CAPÍTULO 27

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Cheguei pisando forte na casa da Adriana. Ouvi um assobio longo.

– A coisa deve ter sido feia.

Olhei para as duas meninas sentadas no banco da cozinha e segui em direção do quarto. Elas levantaram na mesma hora.

– Tudo bem, achei que o encontro tinha sido bom, mas o que houve? – Adriana de repente parou, perplexa. – Ai meu Deus! Ele beija mal?

Revirei os olhos. Claro, como se isso fosse a coisa mais importante do mundo.

Bom, pra ela deve ser mesmo.

– Não. – Falei, quase em um sussurro. Ainda não acreditava que tinha beijado ele e agora, provavelmente, as coisas entre a gente ficarão estranhas.

– Então porque você tá tão irritada? – Adriana me olhou desconfiada.

– Acho... – Comecei a apertar os dedos, nervosa. – Acho que ele não gostou do beijo.

– Impossível. – Falou Fabiana, como se aquilo fosse a coisa mais obvia do mundo. – Só se, ao invés dele, você ter beijado mal.

Eu não beijei mal. Acho. Quer dizer, foi bom. Nossa, foi muito bom. Mas pode ter sido bom só para mim. Quem garante que ele gostou? E apesar da minha vasta experiência de um garoto, tudo bem, agora dois, eu realmente acho que beijo bem. Eu posso ter ficado só com o Matheus, mas poxa vida, foi muito tempo. Isso deve servir pra alguma coisa.

– Bom, não importa. – Fingi indiferença.

– Como assim "não importa"? – Dessa vez Fabiana arregalou os olhos. – Mel, você é caidinha por ele. Não pode negar mais isso.

– Eu sei que sou, tá bom? – Falei, alto demais para o momento. – Mas não posso ficar me preocupando com isso, o que tem a ver um cara gostar ou não do beijo? O que ele fez foi pior. Agiu como se nada tivesse acontecido, como se EU não o tivesse beijado.

– Foi você quem beijou? – Adriana perguntou.

– Eu sei lá quem beijou primeiro! – Suspirei. – A questão não é essa. Se o Fernando me quer só como amiga, então amizade ele vai ter.

– E você quer ele só como amigo? – Fabiana perguntou.

– Quero ele perto de mim. Isso basta.

E subi as escadas, deixando duas garotas paralisadas.

Bom, o que eu podia fazer?

***

"Você matou sua mãe."

Aquilo não era um sermão. Era um deboche.

Alguém estava debochando de mim.

"Você matou sua mãe e age como se nada tivesse acontecido?"

Senti aquele arrepio que vivia perseguindo meus sonhos.

"Que tipo de garota é você?"

"Você acha isso bonito?"

"Haha grande Melissa, sempre achando que tá fazendo a coisa certa"

Eu achei que aquilo não aconteceria mais. Jurei pra mim mesma que meus pesadelos não voltariam mas...

"Não é fácil se livrar de sangue inocente, não é?"

Elas se revessavam... diferentes vozes. Conhecidas. Amigáveis. Raivosas. Surpresas.

"Você matou sua mãe."

"Você matou sua mãe."

Agora todas repetiam a mesma coisa de uma vez.

A única coisa que eu nunca quis ouvir.

A verdade.

"Você matou sua mãe"

Eu queria acordar, mas não conseguia. Tentei levantar, mas parecia que mãos estavam me segurando na cama, várias mãos, todas conhecidas, todas de amigos. Assim como as vozes.

"Você matou sua mãe"

Eu? Mas por que? Por que eu mataria minha própria mãe?

Consegui reconhecer cada uma delas agora, eram sete no total. A voz da Adriana, da Fabiana, do Fernando, do meu pai, do meu irmão, do Matheus e da Rebeca. Todas gritando. Me apedrejando. Dizendo a verdade que eu não quis ouvir.

Vultos andavam ao meu redor, como se aquelas sombras pudessem se teletransportar. Uma hora estava do meu lado, quase tocando meu braço e quando me virava, elas já estavam longe, olhando diretamente pra mim. Não sabia o que era aquilo. Talvez fosse o meu medo em sua forma física. O meu desespero. Eu não sei. Mas dava para sentir, fosse o que fosse, aquilo não era bom. Era maligno. Ruim. Aterrorizante.

Por mais que eu tentasse escapar, por mais que eu corresse os vultos continuavam ao meu lado, tentando me derrubar tentando me fazer cair. Onde estavam meus amigos?

Olhei para trás e seis pessoas continuavam paradas. Me observando a distancia. Consegui ver o momento que cada uma delas sorriu. E depois, o bote. Alguém conseguiu me derrubar, a sétima que faltava no grupo e eu cai.

E cai.

E continuei caindo até não ouvir barulho nenhum. As risadas foram diminuindo e um poço sem fim foi se abrindo a medida que meu pânico crescia. Não importava o quanto mexesse minhas mãos, não tinha nada a que me agarrar. Apenas o vazio escuro e sem fim que eu entrava cada vez mais.

Eu matei minha mãe.

Minha própria mãe.

Fechei os olhos aceitando minha derrota e de repente levantei, acordei quase sem ar. Respirava forte, pesado, como se por um minuto tivesse me faltado oxigênio e eu revivesse de novo. Era tudo o que eu queria, ter uma segunda vida, uma segunda chance pra ser outra pessoa. Mas era impossível, eu tinha tentado.

Encostei minhas costas na cabeceira da cama, dobrei os joelhos e os abracei, como se assim pudesse me proteger do frio repentino. O frio que sinto vindo da própria alma.

Comecei a chorar, desesperadamente. O que era tudo aquilo? Até onde isso iria? Não importava o quanto eu tentasse, nada seria diferente. Não tem como mudar o que já foi feito. Eu não queria mudar, eu só queria aceitar. Mas como aceitar uma verdade tão tenebrosa? Como aceitar seus pesadelos? Já ouvi vários relatos de pessoas que abraçaram seus medos, mas fico pensando, será que eles fizeram mesmo isso? Será que eles só não falaram pra se sentirem grandes o suficiente e finalmente conseguirem aceitar?

Mas hoje eu falei em alto e bom som.

Eu matei minha mãe.

E agora já não consigo aceitar.

Era como se eu tivesse vivido em uma espécie de transe durante sua morte. Dizia que estava tudo bem, que eu só tinha que mudar, ser diferente, ser uma pessoa melhor, ser quem ela queria que eu fosse. E pronto. Tudo ficaria bem, as coisas dariam certo com o tempo.

Só que não é bem assim. As coisas não se resolvem com uma simples aceitação. Aceitar sua morte e o motivo dela não vai traze–la de volta. A única forma é mudar. Mas de que modo? Eu já tentei mudar de todos os jeitos possíveis. Tentei ser uma pessoa melhor, me fazer melhor... que tipo de mudança mais eu preciso ter?

Comecei a balançar minha cabeça, o sono estava voltando, mas as lágrimas ainda escorriam livremente pelo meu rosto. Dormi pensando que esse era o melhor descanso que eu viria a ter futuramente.

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O jogo da verdade [COMPLETO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora