17- De volta ao lar

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-Ah Dona Lizi, pensei que nunca mais veria esse rosto- ele disse apertando minha bochechas, senti falta do Zé, e olhando para trás no dia em que tudo começou, se eu soubesse de tudo, o rosto de Zé na porta teria me animado mais.-A senhora está bem ? Quer alguma coisa? Quer que eu ligue pra polícia? Ou para sua mãe ?- ele quase não respirava pra falar.
- Eu estou bem Zé, não quero falar com ninguém por enquanto. Preciso me deitar.- eu senti um enorme peso sob minhas costas e nada daquilo parecia real.
-A senhora ainda tem sua chave ?
-Tenho Zé.- eu me soltei do abraço de Zé e fui caminhando para as escadas quando me virei.- Zé, quanto tempo eu estive fora ?
-Quase um mês dona Lizi. Já estavam dizendo que ...- ele fez uma pausa- Bom ...- ele falou e ficou sem jeito, com meado talvez da minha reação, e eu só abaixei o olhar e respirei fundo, voltei para o objetivo, estar de volta ao lar.
Me lancei no chenille velho e agora empoeirado, vi na minha mesa de centro uma bolsa colorida, imaginei pertencer à minha mãe, ah, minha mãe, como será que ela estava com tudo isso ? Eu devia ligar pra ela, mas deixei para depois, eu precisava ter um momento, minha cabeça estava oscilante e louca, nada fazia muito sentido naquele momento, para mim aquilo era um sonho bom e eu ia acordar com sangue nas mãos e olhando para o corpo de Julia, tentando entender a minha impureza, meu instinto animal e a minha monstruosidade que eu não sabia que estava dentro de mim, "mas ele te obrigou", sempre existe uma opção, aquilo estava em mim e eu sabia, no mais profundo de mim e eu abracei aquilo, eu aceitei e agora tenho sangue e dor nas mãos e uma mancha na minha alma. "Ela não era uma pessoa boa" pode ser, mas matar? Realmente essa é a saída ? Não foi assim que minha mãe me criou, e além do mais, e se descobrirem? " você vai alegar o óbvio, você estava psicologicamente abalada e ele te forçou" estava? Não sei se podemos colocar isso no passado, veja só, eu me senti seduzida por um homem que fez atrocidade comigo, que me manteve em cativeiro e me fez passar por dias, semanas de pavor, isso não é uma mente saudável. Na verdade uma mente saudável me deixou à algum tempo, minhas escolhas não tem sido das melhores ultimamente e as lutas que tenho tido comigo mesma... Nossa tem me deixado completamente sem forças. "Já pensou que talvez você esteja passando por um estágio de evolução, evolução dói" evolução ? Uma evolução para uma pessoa dádiva é cruel? Isso não faz sentido. "Não se trata de ser cruel, se trata de por você mesma como ponto importante de sua vida" ele quer que eu seja o ponto central " ele não disse isso, quer que sejam um do outro, na teoria dele você só passa a existir e ser importante para você mesma, você se trata como nada" CHEGA!  Me levantei e fui tomar um banho, simplesmente pelo prazer de me lembrar que eu estava em casa, na minha casa.
A pressurizados da água me lembrava descanso, eu não tinha isso fazia um tempo, senti falta dos azulejos brancos, da pia de pedra de mármore preta, do espelho grande perto do box, até da minha balança digital no canto do banheiro... É por falar em balança, apreciei mais alguns momentos daquele banho, me enrolei em uma toalha e fui em direção à aquele instrumento de acrílico, fechei os olhos, respirei fundo, e... Subi, mantive meus olhos fechados, apertados, respirei fundo de novo.
-Tá legal, tá legal, tá legal, seja corajosa, não pode estar tão ruim assim.- eu tentava me encorajar e ainda de olhos fechados soltei a toalha. Ok vamos lá. Abri os olhos lentamente, como se fosse ver um exame seríssimo, e fui abaixando a cabeça em um ritmo ainda mais lento, e lá estava, dez quilos à menos, mordi o lábio, aquilo me preocupou. Caminhei até o grande espelho no meu banheiro com medo do reflexo, fiquei me virando em frente ao espelho lentamente e boquiaberta, eu podia ver quase todos os ossos das minhas costas, meu corpo era quase como o de uma anoréxica, e foi inevitável, lágrimas rolaram, aquilo me fez lembrar dos dias mais difíceis, da batata que tive que comer, dos dias em que estive em estado de choque e não conseguia comer de jeito nenhum, quando não tinha forças para levantar o garfo. Foram dias em que pensei que não passaria na minha vida, fome, sede e desespero. Sacudi a cabeça, esses dias passaram, eu tinha quer ser mais forte que eles.
Depois do banho tomei coragem e liguei meu celular, deixei ele sobe ovação da cozinha para receber talvez algumas mensagens enquanto eu ia para o quarto,"lar, doce lar" era isso que eu deveria sentir, mas ainda me sentia como se eu fosse acordar a qualquer momento, assim como me senti quando acordei pendurado pelos punhos, mas deste sonho eu não queria acordar, a questão é que era bom de mais para ser verdade mesmo para a mais otimista pessoa existente, era um pouco de mais. E se foi tudo um blefe ? E se ele vier me buscar alguma hora ? "Ele não mente" também não parecia serem psicopata, mas é. Me deitei, sentir o cheiro do meu perfume qua ainda estava em meus lençóis me lembrava paz, olhar para o meu guarda-roupa, meu criado mudo, tudo ali sendo realmente meu, aquilo me fez sorrir por um momento, nossa quanto tempo não fazia isso, quase um mês sem sorrir. Um mês. Eu nem acreditava nisso, tudo tão intenso, momentos que duravam horas e horas que duravam segundos. Onde eu estive com a cabeça quando comecei tudo isso ? É por pior que pareça eu ficava pensando nas palavras que ele me disse " meu telefone e endereço serão os mesmos por uma semana" era esse meu tempo para seja lá o que fosse " uma semana", nossa uma semana, e eu nem sabia que dia era hoje. Olhei para a janela, o sol estava perto de se pôr. O sol, como senti falta dele beijando minha janela.
Tentei dormir enquanto escutava meu celular apitar com mensagens à cerca de dez minutos que ele estava recebendo-as sem parar, e por mais que eu tentasse dormir, eu não conseguia , estava inquieta e alerta, como se a qualquer momento Ryan fosse abrir a porta e dizer que foi mais uma lição para mim. Eu não queria viver com medo, mas quem poderia me dar segurança ? Ninguém, nem a polícia nem ninguém porque mesmo com ele preso ou morto ele sempre estaria na minha mente, não sei como mas ele era um perfeito possuidor de mim, consegui me fazer sentir atraída por ele mesmo depois de tudo aquilo, ele me enlouqueceu talvez? Eu estava chegando à conclusão que sim porque já não sabia mais o que eu estava fazendo, não saiba mais o porque estava reagindo de determinadas maneiras e de certa forma me sentia louca.
Horas depois decidi checar meu celular, eram tantas mensagens que ele estava travando, inúmeras ligações divididas entre meu chefe, minha mãe e minhas amigas, que embora não fosse muitas, ainda sim se importavam comigo. Li as mensagens de Laura, ela sempre foi a desconfiada e quando não apareci na manhã seguinte à sua mensagem foi "Estou preocupada, vou acionar a polícia no fim da tarde se você não aparecer" ela sentia algo no ar desde as dez da manhã, Marcela era a divertida, as primeiras mensagens perguntavam com quem eu estava dormindo, e Jane era a romântica e me perguntava se eu estava conhecendo alguém, mas todas me conheciam, eu sempre fui muito focada no trabalho então quando eu faltei elas começaram a suspeitar que algo estava errado. Meu chefe mando inúmeras mensagens me demitindo de várias maneiras diferentes durante a primeira semana, e minha mãe, minha pobre mãe... Ela me ligou e me mandava mensagens preocupadas perguntando de mim durante três dias, depois disso acho q ela já tinha começado as buscas, como será que ela estava ? Eu tinha de ligar para ela, mas não sei porque tive medo, mas ela tinha o direito de saber de mim . Fiquei encarando o telefone alguns minutos e então disquei o número dela.
-Mamãe?- eu só ouvi ela chorar desesperadamente, minha pobre mãe, tive medo que ela tivesse alguma alteração de saúde por minha causa.- Mamãe eu estou bem, estou de volta, estou em casa.- ela não conseguia falar, entendi que logo ela viria com muito esforço e depois ela desligou. Eu ainda não tinha me decidido se devia falar com minhas amigas naquele momento, eu ainda não estava bem e precisava por a cabeça no lugar.
Enquanto estava sozinha as palavras de Ryan continuavam na minha mente, parte de mim dizia que decorria denúncia-lo antes que ele se mudasse é parte de mim dizia que eu deveria vê-lo, era confuso, mais do que atração por ele propriamente dita, era mais como uma sensação de que o que ele queria de mim seria libertador, por que para ser sincera os pesadelos continuavam, mas agora enquanto eu estava acordada, eu não precisava fechar os olhos para me sentir perseguida, oprimida, humilhada e reduzida, todos aqueles sentimentos de novo e de novo como se eu estivesse revivendo tudo o que passei mais algumas vezes durante meu dia, e eu me vi franzindo o cenho como se sentisse dor, como se eu sentisse tudo de novo, mais uma vez passando pela mesma vergonha, como se todo o sofrimento que me foi atribuído estivesse olhando para mim de novo. Eu me sentia suja, eu me sentia indigna, eu me sentia nada. Aquilo me fazia chorar e me gerava raiva também , aquilo não era justo e nem tão pouco certo, até quando eu viveria num mundo sem justiça? Em algo Ryan tinha razão, eu tinha que começar a mostrar que eu me importava um pouco comigo, que eu era pelo menos relevante para mim, de certa forma ele tinha razão, não podia permitir que quem com sorriso no rosto viu meu sofrimento continuar suas vidas se esquecendo de esquecendo de toda a  dor me causaram, ou melhor sem nem ao menos imaginar o que passei em suas mãos, nisso ele tinha razão e eu precisava admitir sua lógica, não existe justiça enquanto eu tivesse que sofrer sozinha. Aqueles que me prejudicaram precisavam entender a dor que acusa o que eles fizeram, desconstruir uma pessoa que lhe oferece seu melhor é monstruoso, e por mais que eu quisesse relutar este preceito já estava em mim antes de Ryan, eu sempre senti isso, mas não quis admitir, eu precisava ser o que o mundo queria que eu fosse e por isso escondi algo que sempre esteve em mim e que agora aflorava como um jardim de primavera, como rosas, talvez seu resultado não fosse tão belo quanto o esperado para as pessoas a a beleza estava na justiça sento imposta a todo o custo é isso estava faltando para que eu tivesse paz, justiça.
Após algumas horas o interfone tocou, já era noite quando minha mãe chegou, ela estava tão magra, parecia que não comia a dias, e quando vi essa cena eu me entristeci, aquilo me fez repensar, eu não poderia ferir e decepcionar minha mãe, ela precisava de mim e de uma integridade vista pelos outros. Quando nos vimos nos abraçamos por longos minutos, ele me beijava e chorava como se assim como eu acreditasse que a qualquer momento ela iria acordar de um sonho bom, e por isso quase não conversamos, era inacreditável a companhia uma da outra de tal maneira que as palavras faltavam e só conseguimos ficar ali naquele eterno abraço que falava muito mais do que qualquer discurso já feito sobre o verdadeiro amor.

A mulher perfeita Where stories live. Discover now