CAPÍTULO 7

1.5K 117 12
                                    

Ainda bem que meu pai me ensinou a dirigir. Por causa do meu irmão sempre fui responsável e esse era o motivo de eu ter aprendido certas coisas, como dirigir, cedo demais.

Eu estava com um mal pressentimento, sabia que esse dia não seria normal desde o momento que acordei. Eu deveria ter continuado em minha cama, inventado uma mentira sobre estar doente e permanecer só com os meus pesadelos na cabeça. Nenhum dia é maravilhoso quando você é uma pessoa cheia de dúvidas, quando você mesma é o próprio mistério, mas não, eu tive que acordar e revivê–los pessoalmente com aquele menino que já não é mais tão misterioso assim.

É engraçado, eu acordei achando que esse dia seria o dia da conquista, das declarações, do amor, da felicidade. Eu não deveria ter acordado feliz demais, a minha mãe sempre me alertava para não criar expectativas, pois no final sempre acabamos quebrando a cara quando colocamos expectativa demais em alguma coisa ou em alguém. Só que ao invés de quebrar a cara, eu consegui fazer minha amiga quebrar o nariz.

Percebi que eu estava indo rápido demais para a casa do amigo do meu irmão, quer dizer, rápido na medida que o trânsito de Goiânia deixava a gente ir, mas já eram cinco e meia, o papai chegava as seis para descansar e voltava lá pelas sete para mais um período de trabalho. Então eu precisava estar em casa pelo menos às cinco e cinquenta se quisesse que meu pai continuasse a confiar em mim. Vocês devem estar pensando que estou fazendo muito drama por pouca coisa, afinal de contas esquecer de algo é normal, mas eu não quero colocar dúvidas sobre mim para o meu pai. É que... as vezes é demais tentar ser a garota perfeita em tudo, mas não foi uma questão de escolha, quero dizer, quando mentimos não pensamos antes de falar. Acho que a questão é essa, eu não pensei muito em mim, não pensei que a qualquer momento alguém descobriria minha verdade. Queria muito que as pessoas gostassem de mim e acabei esquecendo que eu mesma deveria gostar. Agora já era tarde.

Isso não é algo que eu tenha orgulho de fazer, mas não sou a única que faz isso. Na verdade, isso é um ciclo vicioso. É como se alguém perguntasse se esta tudo bem com você e por mais que não esteja, ainda respondesse que sim. Quer dizer então que cada um de vocês mentem sem perceber. Eu sou apenas mais uma que abusou da verdade. Não posso ser julgada por isso.

Quando já estava chegando perto de casa – com a minha esperteza de sempre – de olhar para o espelhinho do carro e sem querer quase atropelei um menino que estava passando de bicicleta. É claro, essas coisas tem que acontecer comigo. Eu sou muito azarada. Ninguém quase atropela uma pessoa só por olhar um minutinho para o espelhinho do carro. Fala sério, tem gente que consegue se maquiar, que consegue falar no celular, que sei lá, canta e dança ao mesmo tempo que dirige e não acontece nada.

Mas comigo tem que acontecer, claro que tem que acontecer. Eu sou um desastre ambulante. Já quebrei pratos, cai de escadas, de bicicletas, de moto, quando eu era criança cai até do carro, porque a sortuda aqui não fechou a porta do carro direito e na hora da curva, conseguiu voar para fora quase quebrando a perna.

Fiquei em choque e levei um minuto para sair do carro. Já estava com ele parado e com o farol ligado, pois já iria escurecer e como estava com medo de sair e ver o menino morto, tentei ver de dentro do carro se ele se mexia e por sorte, sim. Sai do carro rápido e fui em direção do outro azarado que topou comigo. Ele estava de costas, deitado e parecia que tinha ralado o cotovelo. Droga. O mínimo que eu podia fazer agora era levar aquele pobre menino para um hospital e claro, atrasar mais ainda minha busca pelo meu irmão.

Como eu avisei, eu sou mesmo uma pessoa com muita sorte, pois não bastava eu ter quase atropelado o menino que estava caído de costas para mim, o mesmo era o aluno novo da escola e agora um quase conhecido meu.

– Você está bem? – Tentei manter minha voz calma.

– Estou, a culpa foi minha. Não olhei na hora de atravessar.

Ahhh, isso explica o porquê de não ter visto ele.

– Posso te levar para o hospital se quiser. – Toquei no ombro dele e tentei fazê–lo levantar. Ele estremeceu e logo depois riu. Não sei por que ele estava rindo.

– Hospital? Não exagera, foi só um arranhão culposo meu. No máximo irei voltar para casa e pegar alguns curativos. Talvez um mertiolate. – Ele ainda continuava com o sorriso no rosto.

Quem quase sofre um acidente e ri?

– Ugh! Odeio essa coisa de mertiolate.

– Eu também odeio. – Ele se levantou devagar, pegou sua bicicleta e pela primeira vez olhou para mim. Então logo que me viu, como se não bastasse tudo aquilo, sorriu ainda mais.

– Oi Melissa!

Eu não sei se foi pelos dentes brancos, pelo susto do quase acidente ou pela alegria que ele demonstrou quando disse meu nome. Mas meu coração pareceu estar dançando tango e minhas pernas pela primeira vez sentiram frio. Essa era a única explicação plausível que achei pela tremedeira repentina. Sabia que conhecia aquele sorriso de algum lugar, só não sabia que o efeito que ele trazia ainda estava presente.

De repente, todas as lembranças que eu lutava para esquecer voltaram de uma vez e eu xinguei mentalmente o dia em que conheci esse garoto. Agora ele estava aqui, junto com meu passado.

– Oi Fernando. – Disse sem graça.

O jogo da verdade [COMPLETO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora