CAPÍTULO 6

1.5K 121 7
                                    

Ainda bem que ninguém me encontrou enquanto estava indo para a casa do Felipe, se um policial me pegasse dirigindo sem carteira de motorista, ou pior, se estivessem por perto na hora que eu desviava que nem uma louca por meio daqueles carros, provavelmente teria que mentir, me envolver em mais mentiras, ou sei lá. Mesmo sendo quase maior de idade, eu ainda teria que fazer a bendita carteira de motorista e pagar meus dois mil reais que mais parecem uma multa, dando um olá para a vida adulta. "Parabéns, você completou a primeira fase dessa sua nova vida. Agora só faltam algumas fases que terão taxas, parcelamentos, boletos, juros e falta de tempo."

Não que eu não queira ser independente, mas sempre quando falo de ir morar sozinha para meu pai, ele me joga um monte de coisinhas que terei que fazer, lembrar, cuidar, agendar, pagar... e no meio da lista começo a pensar em ser uma mulher de 35 anos morando com o pai.

As vezes eu até entendo porque o Peter Pan não queria crescer, sortudo foi ele por ter encontrado a terra do nunca.

– Não querida, seu irmão já foi. Nós o levamos para casa. – Uma mulher que, apesar da sua idade, tinha um sorriso tão juvenil quanto o do próprio filho, disse.

Graças a Deus, essa era a hora certa do meu pai chegar em casa. Espero que o Pedro tenha lembrado de pegar a chave de baixo do tapete.

– Quando vocês saíram, ele já tinha entrado em casa? – Perguntei, preocupada por ele não lembrar e acabar ficando do lado de fora.

– Ah sim! O pai dele apareceu na porta e ele já foi entrando. Seu irmão é um menino muito esperto Melina, acredita que ele conseguiu ensinar matemática para o Felipinho?

– Sim, ele é. Com toda essa hiperatividade, acho que ele aprende as coisas rápido. – Soltei uma risada um pouco abafada.

Achei muito fofo e engraçado o jeito como a dona Barbara chamou o Felipe, parece que todas as mães que eu conheço, chamam o filho pelo diminutivo. Talvez, se minha mãe ainda estivesse aqui, ela também me chamaria pelo diminutivo. Melzinha. Seria gostoso de ouvir, tão gostoso quanto me chamar de Mel.

Tentei dispensar aqueles pensamentos e voltar para a realidade. Eu não podia me entreter com o que as pessoas falam, são só palavras e palavras não são nada mais do que letras.

Quando dei por mim, estava olhando para os pés da dona Barbara.

– M–me desculpe. Acho que fiquei um pouco perdida nos meus pensamentos. Estou com tantas tarefas que a senhora nem imagina, é trabalho, deveres, aula de teatro, audições, treino para os campeonatos de vôlei... – Fui inventando, e inventando, e inventando. Que mentira Mel! Você tem sim alguns trabalhos, mas não exagere.

– Tudo bem querida. – Ela estava me jogando um sorriso de mãe. Um sorriso caloroso e afetuoso, parecia que ela estava lendo meus pensamentos ou tentando desvendar meu rosto. Aquilo me fez muito bem, eu queria me jogar nos braços dela e dizer toda a verdade, dizer à confusão que estava começando a se formar em minha vida, tudo por causa de um garoto.

Queria pelo menos ter alguém para dizer isso. Não só sobre minha mãe, mas sobre tudo. Tudo sobre o que aconteceu, do porquê da minha mudança, do meu medo, das minhas incertezas, inseguranças e desejos. Queria ter alguém para tirar todas as minhas dúvidas e dizer que vai ficar tudo bem.

– Obrigada. – Foi tudo o que eu disse. Virei as costas e sai, sem jeito, com vontade de olhar para trás, e ver se ela ainda continuava a me olhar como se olha uma filha.

Mas eu não fiz. Eu nunca faço.

Para mim, olhar para trás nunca foi uma atitude nobre.

8K

O jogo da verdade [COMPLETO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora