Ponto De Vista

A avenida Don Pedro estava lotada de pessoas. Devido à garoa, o asfalto se encontrava molhado e escorregadio. O trânsito permanecia interrompido e a lentidão superado o recorde dos últimos três anos. No meio da rua, cones e faixas bloqueavam a passagem da rodovia mais utilizada. Agentes de trânsito guiavam o enxame de veículos por um caminho alternativo. Qualquer pista molhada trás consigo imenso risco, cabe aos motoristas serem vigilantes e prudentes. O que certamente não ocorreu naquele fim de tarde.

Dentro das faixas de isolação, há dois veículos destroçados: um carro comercial da década e os restos de um Camaro prateado. A equipe de paramédicos do SAMU movia-se ágil e cautelosamente procurando socorrer com êxito as vítimas do acidente.

Três socorristas tentam reanimar o cantor famoso, desfigurado com a brutalidade do desastre. Enquanto isso o pai de família dava os últimos suspiros de vida. Paulo Cesar, advogado casado e com filha de seis anos, morreu no caminho para casa. No anseio de chegar minutos mais cedo, decidiu pegar a avenida principal, o que não era de costume e foi o único erro. Erro que ocasionou a própria morte.

- Perdendo sinais vitais. - gritava o Técnico de Emergência que acudia o cantor - Tragam uma maca, temos que levá-lo ao hospital, rápido!

Cada segundo passava como uma eternidade aos olhos de Miguel, o famoso acidentado. Ele não enxergava mais nada. Sentia muita dor. Permanecia sem a percepção do próprio corpo. Em seu interior gritava por socorro, mas voz alguma saía. De que adiantava ter uma voz de ouro, como falavam a seu respeito, se na hora em que mais necessitava não era ouvido.

A equipe de paramédicos conduzem Miguel até a viatura do resgate, no entanto, ele não chegaria com vida no hospital. Em volta, a polícia tentava conter a multidão aflita que se esmerava para ver as vítimas do acidente. Os peritos criminais chegam afim de averiguar a cena, saber as reais e definitivas causas do ocorrido. Um deles checa os veículos. Junto aos restos do Camaro, inúmeras latas de cerveja, garrafas de vodka e tabletes de cocaína.

- Dirigindo embriagado em alta velocidade, com essa chuva? - indaga o perito para si mesmo - O que esse cara tinha na cabeça?

Eis um enigma dos dias de hoje. O que as pessoas tem na cabeça? Muitos acreditam que curtir é a razão de viver e desperdiçam a vida com drogas, bebidas e apostas. Outros, mais sensatos, buscam 'criar raízes'. Compor família. Se estabilizar, porém acabam desiludidos com os inúmeros problemas que a vida social pode proporcionar. Na realidade, ninguém sabe ao certo o motivo de existir. Nascer, crescer, se reproduzir e morrer? É essa nossa função no planeta, mas e depois? Tornamo-nos pó e nos ajuntamos à terra?

Isso nem sempre foi uma incógnita para o falecido sertanejo. O jovem de vinte cinco anos nutria por sonhos grandiosos. Desbravar o mundo, tornar-se um cantor renomado e gravar o nome na história como alguém que fez a diferença. Entretanto, escolhas erradas levam para caminhos errados. Agora seu nome será lembrado apenas como outra celebridade que ansiava por reconhecimento. Vítima da ganância, da imprudência, vítima de si mesmo.

- Já terminou seu trabalho? - pergunta o policial para mim.

- Sim senhor - respondi saindo do meu devaneio. Desliguei a câmera fotográfica em mãos, em seguida guardei na mochila, ajustei a toca da blusa na cabeça e segui meu rumo.

Olhei o cenário caótico em volta. A ambulância levava consigo não dois, mas seis corpos mortos, pois, sem realizarem seu trabalho como esperavam, os paramédicos não mais viviam. Salvar vidas, era esse o propósito de suas existências, era esse o sonho deles.

- Sonhar, direito de cada um, mas realizar, proeza de poucos. - afirmei comigo mesmo. Porém longe de mim determinar tal coisa. Essa é a realidade da qual também estou sujeito. Ignorem o que falo ou penso. Sou apenas um jovem sonhador que ganha dinheiro fotografando para o jornal local. No fim, não passo de mais uma criatura, que busca do fundo do ser, encontrar o verdadeiro significado de viver.