9- Objetivos concretizados

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-Tá- eu disse com a voz tremula. - Me dá logo essa droga de faca para eu acabar com isso. - eu estendi minha mão para ele cabisbaixa.

-Você sabe que é a melhor opção- ele parecia estar acreditando, percebi porque ele parecia mais desarmado.

-Eu sei muito bem, sei que estou escolhendo a coisa certa.- comecei a olhar para ele, mas mantive a tristeza no olhar, eu tinha que manter, não podia revelar a satisfação que seria enfiar uma faca nele por mais obscuro que fosse esse desejo, mas era o certo a se fazer, ele me entregou a lâmina. - Me diga uma coisa, e as câmeras? vão encontrar a gente.

-Querida não é minha primeira vez, fique tranquila.- a sua voz doce me impressionava e me apavorava, a serenidade com a qual ele dizia que já tinha matado outras pessoas era perturbadora. Eu acenei positivamente com a cabeça e respirei fundo, caminhei lentamente em direção á Julia e Ryan, percebi que eu estava começando a suar frio, embora a satisfação estivesse em mim a adrenalina também se instalou, ou daria tudo certo ou daria tudo errado, ali eu estava escolhendo, ou teríamos uma morte, ou teríamos duas. Meu coração acelerou, meu maxilar travou e meus dentes rangeram, eu empunhei a faca, a levantei na altura de minha cabeça, respirei fundo mais uma vez... Fechei meus olhos, precisava buscar coragem para o passo que eu estava tomando naquele momento, porque esse passo não teria volta, eu não poderia desfazer, apenas prosseguir. Soltei o ar de uma vez, abri meus olhos e em um movimento rápido e cheio de fúria fui em direção á Ryan com a faca quando...eu fui parada, meus olhos se esbugalharam e eu congelei, sua mão estava segurando meu pulso com força seu rosto passou rapidamente de uma expressão de susto para uma expressão severa e com um raiva de fundo em seu olhar, eu engoli em seco, agora teria que aguentar as consequências das escolhas que fiz, Julia esta no chão, ela nos olhava com a mesma aflição que eu sentia. Ryan forçou meu pulso para baixo e para o lado de fora, senti muita dor, gemi e não consegui manter a faca em minha mão. Os olhos dele me cortavam por dentro. -Acabou a brincadeira querida.

-Ryan o que vai fazer?- eu disse com um olhar desconfiado e segurando o pulso dolorido.

-Você quer assim? então vai ser assim Lizi, você vai enfrentar ela!- Ele se enchia de raiva e quase gritava.

-Eu já enfrentei Ryan, não sei se você percebeu mais tem sangue no rosto dela!- eu dizia cheia de determinação e inconformidade.

-Não, você recuou, está novamente permitindo que ela pise em você!- Ele se abaixou e pegou a faca, pegou o saco preto e o segurou com a outra mão, ele enfiou a faca dentro do saco e agarrou Julia pelos cabelos e a atirou em uma cadeira, segurou meu braço com força e me colocou na frente dela, neste momento sua testa tinha suor e seu penteado perfeito estava um pouco bagunçado, aquilo me deixou um pouco assustada. Ele mexeu no saco preto e colocou a faca na minha mão, logo depois ficou atrás de mim. - Vamos, faça!

-Ryan, eu já diss...

-Você não disse nada, você vai fazer- ele mexeu no saco preto e eu senti algo na minha cabeça, era gelado e cilíndrico, depois fez um barulho de metal, era o som de uma arma sendo engatilhada, fechei meus olhos e apertei as pálpebras. -Você escolheu Lizi, agora ande logo, vai ser melhor para você- eu mantive em silêncio e de olhos fechados. - Pense bem, hoje pode ser uma unica morte e a libertação de toda uma vida, ou então duas mortes e a condenação de duas famílias- aquelas palavras me assustaram e foi perceptível.-É querida é isso que você entendeu, as famílias de vocês também serão atingidas.- Ele parecia sentir prazer na frase, não pude evitar, algumas lágrimas rolaram de meus olhos, que Deus me perdoe, mas eu não tenho opção. Julia abaixou seu olhos, eu vi uma lágrima rolar também, acho que ali ela entendeu que eu não tinha escolha, que não era algo que eu podia controlar ou mudar, era necessário, queria poder dizer para ela que sentia muito, mesmo que ela me fizesse mal, eu não queria tirar a vida de ninguém, mas se eu dissesse isso aos olhos de Ryan eu seria fraca e estaria permitindo que ela passa-se por mim impune, talvez ele tivesse razão, mas mesmo assim eu não tinha o direito de tirar a vida dela. Eu fechei meus olhos e segurei a faca com as duas mãos, apertando minhas pálpebras forcei contra o peito de Julia, pude ouvir seu gemido de dor, e senti a lamina sendo enterrada em seu corpo rompendo e cortando seus músculos e eu sentia algo travado na garganta. Quando senti que a faca já tinha chegado ao seu limite eu a soltei e senti como se minhas forças tivessem ido naquele momento, deixei que meus braços se lançassem ao lado do meu corpo como se estivessem sem vida, e mantive meus olhos fechados e a cabeça abaixada, não sabia o que pensar, e talvez eu nunca saiba o que pensar ou dizer sobre aquele momento em que me senti morrendo, me senti enterrando a mim mesma e tudo de bom que havia dentro de mim, para mim eu era trevas e apenas isso, um grande monte de escuridão e vazio, era assim que eu me via e nada melhoraria o que eu sentia naquele momento, nada no mundo poderia compensar aquilo que foi perdido para sempre em minha vida, minha dignidade, e minha noção de certo e errado. Para mim o que eu tinha feito era imperdoável e impossível de ser justificado porque simplesmente não há qualquer razão, eu estive sim entre a cruz e a espada, mas se eu não fosse eu nada disso estaria acontecendo, e por algum motivo Ryan insiste em pensar que eu tenho aquilo que é necessário para ser sua companheira. E se ele tiver razão? e se dentro de mim houver uma criatura psicótica que enxerga qualquer obstaculo como algo que te faz imperfeito e que deve ser domado e destruído para que não haja qualquer tipo de brecha para a mediocridade? e se ele tiver enxergado em mim riscos de sua própria personalidade? ou pior, uma versão mais avançada de si mesmo? Eu não posso ser isso, eu não tenho exemplos disso, eu não vivi isso, eu não tenho como ser isso.

-Querida é hora de irmos- Ryan disse tocando meu braço, eu não conseguia nem se quer repudia-lo, estava em choque. -Querida você conseguiu, deveria estar feliz, conseguiu se livrar de um peso.- eu só consegui ganhar um novo peso, será que ele não vê? mas é claro que não vê, ele não sente este tipo de coisa, ele não tem aquele sentimento que nos trona humanos, o rancor, o arrependimento, essas coisas ele não tem, porque já esta desumanizado e talvez ele se agarre tanto em encontrar alguém porque é seu ultimo vestígio de ser humano, a ultima coisa que ainda diz que ele é uma pessoa com sentimentos, uma pessoa com sentido para viver e para conquistar. Que se dane essa lapidação, nada mais valia a pena.

Ryan me tomou pela mão e prendeu minhas mãos com uma fita isolante, me colocou dentro do carro e voltou para o prédio, talvez ele tenha ido "limpar a bagunça", provavelmente seria isso, como ele disse não era sua primeira vez, isso me fez pensar se tiveram outras antes de mim, e se sim o que aconteceu com elas? será que elas já estiveram amarradas neste mesmo banco de trás? será que lutaram por suas vidas? quantas lições tiveram que passar? em qual delas perderam suas vidas? será que alguma escapou? será que alguma perdeu sua sanidade? eu acho que esta era a unica pergunta que eu poderia responder, se alguém passou por isso e escapou com certeza perdeu sua sanidade, é de mais, o fardo é pesado e estar com ele é desesperador.

Cai no sono antes que ele voltasse para o carro, provavelmente ele passou muito tempo ocupado por lá para que nenhuma suspeita sobre o que aconteceu fosse levantada, mas eu ainda imaginava que com esse feito a policia começaria suas buscas e nos achariam de alguma forma e eu estaria livre das suas garras e mais do que pronta para ser presa pelo o que fiz a Julia, eu não merecia sair de lá em liberdade, não merecia respirar ar fresco quando outra pessoa por minha causa nunca mais tornaria a respirar novamente. Eu não merecia ver minha família quando por minha culpa alguém nunca mais os verá novamente.

Eu acordei com o pulso preso á uma parede por uma corda grossa na mesma sala de antes, eu estava longe de todos os móveis e sei bem porque ele tomou esse cuidado, ele vai me fazer reviver os momentos daquela noite até que eu aceite o que aconteceu por isso ele não quer que nada fique perto de mim, por que antes que eu aceite que matei alguém eu vou querer matar a mim mesma, e ele estava certo, esses pensamentos não saiam de minha mente, uma vida pela outra, um sofrimento pelo outro, seria muito mais justo e a balança se equilibraria e ao menos eu não pensaria tanto no som do gemido de dor de Julia, eu não pensaria tanto em como a lâmina a perfurou, eu só queria dizer: "eu sinto muito mesmo", mesmo que eu saiba que isso não irá concertar nada, que isso não mudará nada e que isso não me fará alguém melhor em nenhum momento, mas me parece mais humano e mais misericordioso um simples "eu sinto muito" para que ela soubesse que eu não tinha escolha. A quem eu quero enganar? eu tive escolha, sempre existe uma escolha, sempre existe uma saída, eu deveria ter matado a mim mesma assim ele perderia muito tempo sofrendo pelo o que perdeu e Julia poderia tentar fazer uma ligação para uma delegacia, provavelmente ela não escaparia, mas pelo menos nossas famílias estariam seguras e Ryan seria desmascarado e condenado por tudo o que fez, mas não, eu decidi o caminho mais simples e mais conveniente para mim mesma, um caminho muito mais agradável para mim, afinal eu e meu egoismo trabalhamos bem juntos e cá estou eu sã e salva colhendo os frutos de meu egoismo e de minha falta de amor para com as pessoas, como eu poderia me olhar no espelho? sinceramente eu não sabia responder pra mim. Eu olhava para a porta com a esperança de um castigo que pudesse me acalmar, assim eu poderia perceber que também sofri, mas claro que sofrer não era o suficiente, não, eu não fiz ela sofrer, eu tirei seus sonhos, suas alegria, sua família, os amigos, suas ascensões como profissional, eu fiz uma família sofrer e fiz com que Ryan vencesse novamente e pudesse novamente se orgulhar disso e me provar que eu preciso ser melhor. Eu batia a cabeça contra a parede na esperança dos sons e imagens saírem de minha mente, mas estavam impregnados como uma doença transmissível, céus eu só queria esquecer por cinco minutos, mas não, eu sou lembrada de meu erro durante todo o tempo, durante cada segundo tudo se repete em minha mente, desde o momento que me deixei levar pela raiva e todos os sentimentos ruins proporcionados por ele e por mim mesma se libertasse e me domassem de tal forma que não soube o que eu estava fazendo até que o choque visual me chamasse atenção e me lembrasse o que eu estava fazendo naquele momento. Eu deixei que meu corpo deslizasse pelo chão e fiquei pensando sobre o que ele faz a mim e o que eu mesma fiz a mim.

A mulher perfeita Where stories live. Discover now