1...

106K 3.7K 868
                                    

Eu começo contando minha vida da seguinte forma:
Meu nome é Amora. Sério? Sim. Minha mãe comeu tanta amora durante a gravidez, que não ficou satisfeita e colocou meu nome assim.
Tenho vinte anos e trabalho em um consultório de cirurgia plástica como recepcionista. Se eu já fiz alguma plástica? Não! Por quê? Porque elas são caras pra dedéu.
Eu vivo praticamente sozinha. Por que, Amora? Porque minha ex-melhor amiga roubou meu namoradinho e, desde então, não nos falamos mais. É... fazer o quê, não é mesmo? As pessoas não têm caráter e temos que nos acostumar com isso.
Meus pais são separados desde que eu tinha sete anos. Eles não se dão bem desde que me entendo por gente, e a separação foi a melhor escolha para que um assassinato não acontecesse.
Minha mãe entrou em uma depressão profunda ao se separar, e ao ser demitida da empresa em que ela trabalhava e levar um pé no traseiro no mesmo dia, sua depressão piorou muito. Ela não tinha um cargo ótimo, mas era secretária de um advogado conceituado que a substituiu por uma novinha.
Minha mãe lamentou muito por ser mais velha e não poder fazer favores sexuais ao seu chefe para garantir seu emprego. Ela disse que ele era um sonho e quando foi demitida, ficou de coração partido. Então, começou a usar remédios demais, beber demais e se tornou uma viciada em questão de meses.
Ela tentou arrumar outros empregos, mas não conseguiu manter nenhum por causa da bebida. Tudo o que ela recebeu por anos de empresa foi torrado em dias, nos deixando, assim, dependentes do meu salário que não sustentava nem uma única pessoa.
Quando ela decidiu se internar em uma clínica de reabilitação e fazer um tratamento psicológico, me obrigou a ir para a casa do meu pai. Ele morava em outro estado e, sendo assim, eu seria obrigada a criar uma nova vida. Fazer novos amigos, encontrar um novo emprego e novos crushes. Isso tudo seria fácil, comparado à convivência com a maluca da mulher do meu pai, seu filho maluco e seu outro filho também.
A esposa do meu pai era neurótica. Eu mal conseguia falar com meu pai ao telefone sem que ela pegasse no gancho e participasse da conversa para saber se minha mãe estava na linha. Meu pai dizia que achava ela uma graça, mas no fundo eu sentia que ele queria assassiná-la de uma forma lenta e dolorosa. Ou ele tinha um problema mental mesmo!
A minha mudança estava programada para dali uma semana. Eu não estava nem um pouco ansiosa para isso. Queria ficar em casa até minha mãe voltar, mas infelizmente não seria possível. Eu já havia pedido as contas no meu trabalho e estava parecendo uma desocupada dentro de casa.
Minha mãe disse que, no começo, seriam apenas dois meses. No dia seguinte, mudou para quatro. Depois, para seis. Então, já fui me preparando para morar lá o resto da minha vida. Já estava meditando e me preparando psicologicamente para a catástrofe que iria acontecer quando eu estivesse lá.
Elik era filho do segundo casamento de Simone, a mulher do meu pai. Sendo assim, Fauzer era filho do primeiro casamento. Meu pai não teve nenhum filho com ela – graças a Deus! –, porque fez vasectomia, mas acredito que se ela passar para o quarto casamento terá outro filho, com certeza. Ela é um pouco viciada em ter filhos.
Fauzer era mais velho e morava sozinho, mas quando ele tinha férias no trabalho ficava na casa do meu pai. Algumas vezes perguntei a ele se aquilo era uma casa ou uma pensão. Essa pergunta fez com que meu pai ficasse sem falar comigo por três semanas consecutivas. Ele é muito sentimental.
Mesmo meu pai estando casado há cinco anos com Simone, não tive a oportunidade de conhecer nenhum de seus filhos. Não sei se foi uma mão divina que evitou esse encontro desastroso ou se a mesma mão divina vai me fazer pagar por todos os meus pecados. Preferi acreditar que o que é bom demora a vir, então fiz disso meu novo mantra. Só faltava acreditar nele.
Durante a noite fiquei pensando...
Se Elik era meu meio-irmão, seria Fauzer meu terço-irmão? Nunca tive uma definição disso e pelo visto nunca teria.
Sabe o que mais eu nunca entenderia? Por que nossas mães fizeram isso conosco. Existem tantos nomes lindos de bonitos no mundo e elas escolheram os piores de todos. Amora, Elik e Fauzer. Elas não pensaram em tudo o que teríamos que enfrentar na vida? Em todos os empregos que seríamos recusados por termos os nomes mais ridículos do mundo? Eu acho que não!
Estava perdida em pensamentos quando minha mãe entrou no meu quarto.
– Tudo bem, filha?
– Tudo, sim! E a senhora?
– Senhora está no céu! Não sou velha assim.
– Mas tem nome de velha! – Brinquei.
– O que eu fiz pra ter uma filha assim? – Ela riu e se deitou ao meu lado na cama.
Ela nunca tinha feito isso, até decidir que precisava de ajuda médica.
Então, como aquele seria nosso último dia juntas, ela tentava aproveitar ao máximo o pouco tempo que nós tínhamos.
– Sabe, mãe... acho que a péssima escolha de nomes veio da sua geração.
– Seu nome é lindo, Amora!
– Não é, não! É bizarro, feio e estranho.
– Eu acho lindo!
– O seu também não é lá aquelas coisas, né, mãe?
– O que tem de errado com o meu nome agora, Amora?
– Ele.
Minha mãe revirou os olhos e riu.
– Ele não é o nome mais lindo do mundo, mas eu gosto. Ele é único.
– É mesmo! Graças a Deus só existe você com esse nome...
Minha mãe se chamava nada mais nada menos que Eva Gina.
Sim. Exatamente esse nome.
Tenho uma ligeira impressão que minha avó odiava a minha mãe e decidiu ferrá-la para o resto da vida.
– Como você é exagerada!
– Sou realista, mãe!
Ela deu risada e ficou me olhando com uma cara de cão abandonado.
– Vou sentir sua falta – ela falou baixo.
– Eu também, mãe, mas vai passar rápido.
– Não vai, não.
– Eu sei, mas temos que acreditar que vai.
– Tomara!
– Eu poderia ficar aqui.
– Não. Você não tem como, Amora. A imobiliária vai pegar a casa de volta.
– Por que você não paga, mãe? Você tem dinheiro na poupança...
– Esse dinheiro é pra quando eu voltar. Já falamos sobre isso, Amora!
– Eu sei, mas eu não queria ir morar com eles.
– Vai passar rápido, Amora. É por uma boa causa.
Assenti e minha mãe me abraçou.
Um tempo depois, ela se levantou e foi arrumar o resto das coisas.
Minha mãe ficou meses sem pagar o aluguel, então estávamos sendo despejadas. Ela vendeu nosso carro e guardou o dinheiro na poupança, para quando ela voltasse da clínica, recomeçarmos uma nova vida.
Não seria nada fácil morar com meu pai, mas minha mãe valia o sacrifício.

Delicioso (Des)Conhecido (DEGUSTAÇÃO)Opowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz