Capítulo Dezessete

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- Quantos anos você tinha? - ele sussurrou a pergunta.

Olhei em seus olhos e vi o turbilhão de emoções que o envolvia. Lembrei-me de minha meia-irmã, tão doce e inocente. Eu me sentia aliviada ao pensar na adolescente amorosa e alegre que ela seria.

- Sete.

Ele balançou a cabeça, horrorizado.

- Meu Deus! Você tinha a mesma idade da Mel.

- Não foi a primeira vez que presenciei algo assim, Henrique. Minhas primeiras lembranças são do Leonardo cometendo algum tipo de violência contra a minha mãe, mesmo eu não entendendo o que se passava naquela época. - Contei, sem me importar em como aquelas palavras o atingiriam.

Seus olhos encontraram-se com os meus, cheios de raiva, o que me assustou por um momento.

- Ele já bateu em você?

- Minha mãe nunca permitiu que ele tocasse em mim.

Sempre que o Leonardo se irritava comigo, minha mãe interferia. E acabava sofrendo as consequências. Eu sempre era devorada pela culpa e pelo medo quando isso acontecia. Culpa por pensar que se não fosse por mim, ela não estaria sofrendo. Medo de que ele não fosse parar e minha mãe não saísse viva.

Henrique levantou-se da cadeira e deu algumas voltas pelo quarto, suas mãos bagunçando os cabelos negros. Eu apenas fiquei ali, quietinha, esperando que ele digerisse tudo aquilo.

- Sua avó sabia disso? - Henrique perguntou, seus olhos fixos em mim.

Respirei fundo, eu me sentia completamente exausta.

- O Leonardo sempre me dizia que eu devia ficar quietinha, que eu nunca deveria falar pra ninguém dos nossos "problemas familiares". Mas, dois dias depois daquela festinha na escola, nós fomos pra casa da minha avó. Minha mãe não queria ir, mas ele insistiu. Foi a primeira vez que minha vó a viu machucada. Na hora, mainha inventou que tinha escorregado no banheiro e o assunto foi logo esquecido. Mas eu não. Pensei que a dona Leocádia seria nossa tábua de salvação. Procurei por ela e contei o verdadeiro motivo do machucado da minha mãe, falei tudo que eu não deveria.

- E o que ela disse? - perguntou quando eu permaneci em silêncio.

Minha mente foi sugada pelas lembranças daquele dia.

- Você precisa nos ajudar, vó. - tentei me manter forte, mas eu não consegui parar de chorar.

Vovó se levantou, deu a volta na mesa e agachou-se ao meu lado.

- Ele já machucou você, minha querida? - ela perguntou, tão carinhosa.

- Não.

Seu rosto mudou depois de minhas palavras, ela ficou tão séria.

- Então, eu não preciso fazer nada.

Arregalei os olhos, apavorada. Eu tinha certeza que vovó faria alguma coisa.

- Vovó, eu não entendo. O Léo é um homem mau. A senhora não vai ajudar mainha? Ela é a sua filha. Não é isso que as mães fazem? Proteger seus filhos?

- Camila, você ainda é muito pequena. Um dia vai entender que os adultos fazem escolhas e precisam lidar com as consequências. Foi isso que sua mãe fez.

Não entendi suas palavras. Pra mim, era tudo muito simples: ela só precisa mandar o Léo embora e mamãe e eu poderíamos morar aqui. Essa casa é enorme. E vovó tinha muito dinheiro. Ela podia fazer tudo que quisesse.

Vovó ficou em pé e foi em direção ao seu lado da mesa, mas parou e virou-se para mim. Ela tinha um sorriso enorme no rosto, me perguntei se tinha mudado de ideia.

- Eu tenho uma proposta, Cami.

Ela voltou para perto de mim e fez um carinho em meu rosto.

- O que você acha de vir morar com a vovó?

Ah meu Deus! Pulei da cadeira e a abracei, eu sabia que ela nos ajudaria.

- Ai, vovó, eu vou contar a mamãe agora mesmo. Nós nem precisamos voltar mais pra casa.

- Espere, Camila. - vovó me parou, quando eu já ia saindo correndo.

- Eu não disse que sua mãe viria também, eu quero que você, só você, venha morar aqui.

- Mas... mas e a mãe? - perguntei, confusa e triste por suas palavras.

- A sua mãe está casada com o Leonardo. O lugar dela é ao lado dele.

- Eu não posso deixar ela sozinha.

- Você não quer sair daquela casa, minha querida? Lá não é um bom lugar pra você.

Ah! Eu queria muito. Pensei em aceitar, mas, lembrei de minha mãe. Como eu poderia deixá-la?

- Eu não posso, vovó. - respondi, com vontade de chorar novamente.

- Então, não há nada que eu possa fazer. - ela soltou um suspiro.

- Camila? - Henrique me chamou. Pisquei e me forcei a empurrar aquelas lembranças.

- Ela disse que não podia nos ajudar, que adultos fazem escolhas e precisam lidar com as consequências. Foi isso. - respondi rapidamente, ansiosa pra encerrar aquele assunto.

- Ela esqueceu que a Lili se casou com o Leonardo porque ela mesma a ameaçou. - ele balançou a cabeça, chocado e irritado com tudo aquilo.

Suspirei.

- Eu já te contei tudo. Podemos encerrar essa conversa?

- Você passou os primeiros quinze anos de sua vida vendo sua mãe sofrendo violência doméstica, acho que tem muito mais pra me contar. - ele insistiu.

- Não aconteceu mais nada, Henrique. Eu nunca mais contei nada pra ninguém. As minhas amigas acabaram percebendo, mas não foi como se eu mesma tivesse contado. Você, por acaso, quer detalhes de todas as brigas que eu vi lá em casa? - perguntei, já irritada.

- Se isso for fazê-la confiar um pouco em mim, eu quero.

Isso conseguiu me calar. Ele estava se esforçando pra melhorar essa relação, diferente de mim que parecia sempre pronta pra enfrentar uma guerra.

- Olha, desculpa, eu não devia estar exigindo isso de você. Eu sei que só preciso de tempo pra que a gente se entenda. - ele se desculpou.

- O que acha de nós sairmos? Só nós dois. Podemos ver um filme, que tal? - ele perguntou, esperançoso.

Pensei em negar, então me lembrei que eu precisava ceder um pouquinho também.

- Tudo bem. Mas nada de drama. - avisei. De drama, já basta a minha vida.



Meus agradecimentos a fofa Deborawiisaque que fez uma linda resenha sobre Um Pai em Minha Vida (lá no grupo Wattpad Brasil) e a Caroline Factum que indicou o meu livro em seu diário Wattpad. Muito obrigada, meninas!

Enfim, beijos e até a próxima!

Um Pai em Minha VidaWhere stories live. Discover now