III

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Na manhã seguinte, o Sr. Carter partiu bem cedo em uma carruagem da fera acompanhado por seu mordomo, um senhor bem mais velho que ele e de poucas palavras, e outros dois homens fortes e armados, que eram uma espécie de guardas. Levou consigo apenas o colar de Grace e o tecido de Emma, já que a fera não permitiu que ele levasse a rosa que prometeu à Bela, destruindo-a em sua frente. Chegaram ao vilarejo quase no final da tarde, chamando a atenção de todos os transeuntes pela elegância da carruagem que ali passava. O Sr. Carter chorava. Já tinha sido difícil para as garotas perder a mãe, agora também perderiam o pai.

A carruagem da fera adentrou a propriedade dos Carter e foi recebida com muita alegria e curiosidade pelas três senhoritas Carter e a tia Eliza. O primeiro a descer foi o mordomo, seguido do Sr. Carter e depois os dois guardas. As garotas agarraram o pai em um abraço coletivo e Grace disparou a falar que ele tinha chegado a tempo para o seu baile de debutantes. As suas palavras mexeram com os sentimentos do Sr. Carter mais ainda e ele chorou novamente, pois iria partir ainda naquela noite. A fera tinha pressa pela presença dele e sabe-se lá o que ele teria que fazer enquanto prisioneiro daquele monstro horripilante.

— Por que chora, meu pai? – perguntou Bela, preocupada.

— Eu sinto muito, minhas filhas! – ele berrou, e as garotas tornaram a abraçá-lo, também chorosas com aflição.

— O que houve, pai? – perguntou Emma, em meio a soluços.

— Terei que partir ainda hoje e é para sempre.

O quê?! – indagaram surpresas as três filhas ao mesmo tempo.

— Tive problemas na viagem e terei que ir embora.

— Que história é essa, meu pai? – Bela estava desesperada.

— Seja rápido. Temos que voltar antes de anoitecer. – disse o mordomo, sem demonstrar nenhuma emoção diante da cena.

— E quem é você para dar ordens ao Sr. Carter?! – perguntou tia Eliza, também chorosa e com raiva do sujeito estranho mal encarado.

— Eu sou um mordomo que está acompanhando um prisioneiro. – respondeu o mordomo, entediado.

Um prisioneiro?! – perguntaram as filhas e a tia Eliza, sem acreditar.

— Minhas filhas, escutem. O meu... Meu... Meu senhor – o Sr. Carter soluçou – é muito severo. Ele foi bondoso ao permitir que eu viesse me despedir de vocês. Preciso cumprir suas ordens agora se quiser continuar vivo. Sinto muito. Vou deixá-las sob os cuidados de sua tia Eliza.

— Essa história está muito mal contada, meu pai! – disse Bela, aborrecendo-se – Quem esse homem pensa que é para aprisionar outros? Como isso foi acontecer?

— Não, pai! O senhor não pode nos deixar! – chorou Emma – Nós já perdemos nossa mãe, não podemos te perder também.

— Eu sei, mas não posso voltar atrás ou irei morrer. Não posso fugir nem me esconder. Estaria colocando a vida de vocês em risco e tudo que quero é protegê-las.

— Não! – gritou Grace, chorando – Por que querem te aprisionar, pai?! Que crime cometeu contra esse sujeito malvado?

O Sr. Carter não queria contar o que tinha acontecido e nem que seria prisioneiro de um monstro sobre-humano. Ele sabia que Grace culparia a irmã por fazê-lo colher aquela rosa. Ele sabia que Bela se sentiria culpada para sempre. O Sr. Carter não conseguia falar e ficou mudo.

— Ele roubou uma rosa do jardim do meu senhor para dar a uma de vocês. – disse o mordomo, intrometendo-se. O sujeito tinha pressa de partir e pular aquela comoção que considerava inútil.

— Calado, homem! – resmungou o Sr. Carter – Poderia afastar a sua frigidez desse momento? Estamos sofrendo.

— O senhor vai se tornar prisioneiro por causa da Bela?! – perguntou Grace – Parece que a sua piedade levou nosso pai à desgraça assim como a sua ingenuidade acabou com a sua reputação! Eu te odeio, Bela!

Bela ficou em choque. Ela, assim como Emma e tia Eliza, não conseguia acreditar que uma rosa era o motivo de tamanha crueldade. Grace a odiaria para sempre. As irmãs precisavam do pai. Bela se considerava como sendo alguém que não tinha mais nenhum valor para aquela família ou vilarejo. Se alguém tinha que se tornar um prisioneiro, esse alguém era ela.

— Eu posso ir no lugar dele? – Bela perguntou ao mordomo, que finalmente demonstrou alguma reação, uma reação de surpresa.

— Não! Não! Não, Bela! – gritou o Sr. Carter, descontrolado – Não vou deixar que seja prisioneira daquela fera! Sabe-se lá o que ela faria com você, minha pobre menina.

— Se alguém tem que ir é a Bela, pai! – disse Grace – A culpada é ela! Se ela não tivesse pedido uma rosa, o senhor não estaria nessa situação!

— Grace, calada! – resmungou Bela, enfurecendo-se com a irmã pela primeira vez – Eu já aguentei demais as suas humilhações. Saiba que foi você quem sugeriu a flor. Eu ia pedir um galho de árvore!

— Mas não pediu! Pediu uma rosa patética!

— Eu vou como prisioneira no lugar do papai! Está satisfeita? Vocês precisam mais dele do que de mim.

— Bela, não! – disse Emma.

— Bela, não faça isso. – disse o Sr. Carter chorando – Você é jovem, minha filha. Tem todo o futuro pela frente. Pode casar e ter filhos. Ter uma vida normal.

Eu? Casar e ter filhos? Ninguém quer casar comigo, pai! Eu sou apenas uma desonrada, que dormiu com um homem antes de casar e foi abandonada no altar por ele. Ninguém me olha com respeito, as pessoas falam de mim pelas costas, eu nunca vou encontrar um marido decente. Eu já vivo a minha própria prisão. Posso aguentar mais uma. O senhor é que não pode abandonar essa família.

— Eu não aconselho que a jovem vá em seu lugar. – sussurrou o mordomo ao Sr. Carter – Estou naquele castelo a tempo suficiente para saber o que aconteceu com as moças que ali pisaram. É melhor que a jovem escape do castigo.

— Sobre o que você está falando? – perguntou o Sr. Carter.

— Não posso contar ou perderia minha cabeça. Literalmente. De todo modo, é melhor ser um prisioneiro a ser uma jovem moça naquele castelo.

— Talvez, pai, o que esse senhor esteja querendo dizer é que o homem que te aprisionou é um canalha que vai dormir com a Bela. – disse Grace – Mas ela não é nenhuma donzela, sabe se cuidar. Talvez até goste. Talvez até case com ele.

— Grace! Como você pode falar assim da sua irmã? Como pode desejar a ela que seja violentada por aquela fera? Aquele ser não é humano! Ele é um monstro!

— Eu não sou bem-vinda por aqui, meu pai. – disse Bela, séria e decidida – É melhor perder uma filha a perder três. A minha decisão já foi tomada.

A discussão sobre Bela ir ou não para o castelo da fera no lugar do pai se prolongou até o anoitecer. O mordomo aconselhou que o Sr. Carter tentasse negociar com a fera para que esta preferisse ter ele como prisioneiro a ter a filha, mas o mordomo sabia que quando a fera visse a Bela não teria mais volta, pois o tempo urgia. A fera não perderia aquela chance, provavelmente a última que restava, ainda mais dada de bandeja a ele.

Partiu os três para o castelo, apesar do temor de Emma e de tia Eliza de que a fera resolvesse aprisionar os dois. Grace não estava mais se importando com aquela situação, tinha olhos apenas para seu colar de pedras preciosas. No fim das contas, a beleza de Grace era apenas exterior. Por dentro ela era podre e vazia, ambiciosa e egoísta, fútil e materialista, e odiava a irmã por um motivo que só ela sabia.

A Bela e A FeraOnde as histórias ganham vida. Descobre agora