Cap. 9 - Verônica (Parte II) (revisado)

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Apesar de tudo, Verônica insistia.

Sua vida lhe parecia cada vez menos interessante. Ela já começava a não ter vontade de sair da cama. Seu homem era maravilhoso, tudo que ela sempre quisera: viril, protetor, apaixonado e mantenedor. Mas, algo estava errado e ela falhava ao tentar encontrá-lo.

João continuava apaixonado e queria sexo todos os dias. Todavia, ela já se sentia esgotada e a última vez que sentiu algum desejo sexual não lhe vinha mais à memória. Em verdade ela demonstrava vergonha em relação ao seu corpo e desprezo por sua personalidade ou convicções, que diminuíam a cada semana.

E foi ali na cama, em meio aos edredons, às 15h35 que percebera: era ele ou ela! João estava a lhe fazer mal, concluiu. Mas, como isso acontecia? Afinal, ele era um homem maravilhoso, gostava tanto dela... Verônica confusa chegou a chorar, pensou em suicídio. O problema estava nela, sem dúvidas! Concluiu e chorou desesperadamente. O desamparo lhe rasgava a alma e ela se sentia a mais desventurada das criaturas.

Em busca de solução Verônica comprou créditos, com o dinheiro do pão, para seu telefone móvel e acessou a internet. Navegou inexperientemente por diversas páginas, não sabia o que de fato procurava. Mas, a sorte ou talvez o destino lhe favoreciam naquele dia. Em letras garrafais ela leu uma manchete singular:

VOCÊ ESTÁ EM UM RELACIONAMENTO ABUSIVO?

Sua curiosidade fora despertada. Ela fez um chá para disfarçar a fome, já que usara o dinheiro do pão, e só poderia comer quando João chegasse do trabalho. Com a caneca de chá ao seu lado, ali mesmo na cama, para onde voltara após comprar os créditos na padaria da esquina, começou a ler, e cuidadosamente fez anotações aqui e ali em um papel que tinha à mão.

Incrivelmente a história da narradora era muito parecida com a sua. O mistério acabara: Verônica vivia um relacionamento abusivo!

João, o marido maravilhoso, era um controlador. Uma espécie de sociopata sexista, que aos poucos minava a alegria de viver de sua esposa, talvez por medo, insegurança ou alguma forma introjetada de violência. Machismo, talvez fosse esse o problema com ele e provavelmente com ela, já que o aceitara e a princípio admirara com todo seu autoritarismo, ela mesma percebera.

Naquele dia João chegou em casa e Verônica de cabeça erguida lhe propôs que fizessem terapia de casal, num consultório de psicologia que ela sabia existir no bairro. Ela esperava que ele entendesse suas colocações, mostrou-lhe o texto, falou-lhe de suas angústias e esperou ansiosamente por compreensão.

Ele em poucas palavras resumiu sua posição. Esclareceu que não tinha tempo a perder com discussão de relacionamento, ainda mais quando essa envolveria uma terceira pessoa. Disse em palavras rudes que se ela quisesse melhorar em alguma coisa, que ela fosse então atrás dessa ajuda. Pois, para ele estava tudo bem.

Acrescentou rispidamente que desde que essa ajuda não lhe custasse o salário do mês, ela poderia procurá-la. Colocando, por fim, que uma esposa depressiva não era mesmo o que um homem maduro necessitava.

[os olhos dela se encheram de lágrima, ele fingiu não notar]

Ao dizer essas coisas, João tomou um banho rápido, ligou a televisão do quarto, deitou-se na cama, cruzou as pernas e se pôs a relaxar.

Verônica permaneceu ali sentada. Sem forças para se erguer e chocada com tudo que ouvira, se lembrou de uma amiga da época do colégio, que dizia:

- Amiga, mulher não precisa de homem para viver. Eles é que precisam da gente. Já observou a diferença entre um homem solteiro e uma mulher solteira?

E assim, se recusou a ir ao mesmo quarto que João e adormeceu no sofá. Pela manhã, ao sair pela porta, jurou nunca mais se deixar dominar daquela forma, por carência ou qualquer outro motivo.

Deixando a rua com as poucas sacolas em mãos, cheias das mínimas coisas que podia chamar de suas, definiu para si mesma: um emprego, uma rotina de exercícios físicos, um novo corte e tintura de cabelo e um curso universitário.

Olhou para o céu, o sol nascia, e assim era também a sua vida. Sentiu-se recomeçando-a e seguiu pela rua silenciosa, sem olhar para trás.

(fim)

>> Olá, tudo bem? Ela fez o que vc havia imaginado? Gostou do desfecho? Comente aí ou me dê um voto de repente... 1 abraço! :)

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