por ter crescido em um lar aonde meus pais  brigava constantemente eu não via minha casa como um lugar agradável e fazia questão de ficar fora o maior tempo possível, no entanto minha mãe tinha uma vida nova, um marido que a ama, Emilly estava crescendo e eu não queria perder a infância dela. Todos a minha volta estavam com a vida engatilhada, mas e eu? O que conquistei, o que fiz com meu tempo, com a minha vida? Em quem eu estava me tornando?

Eu não quero me tornar alguém amargo e nem sentir que desperdicei minha vida e é por isso que vou dar o melhor de mim no TFE. Para dar um sentido a minha existência. Me sentir importante, sentir que fiz parte de algo e que não vivi em vão. Eu vou expor meu ponto de vista ao mundo e meu artigo será como a luz que ilumina a noite. Esse é meu desejo, abrir os olhos da sociedade, olhos que a mídia vendou.

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- Mais uma por favor! - debruçado no balcão, ergo o copo, pedindo mais uma dose de cerveja ao barman.

Ainda que meu discurso fosse bonito e minha intenção fosse boa eu sentia que faltava algo. O artigo estava progredindo, ao menos saí da folha em branco. Palavras bonitas não tocam corações. Um texto sem alma não produz vida e esse era o meu limite, uma barreira que não estava conseguindo ultrapassar.

- Você está bem campeão? - Indagou o Barman enquanto preparava outra dose - Terminou com a namorada?

- Ta tudo bem sim - Menti mais para mim mesmo do que para ele. Namorada? Nunca tive. Desde que conheci Lucy me apaixonei por ela, mas nunca tive coragem de declarar esse sentimento. Covarde era isso que eu era - Deixa a garrafa - Pedi torcendo para que o álcool me trouxesse inspiração e a coragem que me faltava.

- Se meu patrão ouvir eu falar isso eu estou ferrado - o Barman se aproximou com a garrafa - Mas vai com calma garoto, beber demais não vai te fazer bem, deixa o alcool para aquele belezinha lá fora - ele apontou com o copo para a minha moto.

A Harley Davidson do meu pai, fiquei encarando ela. Peguei a garrafa e virei sem nenhum pudor, deixei o pagamento no balcão e fui até a moto. Embriagado somente um lugar me via em mente. A casa da Lucy.

Não sei como, mas consegui pilotar. Chegando, parei em frente da casa, desci da moto, tirei o capacete, era uma noite escura e ventava muito. Todas as luzes estavam apagadas. Minha vontade era de chamar por ela, mas não queria causar um alvoroço. Peguei o celular, abri o WhatsApp e fiquei encarando o chat. O visto por último indicava que ela estava offline há pelo menos umas 5 horas. Reclinei o meu corpo sobre a moto, olhei para cima. A lua reinava soberana e sozinha. Suspirei, guardei o celular no bolso, baixei o olhar, estava prestes a subir na Harley quando uma sombra se formou no chão e Imediatamente me voltei na direção dela e por um instante meu coração parou.

Ela estava ali de pé há poucos metros de mim. Bem que eu deveria ter escutado o barman e não bebido além da conta, estava tendo visões, mas havia algo de errado. Ainda que fosse visões eu só conseguiria ver a imagem daquilo que minhas memórias se recordavam, no entanto ela estava diferente, tão radiante que até mesmo a lua ficaria em segundo plano. Nesse meio segundo em que fiquei paralisado tive a certeza de que meu real e verdadeiro desejo havia se realizado e estava a diante de mim.

- Lucy... - sussurrei de forma quase inaudível ao reencontrar a garota que secretamente eu amava.

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Ponto De VistaWhere stories live. Discover now