– E então, está a pensar numa boa história para me contar?

– Isto não é meu. – voltei a colocar a folha em cima da mesa.

– Tem a certeza? E o negócio do tráfico humano e de droga? Não me vai dizer que não sabe nada sobre isso.

– Quem liderava isso era aquele homem. – falei ríspido. – Aquele homem comprou-me, não só a mim como a outra pessoa. Quem vai pagar por tudo o que ele fez vou ser eu?

– Sobreviveu não foi? Podia sempre ter morrido se quisesse.

***

O pequeno compartimento onde me prenderam era sufocante. Era difícil estar lá dentro, especialmente quando os meus pensamentos transbordavam. Não consegui dormir, muito menos descansar. Não conseguia parar de pensar no que tivera acontecido. Eu estava a viver um verdadeiro inferno, com verdadeiras chamas e um verdadeiro diabo.

Teria sido tudo mais fácil se eu tivesse sido morto pelo Matt. Não descobriria a verdade e não chegava ao ponto miserável em que estava. Depois a Ava também iria morrer e quanto mais livre nos víssemos daquela vida, mais rápido poderíamos passar para outra. Mas quereria eu viver de novo outra vez? Ainda me faltava descobrir muitas coisas e completar muito mais. Se eu voltasse a viver num mundo onde aquele monstro estivesse perto de mim tudo iria continuar a ser um círculo vicioso.

– Vocês não podem fazer isto comigo. – gritei dando murros no vidro que separava a minha realidade da outra que brevemente me iria adotar. – Eu tenho no mínimo direito a um advogado.

Parecia inútil falar. Quanto mais eu queria falar, mais parecia que me tornava invisível. As pessoas passavam e de cada vez que o faziam eu acreditava que alguém me viria soltar e deixar-me fugir para um local completamente diferente. Mas eu estava a iludir-me. Além disso estava a receber o desprezo que por tantos anos dei a todas as pessoas à minha volta. Porém uma réstia de esperança cresceu em mim, quando vi a Ava entrar.

Dei vários murros no vidro que me estava a separar dela. Rapidamente o seu olhar encontrou-me e a minha ansiedade em vê-la e saber se ela ainda se encontrava viva foi destruída pelo estado em que ela se apresentava.

Quando ela se aproximou juntamente com a presença de um dos guardas, o meu coração acelerou e a minha temperatura corporal disparou. Era impossível imaginar o que estaria ela a pensar relativamente a mim, uma vez que depois de tudo o que lhe eu tivera feito. Mesmo tendo-a protegido até ao último minuto, consegui mata-la ainda de uma forma pior.

A porta que estava trancada, impedindo-me de poder sair, foi aberta. Depois da Ava ter entrado, o homem voltou a tranca-la, afastando-se para longe de nós. Ela entrou ainda que um pouco reticente. O seu olhar encarava o chão, deixando-me longe do seu plano. Estaria ela com medo de mim?

– Desculpa! A minha intenção não era magoar-te... – a cara dela subiu. Observei os seus olhos escuros. Manchas na sua cara. Ela estava destruida e já não era só psicologicamente. – Ava eu só queria proteger-te tens de entender isso. Eu nunca quis atirar contra ti.

A falta de resposta por parte dela estava a deixar-me impaciente. Eu queria que ela entendesse que nunca me passou pela cabeça fazer-lhe aquilo. Aliás, nunca na vida eu iria magoar alguém de quem eu gostava. Eu poderia ser um monstro, insensível e sem escrúpulos, mas fazer mal a alguém que me era tão próximo daquela maneira, eu nunca teria coragem. Isto a nível físico, porque a nível psicológico eu já a tivera morto por completo. Mas eu gostava da Ava?

Foi então que repentinamente o seu corpo colidiu com o meu. Os braços fracos dela apertaram-me num abraço e o som do seu choro preencheu o espaço em que nos encontrávamos. Ela estava terrivelmente desolada e eu não sabia o que fazer.

– Ava... – os meus braços, ainda que num gesto reticente, acabaram também por rodear o corpo dela. Talvez eu não estivesse a fazer a coisa certa. Mas a realidade é que eu já não sabia o que fazer. Parecia estar a ficar louco, especialmente por todas as recentes descobertas. Como iria eu lidar com aquilo até ao fim da minha vida? Sem ninguém que me pudesse contar a história toda.

– Eu acredito e ti. – depois de uns breves minutos a ouvi-la chorar, com o seu corpo junto ao meu, ela finalmente se afastou e olhou para mim. – Mas o que é que nós vamos fazer agora? Eu vou ficar sozinha?

Apertei os punhos. Quando o Carl me disse para tomar conta da Ava ele não estava a brincar. Ele sabia exatamente o que iria acontecer. Porém, comigo ali nada poderia ser feito. Além disso eu nem sabia se tinha coragem suficiente.

– Ava... o Matt... ele é o meu pai. – não tive coragem suficiente para lhe responder. Em vez disso partilhei com ela aquilo que mais me estava a atormentar no momento.

– O quê? – as suas sobrancelhas juntaram-se numa forma interrogativa. – Teu pai? Como assim Harry?

– O Carl... o teu pai. – assim que me referi ao homem os olhos dela arregalaram-se. – No dia em que ele morreu ele estava a escrever uma carta para mim. O teu pai sabia de tudo. – era irónico o quanto a minha vida e a da Ava se completavam. Eu tivera-lhe escondido o paradeiro do pai dela e o pai dela escondido a verdade sobre o meu. – Agora eu percebo porque razão o teu pai me perdoou. Ele escondeu este segredo por mais tempo do que eu o escondi de ti.

– Não podes deitar as culpas para o meu pai!

– Eu não estou a fazê-lo! – contrapus. – Achas que em algum momento da minha vida eu queria saber desta estúpida verdade? Sabes a quantidade de coisas que eu nunca vou descobrir sobre mim mesmo? Enfiado numa prisão eu nunca vou poder saber sobre nada!

– Não digas isso. Tu nem sabes se vais preso.

– Tu estás à espera de quê Ava? Tu achas que vamos viver felizes para sempre? – levei as mãos à cabeça. – Ava eu matei uma pessoa. Eu matei uma pessoa de verdade!

Ela ficou a olhar para mim. Realmente eu não sabia o que se iria suceder depois daquilo. Mas a verdade é que depois de tudo ter sido descoberto eu nunca mais pude ter a vida que levava. Nem a vida, nem as pessoas.

A porta trancada foi aberta. Mais uma pessoa juntou-se a nós. Era um homem, vestido com um fato e um ar muito profissional. Ele estendeu a mão na minha direção

– Alan Cooper, sou o seu advogado.

Fiquei a olhar para o homem com um ar interrogativo. – Deve haver aqui algum engano. – disse-lhe. – O meu advogado não se chama Alan Cooper.

– Pois, presumo que antigamente o senhor tinha outro advogado.

– Eu tenho um advogado. Eu exijo que o chamem. Eu pago para isso.

– Eu lamento informa-lo, mas o senhor vai ter de aceitar-me como seu advogado. Neste momento não há dinheiro que lhe possa garantir nada. – a minha cara mostrou uma expressão de incompreensão, ao que o homem respondeu. – Eu lamento informar-lhe senhor Styles, mas a verdade é que o senhor não possui qualquer bem neste momento. Tudo o que estava na sua posse foi apreendido.

Quando o homem me disse aquilo eu olhei para a Ava e soube naquele momento que se eu não fizesse nada, numa questão de pouco tempo eu também iria perdê-la.


Callous | h.sWhere stories live. Discover now