Cap. 1 - A moça da rodovia (revisado)

752 109 53
                                    


Ela surge.

Com sua pele embebida em creme, quente, cor de chocolate, desce a rua em direção à rodovia, os faróis altos e as buzinas se combinam em um ritmo empolgante que envolve todo o seu ser. A sua alma flamejante, de ascendência nordestina, clama num solitário ronronar, madrugada adentro, por uma chance do destino. Aquela amiga barraqueira e glamourosa a aguarda no fim da ladeira, as unhas vermelhas e mal pintadas, com esmalte barato de empregada doméstica.

O perfume agressivo dos ciganos noturnos, com suas barrigas avantajadas, invade seu nariz e a dama da noite, revestida pela aura perfumada, desliza ladeira abaixo em frente aos bares, enquanto os ciganos pobres que não podem pagar pela sua beleza e jovialidade espreitam-na com toda a ansiedade que suas calças demonstram.

E ela, agora princesa da noite, sente-se desejada e feliz. E tudo parece ser um presságio da grande noite de sua vida, aquela em que não um sapo, mas um distinto cavalheiro, um daqueles valetes estratégicos que suas amigas mais refinadas de infância conseguiram encantar.

Num belo dia, esse cavalheiro distinto chegará até seu escondido e tempestuoso lugarejo sanguíneo pulsante e num suave gesto a tomará para si numa noite e em todas as próximas, até que na calada do destino, após a construção de uma bela família, a vida retire o elo, separando-os entre o reino dos vivos e o dos mortos.

Um caminhão bem iluminado e imponente estaciona à margem sem pressa, e uma mão a convite acena...

Alguns quilômetros e horas depois, sob um teto de amianto, gotas de suor sobre o rosto, a princesa jaz em seu leito encardido, entre lençóis mal lavados e ao lado do seu príncipe, agora suinamente adormecido.

Ela recolhe suas peças humildes e pensa consigo mesma que dessa vez não deu sorte, que o valete se transformara em abóbora como naquele conto que ela ouviu de sua avó analfabeta. Desanimada, conta as moedas que foram fruto do próprio trabalho e deixa o aposento para se encantar novamente com a música da rodovia e se iludir na busca mais sublime de sua vida.

Por um minuto se imagina como uma borboleta.

Retoca a maquiagem, mira o horizonte e retoma as rédeas da sua maioridade.

Sorriso no rosto e pé na estrada.

(fim)

>> Olá, gostou da história? Que tal, um voto ou um comentário?

Conto publicado no jornal "O Ponte Velha" em Resende/Itatiaia-RJ em agosto 2016.

Mini-histórias Sobre MulheresWhere stories live. Discover now