Capítulo Vinte e Dois

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Flashback On

Acordei mais cedo que qualquer um na casa. A abstinência estava me deixando ansiosa e me tirando o sono. Chega!

Tomei um banho, vesti uma camiseta e uma saia que ficava acima do joelho e desci as escadas. Direto pro único lugar na casa que eu não havia me permitido aproveitar: a biblioteca.

Depois que descobri quem havia realmente colocado aquela estante cheia livros no quarto de hóspedes, me recusei a ler sequer uma linha. Um desperdício, admito. Mas eu não seria comprada por aquela mulher.

A primeira coisa que notei ao entrar na biblioteca é que era o maior cômodo da casa. Meus olhos passearam, famintos, pelas inúmeras estantes repletas de livros. Minhas mãos coçavam desejosas de tocar naqueles tesouros. Poxa! Eu podia me imaginar sentada no pequeno sofá enquanto lia, de vez em quando desviando o olhar da leitura para observar o pomar além da janela.

- Por que acordou tão cedo?

Estremeci com o susto. Rute estava escondida em algum canto e vinha em minha direção com um livro na mão.

- Bom dia, dona Rute! Eu já estou de saída.

Virei-me rapidamente para cair fora dali, mas suas próximas palavras me fizeram parar:

- Por favor, Camila. Deixe que eu me explique!

- O que quer explicar? - cruzei os braços e esperei sua resposta.

- Eu quero pedir-lhe desculpas pela forma terrível com que a tratei quando nos conhecemos. Como ofendi a sua mãe. - ela balançou a cabeça fingindo desgosto.

- É mesmo? O que a fez mudar de ideia tão rápido? - perguntei com sarcasmo. Afinal, meses se passaram desde aquele dia.

- Talvez você não acredite, mas eu agi por impulso, Camila. A sua volta a vida do Henrique foi uma grande surpresa, pois todos nós acreditávamos que este era um assunto encerrado. E toda a raiva que senti pelo casamento sem amor que minha irmã viveu veio à tona. Você tem muito da Leocádia.

- Como é que é? - arqueei a sobrancelha, sem entender como eu ou a minha avó tínhamos algo haver com essa história. Ela pareceu hesitar, mas começou seu relato.

- Provavelmente você não sabe, mas o Otávio e a sua avó namoraram. - Meu rosto denunciou o choque ao ouvir essas palavras. - Eles teriam se casado se não fosse por um... infortúnio que caiu sobre a Leocádia. Ele foi um covarde e a abandonou. Pouco tempo depois casou-se com a minha irmã. A tola sempre foi apaixonada por ele e acreditou que ele aprenderia a amá-la. É uma pena que a pobrezinha não teve a sorte que eu tive no amor. - Seu olhar vagava em um passado que eu não conhecia. Esperei que continuasse, mas ela permaneceu em silêncio. Então, perguntei:

- Ela sofreu violência doméstica? - foi difícil fazer essa pergunta, eu odiava falar sobre esse tipo de coisa.

- No começo ela aceitava as migalhas que ele oferecia, mas Letícia cada vez mais exigia comprometimento dele e o Otávio acabou levantando a mão pra ela.

Engoli em seco. Em pensar que eu imaginei que aquele homem era bondoso e diferente do filho. Eu, mais do que ninguém, deveria saber que eles nunca são o que parecem ser.

- Então, o Leonardo cresceu vendo o pai tratar a mãe dessa forma. - murmurei. Não que isso justificasse. Mas aposto que deu uma ajudinha ao temperamento explosivo do meu padrasto.

- Sim. - Ela afirmou com um olhar de pena em seu rosto, o que me deixou mais irritada.

Um pensamento mórbido cruzou minha mente e as palavras escaparam de meus lábios.

- Por isso você pediu desculpas? - estreitei meus olhos. - Está se sentindo vinganda por minha mãe ter sofrido o que sua irmã sofreu?

Ela arregalou os olhos, parecendo ultrajada com minhas palavras.

- Como pode pensar algo assim? Meu Deus, Camila! Devo ter lhe dado uma péssima impressão se acha isso de mim.

Dei de ombros, sem dar muita importância a suas reclamações.

- E a minha avó? Que infortúnio foi esse que caiu sobre ela?

Instantaneamente, dona Rute ficou tensa e hesitou antes de responder.

- Essa história não nos diz respeito, Camila.

Ui! Essa doeu.

- Como não? Ela é a minha avó. Se começou, termine, oras. - exaltei-me.

- Sim, ela é sua avó. Mas você precisa aprender, minha querida, que algumas coisas devem ser deixadas onde estão: no passado. Pois o maior erro do ser humano é questionar algo que não pode ser mudado.

- Talvez a senhora tenha razão. Eu, sinceramente, estou cansada de descobrir tantas mentiras sobre minha família. - ela pareceu aliviada com minha resposta.

- Que bom! - sorriu. Ela mexeu as mãos nervosamente e então lembrei-me porque ela tinha começado essa conversa. E, apesar de não ser de minha natureza perdoar ofensas tão facilmente, resolvi lhe dar uma chance. Eu só precisava fazer uma última pergunta.

- Por que demorou tanto tempo pra esclarecer esse assunto?

- Eu percebi como você era geniosa, Camila. Então lhe dei espaço. Pedi que o Henrique convidasse você para vir ao meu apartamento em São Paulo, mas você se negava. Eu não quis forçar uma aproximação.

Isso eu sabia que era verdade! Lembro de todas as vezes em que o Henrique dizia que "a minha avó queria muito me ver".

- Eu tenho uma proposta! Vamos apagar as ofensas que dissemos uma à outra e recomeçar. Que tal? - cedi e estendi minha mão para ela, que retribuiu o meu gesto com um sorriso no rosto.

Um Pai em Minha VidaWhere stories live. Discover now