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Algumas semanas se passaram e eu estava razoavelmente melhor. O choque da morte da minha mãe havia passado e eu sentia apenas aquela dorzinha de saudade.
Acordar todos os dias sem minha mãe não estava nada fácil, mas eu tive que aprender a lidar.
Minha vida, nesses últimos dias, estava correndo no automático. Eu ia para o trabalho, voltava para casa, dormia e no dia seguinte fazia a mesma coisa.
Meu pai me ligava a cada dois dias e acabamos nos aproximando mais. Ele me contou que Simone pediu o divórcio e que, depois que isso aconteceu, ele viu o quanto errou em seu casamento. Eu disse que, se ele a amava mesmo, deveria conversar com ela e tentar resolver. Nós não somos nada sem amor. Ele concordou e falou que depois me contaria o que Simone disse.
Por mais que meu pai tenha sido um péssimo marido e pai, ele precisava de Simone em sua vida, pois ela o tornava uma pessoa um pouco melhor.
Evitei pensar em Henrique e em sua namorada. Mas entendi Henrique completamente. Por mais que eu fosse contra sua atitude, tenho certeza que eu teria feito a mesma coisa. Se eu tivesse encontrado Henrique antes e visse que ele estava teoricamente feliz com alguém, jamais iria interferir em sua felicidade.
Nada acontece da forma que queremos, mas devemos ser sábios e aprender a aceitar o que a vida nos traz. Tudo tem um porquê.
Eu estava na espera das respostas.

• • •

Era sábado e eu estava de folga no trabalho, então decidi ir até a casa de Maria e convidá-la para almoçar na minha casa.
Depois que minha mãe faleceu, Maria e eu ficamos ainda mais unidas, como se fossemos grandes amigas. Maria me ajudou muito a superar parte do meu luto e, se não fosse por ela, eu estaria no mesmo lugar de minha mãe. 
Ela demorou para atender à campainha. Ao abrir a porta, estava ofegante e espremida no vão aberto.
– Está tudo bem? – Perguntei preocupada.
Maria ficou grudada na porta para impedir que eu entrasse. Meu coração disparou ao pensar que poderia ter algum bandido dentro de sua casa.
– Você está bem, Maria?
– Sim!
– Posso entrar?
– Agora?
– Sim!
– Agora não é um bom momento, menina.
– Maria, tem alguém aí? É algum ladrão? – Perguntei cochichando.
– Não seja boba! Só não é um bom momento!
Olhei para Maria e entrei em sua casa com tudo, passando direto por ela.
Ela suspirou quando entrei e olhei ao redor, procurando alguma coisa suspeita. Sua sala estava um pouco bagunçada com cobertor e travesseiros em cima do sofá. Ao lado do sofá havia um par de sapatos masculinos jogados. Arregalei os olhos e olhei para Maria.
– Você está acompanhada, Maria? – Perguntei completamente chocada.
Maria riu e não respondeu minha pergunta. Dei pulinhos de felicidade e a abracei.
– Meu Deus, Maria! Eu não sabia! Vim te chamar pra almoçar. Se quiser ir lá em casa fique à vontade! Se quiser levar o galã, pode também!
– Obrigada, menina!
– Agora vou deixar vocês em paz! – Falei, saindo da casa, e Maria balançou a cabeça ainda sorrindo.
Voltei para casa com o coração transbordando. Saber que Maria, mesmo com aquela idade, tinha um casinho me deixou muito feliz e motivada. Todo mundo merece ser feliz. Todo mundo merece uma segunda chance.
Henrique havia encontrado a sua segunda chance e eu iria encontrar a minha.
Senti como se eu pesasse dez quilos a menos. Parar de sentir pena de mim e saber que eu merecia ser feliz me deixou claramente animada. Fiz o almoço empolgada para receber Maria e seu misterioso namorado.
Quando tudo estava praticamente pronto, corri até a casa de Maria para avisá-la. Toquei a campainha e abri a porta a chamando.
– Maria?
Entrei em sua casa e fui em direção à cozinha. Ao passar pela sala, levei um susto ao ver um homem sentado no sofá amarrando o tênis. Assim que olhei mais de perto meu coração parou por longos segundos.
– Ai, meu Deus! – Cobri minha boca, que estava em formato de surpresa.
Henrique se levantou e veio até mim devagar. Abri a boca para falar e Maria veio até mim.
– Amorinha...
– Eu não posso acreditar nisso! – Falei, olhando para os dois.
– Eu posso explicar, Amora – Henrique falou, colocando as mãos nos bolsos como sempre fazia.
Olhei chocada para Maria, que me olhava aflita.
– Menina...
– Não quero ouvir nada! – Respondi.
– Amora, fica calma.
Olhei para Henrique e suspirei.
– A Maria? Sério? – Apontei para ela.
– O que tem?
– Você escolheu a Maria?
– O quê? – Henrique começou a rir.
– Estou completamente decepcionada com você, Maria!
– Amora, não é nada disso que você está pensando! – Henrique tornou a dizer.
– Como não?
– Vamos conversar com calma.
– Não! Eu vi você colocando o tênis.
– Claro! Eu não vou descalço.
– Aonde?
– Na sua casa!
– Ai, meu Deus.
Passei pelos dois e corri para a minha casa, trancando a porta a trás de mim. O nervosismo corria em minhas veias e a única forma de acabar com ele era comer sem parar.
Foi exatamente o que eu fiz.

• • •

Minha campainha tocou por quase trinta minutos seguidos, mas eu não atendi. Quando eu estava lavando a louça, escutei um barulho de vidro sendo quebrado, mas permaneci no mesmo lugar. Um tempo depois, Henrique entra em minha cozinha com a mão esquerda sangrando.
– Ai, meu Deus, Henrique! Qual é o seu problema?!
Corri até ele e enrolei o pano de prato em sua mão machucada.
– O que você fez? – Perguntei preocupada.
– Quebrei o vidro da sala.
– Você é louco?
– Você sabia que campainha serve para indicar que alguém chegou na sua casa? – Ele perguntou nervoso.
– Eu não queria falar com vocês.
– Amora, você tem uma imaginação fértil demais!
– O que você quer dizer com isso?
– Amora, eu espero mesmo que você não tenha pensado que eu estava com a Maria.
– Ela disse que estava acompanhada e você estava calçando seus sapatos, Henrique!
– Ela tem quase cem anos, Amora!
– Não tem, não! E ela é linda!
– Meu Deus... – Henrique falou e começou a gargalhar.
Sua risada era contagiante, então comecei a rir junto.
– Eu te amo tanto, Amora!
Parei de rir imediatamente e meu estômago começou a revirar. Me afastei de Henrique e apoiei na pia.
– Você não deveria estar na sua casa? – Perguntei.
– Não.
– Não?
– Não!
– Por que não?
– Porque eu saí de casa.
– Saiu?
– Saí.
– Por quê?
– Porque meu lugar não é lá. Meu lugar é ao lado de uma doida.
– Ah é?
– É!
– Hm... – fiquei inquieta.
– Eu errei muito, Amora. Se eu pudesse voltar no tempo, eu voltaria, mas não é possível. Então só posso tentar fazer o que é certo a partir de hoje.
– E Monique?
– Monique me ajudou muito, cuidou muito de mim, me amou demais, mas eu nunca pude retribuir da mesma maneira. Serei sempre grato a ela por tudo o que fez por mim, mas ela sempre soube que meu coração estava preso em outro lugar.
– Sabia?
– Sim. Monique tentou fazer com que eu te esquecesse, mas isso estava fora dos limites.
– E cadê ela?
– Voltou para a casa dos pais.
– Simples assim?
– Sim.
– E ela aceitou?
– Ela sempre soube, Amora. Eu fui sincero com ela o tempo todo sobre você.
– Sério?
– Sério! Ela disse que espera encontrar alguém assim como fomos. Eu espero que ela encontre mesmo. Ela é incrível... mas não é você.
Henrique veio em minha direção e segurou minha cintura, colando seu corpo no meu. Ele apoiou sua testa na minha e sussurrou:
– O que você me diz? – Engoli em seco sem saber o que fazer – Ah, que se foda. Tenho esperado isso por anos e não vou embora daqui sem isso! – Ele terminou de falar e colou seus lábios nos meus.
Passei os braços ao redor do seu pescoço, aprofundando ainda mais nosso beijo. Henrique me levantou pela cintura e me sentou na pia, fazendo com que eu cruzasse minhas pernas ao redor de seu corpo. Ele me puxou ainda mais para ele, quando ouvimos um grito na cozinha.
– Misericórdia! Me desculpem! Eu vou pra casa.
Henrique se afastou de mim e corri até Maria.
– Fique, Maria, por favor! – A puxei pelo braço.
– Eu não quero atrapalhar, menina!
– Não atrapalha! Me desculpa por mais cedo.
– Não se preocupe, Amorinha – Maria me abraçou.
– Agora venha! Vamos almoçar todos juntos.
Maria me acompanhou e se sentou, enquanto Henrique colocava a mesa. Maria sorria de orelha a orelha para nós dois e eu, inconscientemente, também.
Os dois começaram a comer enquanto eu os observava. Fazia muito tempo que eu não me sentia feliz dessa maneira. Só faltou minha mãe para participar desse momento, mas tive certeza que ela estava com a gente mesmo assim.

Delicioso (Des)Conhecido (DEGUSTAÇÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora