1 - Motivações

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Por um segundo pensei que não conseguiria. Mas enfim, estou finalmente do lado de fora dos portões que um dia foram a minha prisão. Pular aquele muro não se tratava de uma tarefa complicada, o problema estava no vestido que eu usava, além de ser pesado por natureza a chuva estava muito forte de modo que encharcara o tecido rapidamente, tornando minha fuga um tanto dificultosa. Sem mencionar a minha bagagem que jamais poderia deixar para trás assim como estava fazendo com a vida que eu tivera naquele lugar. O orfanato Luz dos Céus me abrigou por dezoito anos, entretanto nunca por amor.

Havia dois motivos que fizera praticamente todos ao meu redor me odiar. O primeiro era o fato de eu ser a filha bastarda de Edward Masen. Me sentia uma criança defeituosa, afinal qual problema um filho teria para que seu pai não o quisesse por perto? E como se isso não bastasse tinha que lidar com o desprezo de muitos que não se importavam comigo.

Meu pai era praticamente um burguês, tinha uma linda esposa e um filho legítimo, que era seu real motivo de orgulho, um bom emprego e uma casa excelente. Não havia mais nada que ele pudesse querer, certo?

Errado!

Ele mantinha uma paixão proibida por sua empregada e de início sua intenção era manter esse sentimento bem escondido. Acho que ainda restava um pouco de humanidade dentro dele. Porém, houve um dia em que ele se deitou com a empregada. E para sua desgraça a empregada ficara grávida. Seria um escândalo se soubessem que ele teria uma filha com uma criada negra. Quando aquela que devia ser minha mãe morreu ao me dar a luz, ele me trouxe para esse lugar e fazia visitas periódicas para que sua mente não o acusasse de que não fora um bom pai.

Edward realmente pensava que o fato de pagar para me manter em Winsconsin e me visitar uma vez por ano amenizaria toda a minha dor. Todas as vezes que ele estava comigo eu podia ver sua mente com pensamentos desconfortáveis, não queria estar ali. Ele mentia em relação a sua esposa e ao seu filho dizendo que eu era sua única filha. Contudo as imagens de um rapaz e uma mulher muito bonita invadiam sua mente quando tocávamos no assunto. E assim muitos anos se seguiram; ele fingindo ser meu pai e eu fingindo ser uma boa mocinha.

De certa forma eu gostava quando ele pensava em sua esposa. Elizabeth. Ela era uma boa mãe e segundo os pensamentos de meu 'querido' pai, ela tinha se oferecido para cuidar de mim, só que ele não poderia permitir essa infame em sua casa. Ela não merecia tal humilhação. E nesse ponto eu poderia concordar com ele, como seria para ela me olhar todos os dias? Ouvir os vizinhos comentando sobre sua família e questionando minha existência. E pior: como seria para ela saber que eu era a prova da infidelidade de seu marido? Pelo menos nela ele pensou ao me jogar nesse lugar terrível.

Essa era a constatação mais triste de minha vida: ele amava sua esposa e seu filho. Mas não me amava. Sua vida não tinha espaço para mim.

Enfim, fui odiada por toda a minha vida. Primeiro por aquele que devia ser meu pai e depois pelas freiras. E agora posso citar o segundo motivo pelo qual me rejeitaram.

Minha beleza.

Desde muito nova minha beleza chamava a atenção de todos os homens. Minha pele bronzeada e meus olhos verdes sempre foram capazes de hipnotizá-los. E isso servia apenas para que as 'santas' freiras se voltassem contra mim. Seus pensamentos estavam repletos de ofensas e aparentemente a favorita entre elas se tratava de "a filha da perdição". Quando completei dezesseis anos, a madre superior me proibiu de usar qualquer roupa que mostrasse algum pedaço de pele. Somente vestidos longos e com mangas cumpridas. Para ela meu apelido especial era "a filha do pecado" e quando eu passava por ela seus pensamentos quase gritavam: "Meretriz".

Parei de me importar com as opiniões delas e usei sim minha aparência para enfurecê-las. Eu não tinha culpa se tinha nascido perfeita enquanto elas seriam velhas rabugentas para sempre. Minha intenção não era fugir como estava fazendo agora, mas como tudo em minha vida dava errado, o azar resolveu me abraçar outra vez.

Recém-Criada - Livro I (COMPLETO)Where stories live. Discover now