CAPÍTULO 42

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Terminado todas as questões de matemática e um trabalho urgente de biologia fui correndo para o vôlei. Estava com um short e uma regata na bolsa e coloquei dentro dela a pasta onde levava meus materiais. Não gostava muito de usar o banheiro da escola, tentava entrar lá o mínimo possível, mas precisava me trocar e fiz isso bem rápido.

Treinei pra me distrair, corri o máximo que pude e meus saques sempre passavam da linha, o que deixava a treinadora super irritada. Mas o que eu podia fazer? Pelo menos o nervosismo dela durou pouco quando consegui bloquear todas as bolas.

Demorei na hora de recolher minhas coisas, fiquei pra guardar as chaves porque queria pensar, não queria chegar em casa com um sorriso falso no rosto. Não estava sendo fácil conviver com aquela noticia. Dizia pra todos que não questionaria a escolha da minha mãe porque ela fez o que podia, mas e depois? O que fazer com o resto da minha vida? Será que eu teria que começar a visitar um psicólogo? Era uma boa opção. Conversar com um desconhecido sobre os meus problemas e ter ele quase como meu melhor amigo.

Rezei baixinho para que a dor um dia parasse ou pelo menos diminuísse.

Já estava tarde, pensei em caminhar, mas não era uma boa ideia naquela hora. Liguei para o meu pai e tratei de guardar tudo, deixei as chaves na secretaria e fui jogar um pouco de água no rosto.

Estava a caminho do bebedouro quando vi alguma coisa estranha no chão, em um corredor escuro perto de uma das salas de aula. A escola estava vazia, os que estavam se encontravam dentro de suas salas e nenhum aluno tinha chegado ainda.

Avancei devagar, minhas pernas bambearam e eu não sabia por quê. A cada passo me sentia mais nervosa e com pensamentos ruins. Pensamentos que não conseguia distinguir direito passavam rápidos demais pela minha cabeça criando hipóteses. A luz já não estava mais em mim, a escuridão do local dificultando minha localização, mas eu consegui ver. Consegui ver muito bem.

Não tinha como não ver o sangue no Matheus.

***

Assim que o vi machucado, com um olhar tão apavorado que pensei o pior, sai correndo em sua direção. A escuridão presente naquele lugar fez com que aquele desespero ficasse escondido. Quem passasse por lá veria apenas duas pessoas conversando.

Ele não pareceu pensar direito quando me viu, na verdade ele não pareceu estar pensando direito já algum tempo. Imaginei por quanto tempo ele ficou assim. Parado. Quieto. Olhando para o nada. Naquele momento ele só estava me encarando, abismado.

Comecei a sacudi-lo, preocupada.

– Matheus? O que você fez? – Olhei o risco vermelho em seu braço. Senti meu estomago revirar. – Quem fez isso com você?

– Tenho que ir atrás dela. – Ele disse, desnorteado.

– Dela? Você não vai a lugar nenhum sem antes contar o que houve...

– É tudo culpa minha, Mel. – Não conseguia parar de encarar seu braço. Matheus o segurava como se estivesse sentindo muita dor.

– Foi a Rebeca quem fez isso, não foi? Eu sabia. Ela está esquisita já a algum tempo.

Eu devia ter imaginado. Todos aqueles avisos. Todos aqueles olhares. Ela ia fazer alguma coisa, mas ninguém, nem mesmo eu, queria enxergar.

– Não fale assim dela. – Ele me olhou de forma dura. Como se segurasse um segredo. Pensei nos muitos segredos que estavam se jogando em minha frente. Eu gostaria de descobrir mais um? Matheus parecia diferente. Mais alto e forte. Como aqueles contos de fadas que liam para a gente quando crianças, com príncipes prontos para proteger a mulher amada.

Toda aquela escuridão fez com que o Matheus parecesse mais sombrio, mais fora de si, como se algo muito importante tivesse sido tirado dele e ele não soubesse mais o que fazer. A rigidez do seu rosto mostrava isso.

– Porque ela tentou te machucar? – Insisti.

Matheus deixou a cabeça cair. Um meio circulo cinza se formava de baixo dos seus olhos. A quanto tempo ele estava assim? Parecia tão bem na biblioteca.

– Ela não tentou. Foi sem querer. Eu que me coloquei na frente dela pra impedir.

– Impedir o que? – Pensei no rosto da Rebeca naquela manhã. Assustado. Perdido.

– Ela estava tentando se matar, Melissa.

– Aqui na escola? Onde todo mundo podia ver? – Olhei em volta para ter certeza das minhas palavras. Bom, não parecia mesmo ter muita gente aqui.

– Todo mundo quem, Mel? A escola está vazia. O guarda do portão não sai andando por corredores vazios, os professores que chegam ficam na sala dos professores e só.

– E como você a encontrou? – Ainda estava tentando entender tudo aquilo.

– Fui até a casa dela pra conversar, como disse que faria, e ela não estava. A mãe dela disse que ela foi pra escola fazer um trabalho, então voltei. Procurei em todo lugar, fui até a biblioteca, em todas as salas vazias, até que a encontrei no corredor do ensino fundamental olhando para o nada.

– Por que acha que ela estaria logo aqui?

– Eu não sei. Só corri em sua direção. Ela se assustou e mandou eu me afastar. Foi então que vi a faca na mão dela surtei, fui pra cima dela. Eu não podia perdê–la, não aguentaria isso. Tentei tirar a faca da sua mão, mas ela puxava de volta falando que colocaria um fim em tudo. Cada palavra que ela jogava era como um corte em meu corpo. Isso aqui não foi nada. – Ele mostrou seu braço. Continuei encarando, abismada com sua historia. O que estava acontecendo com a Rebeca? – Não estou sentindo nada. O que ela disse foi pior. Ela não fez por mal, entende? Foi sem querer. Quando ela me machucou e viu o corte ela foi para trás, disse que sentia muito, que era uma pessoa horrível e saiu correndo. Eu não consegui ir atrás dela. Não consegui me mexer, fiquei pensando em tudo o que ela disse, tentando entender, mas agora tenho que procurá–la. Ela pode tentar algo de novo.

– Onde você acha que ela estaria? – Disse, pegando minha bolsa e tirando uma folha de caderno.

– Não sei. Ela pode ter ido pra qualquer lugar.

– Ela escolheu esse corredor por algum motivo. Seria mais fácil se matar dentro de casa ou em um lugar com poucas pessoas, não em uma escola.

– Uma escola vazia – Ele me corrigiu.

– Mesmo assim. Quem faz isso? – Matheus deu de ombros, olhando pra baixo.

– Vou te ajudar a procurar. Pense em onde mais ela estaria.

– Talvez no parque, onde costumávamos nos encontrar.

– Tudo bem, vá para lá. Eu vou até a casa dela. Me passe o endereço. – Entreguei a folha.

– Por que ela estaria em casa? – Olhei para além dele. Pensando em minha mãe sem vida na cama.

– É um lugar acolhedor.

– Aqui está. – Ele devolveu a folha.

– Se eu a encontrar, ligo pra você.

Eu já estava correndo quando ele me chamou.

– Obrigado.

Não respondi, só continuei. Não dava para agradecer quando provavelmente o pior já podia ter acontecido.

Mas não vou deixar mais ninguém morrer.

O jogo da verdade [COMPLETO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora