Cap. 12 - Ela, menina (revisado)

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Nascida sob o signo de gêmeos. Pessoa difícil. Menina birrenta e cheia de curiosidade, logo se fez moça e teve seu primeiro namorado. Ela tinha somente quatorze anos e já ansiava por uma vida completamente nova.

Casar e ter filhos, essa era a grande e gloriosa meta. Seu pretendente surgiu logo depois do aniversário e ali permaneceu. Aparecia aos finais de semana, ajudava seu pai com os trabalhos da fazenda e sempre olhando para ela.

Ele era o Jorge, conhecido por todos. Possuía um caminhão imponente, uma barba espessa, usava chapéu e tinha um cheiro típico de caipira. Mas, Samara adorava. Era homem trabalhador e cheirava a isso.

Jorge era bem mais velho, tinha quarenta anos na ocasião. Mas, isso era uma garantia de que não era só um rapazote procurando diversão, como diziam na época. Argumento que fora sustentado por toda sua família.

É estranho pensar que Samara tenha passado por isso em plena década de noventa. Mas fora exatamente esse contexto interiorano, cheio de heranças culturais das décadas de sessenta e setenta, que ela vivera. Pois no interior de Minas Gerais o tempo passa mais lentamente e os costumes são enraizados.

De menina brincalhona a mulher casada, aos quinze anos e com seu primeiro namorado. Esse fora o evento de sua vida, naquele fatídico ano de 1993.

Em termos materiais, sua vida se tornou, então, abastada e nada, absolutamente nada, lhe faltava. Jorge era um fazendeiro, não dos mais ricos. Mas, como era muito trabalhador, conseguia prosperar com o gado e as plantações.

Tudo para Samara era novidade, cada detalhe da casa e dos campos. Inclusive da vida de casada, na qual somente o sexo fora trágico, até então.

Sua primeira noite de amor fora na verdade desastrosa. Não houvera nenhum prazer, e Jorge parecera não se importar com aquilo. Aliás, ela percebera inclusive que para ele havia naquela tortura algum motivo de honra. E assim, logo na primeira noite, Jorge pareceu apaixonado. Talvez por ela, ou pelo fato de ter possuído uma virgem.

As noites tenebrosas de sexo continuaram e ela aos poucos fora se acostumando. Pois, ao buscar conselhos com sua mãe e outras mulheres casadas, soubera que era assim mesmo. Essa era a vida das mulheres, descobrira. Algumas até a encorajaram fingir orgasmos, pois os homens ficavam mais felizes com isso e, portanto lhes tratariam de maneira melhor.

Samara achou tudo muito absurdo, mas não quis ser a única a agir de maneira diferente. No seu íntimo ela sabia que a vida não poderia ser assim, tão rude e amarga. Temeu apanhar do marido, como algumas colegas lhe contaram. Assim tratou de permanecer na linha, sempre acreditando em dias melhores.

(...)

O tempo passou e os filhos não vieram. Jorge aos poucos passou a lhe dar sossego à noite, já que a idade fazia a passos largos cair-lhe os ombros e curvar-lhe as costas. Sendo assim, em pouco tempo, Samara estava a cuidar de um idoso. Idade ele nem tinha muita, mas o trabalho pesado lentamente cobrava o seu preço. Ele não havia tomado precauções.

Num dia de domingo em que muitos trabalhadores da fazenda estavam pelo quintal, aproveitando uma festa que Jorge lhes oferecera para comemorar uma grande venda de gado, Samara o ouviu comentar com o encarregado da fazenda algo terrível sobre ela.

Já de forma típica entre homens idosos, que adoram contar vantagens para outros mais novos, Jorge disse ao camarada que não sabia o que tinha de errado com Samara, pois ela não lhe gerara filhos e que agora ele iria acabar levando o filho de alguma prostituta para casa, tornando-o herdeiro de suas terras.

Aquilo fora a gota d'água, ela desabara!

Samara se aborreceu e convenceu a si mesma de que a afronta não passaria em branco. De alguma forma, seu vigor de menina rejuvenescera com essa motivação. Talvez fosse porque Jorge agora já não era mais o homem forte que a levara de casa e sim uma existência com pouco sentido, incapaz de lhe provocar alguma injúria física.

Ela passou alguns meses em profunda tristeza, sabendo que seu útero era inútil. Sentiu-se amorfa, morta e incapaz de conceber uma vida em si, o dilema do famoso dom de todas as mulheres. Sentiu-se miserável e desamparada. Nem ao menos Jorge soube o porquê, já que Samara não revelou a ninguém o fato de ter ouvido a maldita conversa.

(...)

Parecia que os defeitos de Jorge com o tempo se acentuavam e acumulavam, o que lhe fazia muito infeliz. E daquele dia em diante, quando soubera de sua infertilidade, passara a aprontar todo tipo de velhacaria com ele. Uma vingança nada inocente, de uma menina que tivera sua juventude roubada.

Era assim que ela se sentia!

Escondia-lhe as botas e o casaco de frio, soltava as vacas do curral antes do horário, espantava os cavalos para longe, colocava sal demais na comida, outro dia dizia ter se esquecido do sal. Jogara, certa vez, suas roupas íntimas no lixo, de modo que ele tivera que trabalhar uma semana sem elas, já que a costureira morava longe e nem sempre ele tinha tempo de ir até lá.

Ela se vingava assim, silenciosamente. Jorge nada desconfiara, pensara apenas que Samara tornara-se desleixada.

(...)

Vivendo assim, Jorge quase sem gosto pela vida resolvera depois de um tempo ir para um asilo, separando-se dela de vez. Tamanha era a sua angústia que decidiu abrir mão da fazenda. Já idoso não tinha mais paciência e altivez para lidar com os empregados. Numa espécie de desgosto masculino quis abandonar tudo. É claro, não sem antes declarar que, se fosse ainda jovem, daria nela uma boa surra, para que ela aprendesse a ser uma boa esposa novamente.

E assim foi ele para o asilo e ela seguir com sua vida. Pela primeira vez, realmente sua!

Com a parte do dinheiro, resultado da venda da pequena fazenda, que lhe coubera, ela comprou uma casa em uma cidade no interior do estado do Rio de Janeiro e para lá se mudou imediatamente, deixando para trás tudo o que mais profundamente repudiava.

Fez questão de elencar, enquanto abandonava a região em que nascera, o que exatamente deixava para trás. Ali, no banco do ônibus se lembrou dos móveis, dos animais da fazenda, de Jorge – agora no asilo. Recordou-se também com ódio do seu útero infértil, que infelizmente não poderia deixar para trás.

(...)

Se hoje ela é uma professora primária, quatro anos atrás ela era uma Amélia das mais clássicas. Essa foi sua reviravolta pessoal!

"Samara aos trinta e oito anos se reinventara!"

Foi exatamente esse clichê que lhe passou pela cabeça antes de sair do banheiro e mostrar ao seu namorado, oito anos mais novo, que o teste de gravidez dera positivo.

Disse sozinha, primeiro:

- Ela, menina.

[sorriu e saiu do banheiro]

(fim)

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