IV

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Bela, o Sr. Carter e o mordomo chegaram ao castelo da fera no meio da madrugada do dia seguinte à viagem. Nem o pai nem a filha levaram roupas de casa, pois o mordomo alegou que eles teriam tudo o que precisasse no castelo, independente de quem ficasse. O Sr. Carter não estava gostando da ideia de Bela ficar em seu lugar e iria lutar com unhas e dentes contra garras e presas se fosse preciso para manter a filha protegida da fera.

O monstro não foi recebê-los. Estava repousando em seus aposentos. Mandou recado pelo mordomo de que a filha ficaria e o pai partiria. Considerava uma troca justa. Uma rosa por outra rosa. Na verdade, a fera sabia que aquela era a sua última chance. O Sr. Carter não aceitou tal trato. Criticou o mordomo. Queria afrontar a fera. Foi expulso do castelo por um grupo de guardas debaixo de socos e pontapés. Bela chorou e se preparou para o pior. Despediu-se do pai apenas com um aceno de mão e muita dor no coração. Após algumas horas, sozinha em uma grande sala de estar, aceitou seu destino.

O mordomo foi até Bela após o dia ter amanhecido. Encaminhou-a para o seu quarto, um luxuoso aposento digno de uma princesa. Bela estava encantada e perguntou ao mordomo que tipo de prisioneira tinha direito a uma alcova tão maravilhosa. O homem pigarreou e, com tristeza nos olhos, pediu-lhe perdão por não ter desencorajado-a o máximo possível. Bela não entendeu o que ele quis dizer com aquilo. No fundo preferia ficar sem entender e apenas ir de encontro ao que a esperava. O mordomo então lhe entregou um vestido e um par de sapatos e disse que o seu senhor a esperava para tomar o café da manhã. Saiu do quarto apressado.

Bela respirou fundo e olhou para o vestido em suas mãos, mas, por um minuto inteiro, ficou horrorizada. Bela percebeu que o traje, apesar de ter um tecido majestoso vermelho, era vulgar. Longo, com fendas nas pernas e um decote imenso no busto. Ela jamais tinha usado uma roupa tão indiscreta, acostumada com seus vestidos de algodão longos e cheios de capas, mangas compridas e sem decote. Não poderia usar aquela roupa. O que aquilo significava? Bela preferiu fingir que não sabia o seu significado.

Tomada pelo medo, a jovem moça respirou fundo mais uma vez e novamente aceitou seu destino. Aliás, estava tentando fazer as pazes com ele. Ela preferiu ser punida em vez do pai. Era um destino justo, apesar de trágico. E se era com aqueles trajes que o seu senhor queria que ela se vestisse, ela se vestiria e seria grata por viver.

Bela colocou o vestido, que lhe coube como uma luva, e ficou admirada com a mulher que viu no grande espelho. Seus cabelos estavam soltos e ela se achou muito atraente. Era como se fosse outra mulher. Seu busto avantajado estava quase pulando para fora do decote e ela viu que tinha curvas perfeitas. Nunca tinha reparado em seu próprio corpo até vestir aquela roupa. Ela se sentiu uma mulher novamente, não a desonrada sem valor que todos viam quando olhavam para ela.

A jovem moça desceu as escadas, com os cabelos soltos, trajando o vestido e os sapatos que também lhe couberam perfeitamente. Era como se fossem feitos sob medida. A verdade é que ela ansiava para conhecer o seu senhor. O pai havia dito que ele era um monstro, um ser animalesco, que andava sob duas patas, tinha cauda e focinho, presas e garras, era o Diabo em pessoa. Bela estava curiosa para ver a criatura e foi ao encontro de tal fera tomada por essa curiosidade um tanto incrédula.

Bela entrou na sala de refeições guiada por um homem um pouco mais jovem em comparação aos outros senhores que ela viu pela casa. Este homem não a olhava de forma alguma. Bela então percebeu que ninguém, além do mordomo, havia lhe dirigido a palavra ou olhado para ela intencionalmente. Achou aquilo interessante. Afastando-se dos seus pensamentos, se deparou com uma extensa mesa cheia de comes e bebes para o café da manhã. Bela sempre teve uma vida farta, mas fartura daquele jeito só via nos bailes. Essa fera era muito rica pelo visto.

A curiosidade de Bela foi atiçada mais uma vez e ela se viu louca para conhecer a fera. Que mistérios o ser escondia? Tinha nascido assim ou assim se tornara? Qual a sua história? Bela sempre gostou de ler e tinha uma mente muito fértil. Imaginava seres que só existiam na imaginação. Agora ela iria conhecer um desses seres pessoalmente. Seria ela a personagem de um livro? Qual seria o gênero desse livro? Uma aventura? Um drama? Um romance? Romance com uma fera?! Não. Melhor não. Que horror.

Bela aguardou o seu senhor para o café da manhã, mas, após esperar muito, o mordomo apareceu e disse que ela podia tomar café e depois estava livre para fazer o que quisesse no castelo, desde que não fosse até o último andar. Podia usufruir da casa e do jardim. Bela achou estranha a restrição que lhe foi dada e perguntou o que tinha no último andar do castelo. O mordomo disse que ali havia os aposentos do seu senhor e que ele não gostava de ser importunado ou ter pessoas andando pelo seu corredor. Bela com certeza já sabia onde iria explorar, só por pirraça, mas não naquele dia. Iria esperar a hora certa, caso não fosse perigosa esta aventura que tramava.

Os dias se passaram no castelo. Bela estava ali há uma semana e nunca tinha encontrado a tal fera de que tanto ouvia falar. Ela fez amizade com as pessoas que trabalhavam no castelo e achou curiosa uma divergência de opiniões e histórias mal contadas que ouviu. Alguns eram prisioneiros que atravessaram o caminho da fera e contavam histórias horripilantes sobre um monstro cruel e desalmado. Eles lhe pediam que não contasse à fera suas histórias, pois iriam morrer.

Outros diziam estar naquele castelo há mais de uma geração, afirmando que o senhor da casa nem sempre foi um monstro, o que só atiçava a curiosidade de Bela, mas estes serviçais eram discretos e mal lhe dirigiam a palavra. Nunca falavam mal da fera e sempre a defendiam quando podiam. Bela estava dividida sobre em quem acreditar.

Na segunda semana no castelo, o medo da fera só aumentava, pois vez ou outra ela ouvia rugidos e coisas se quebrando, e Bela agradecia por não ter se deparado ainda com o monstro. A única coisa que não se encaixava era o porquê de ela estar livre para fazer o que quisesse. Não era uma prisioneira? Os empregados da casa sequer a deixavam ajudar nas tarefas domésticas.

Bela observou que a composição dos que ali trabalhavam era formada apenas por homens. Havia os cozinheiros, os que limpavam a propriedade, os jardineiros, os alfaiates, e por aí ia. Somente homens. Por que não havia mulheres? E o que houve com as outras moças que ali pisaram? Esse era um assunto que nem mesmo aqueles que aparentavam serem amigos queriam lhe contar, mas parecia que todos viviam em constante preocupação pela presença dela.

O mordomo era, sem dúvidas, a pessoa que sabia mais do que os outros e era mais próxima da fera, mas após alguns dias ele se distanciou de Bela e passou a distanciá-la dos outros prisioneiros e serviçais. Em uma noite, foi até o seu quarto e lhe entregou uma veste. Era chegada a hora da Bela conhecer a fera. Eles iriam jantar juntos.

Bela analisou o vestido novo e ficou mais horrorizada do que perante os outros vestidos, envergonhada, escandalizada até. Aquele traje era mais vulgar do que tudo que já havia vestido ou visto na vida, pois tinha um tecido preto transparente. As várias capas que se estendiam ao longo das pernas não as deixavam tão nítidas, mas havia aquelas fendas provocativas; no entanto, o corpete possuía um decote tão profundo que quase permitia que vissem uma parte dos seus mamilos rosados.

Mais uma vez, Bela indagou o significado daquilo. A jovem supunha que havia uma conotação erótica em todos os seus trajes e, dado o fato próximo de que ela finalmente encontraria a fera, sentiu medo. Não poderia jantar com a criatura usando aquele vestido indiscreto. Parecia até que a fera desejava vê-la nua ou possuí-la. Bela enrubesceu e, apesar de temerosa, decidiu encarar o desafio. Que fosse o que Deus quisesse. Que a sorte estivesse com ela. Que o destino não fosse tão trágico.

A Bela e A FeraOnde as histórias ganham vida. Descobre agora