Capítulo IV

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GARETH

O treinamento do dia anterior havia sido completamente frustrante. A prática era totalmente diferente de apenas teoria. Eu era muito bom na parte teórica. A imagem do rosto de Sebastian tão perto do meu e a sensação de sua mão firmes segurando meus pulsos voltou em minha mente, fazendo meu corpo esquentar. Não sei o porquê disso, mas provavelmente era raiva por meu fracasso. Deixei-me hipnotizar alguns segundos por seus misteriosos olhos azuis e cedi aos seus golpes, fraquejando. Após nossa luta, pude perceber diversos hematomas em meu corpo um pouco branco demais, meus pulsos estavam completamente marcados, mas não me incomodei em escondê-los.

Terminei de tomar o café da manhã sozinho, Sebastian havia saído para resolver alguns problemas e deixou-me acompanhado de Olga.

Hoje treinaríamos tiro ao alvo, estava bem ansioso para isto. Desde que vi aquele imenso arsenal no porão, senti-me tentado a aprender a usá-las. Fui para a sala de estar, havia tanta coisa mantendo-me ocupado na casa de Lancaster que ao menos notei o piano preto no canto da ampla sala. Eu aprendi a tocar piano quando criança, meu pai havia contratado uma professora particular para que eu não me sentisse tão sozinho. Sentei-me e comecei a tocar algumas notas, até que a música Rivers Flows in You surgiu em minha cabeça. As notas fluíam no ar com perfeição. Ouvi o som da porta de entrada se fechar e parei instantaneamente.

— Não sabia que tocava. – ouvi a voz rouca aproximando-se da sala.

Espiei por cima do ombro e o homem loiro vestido numa jaqueta de couro preta aproximou-se de mim.

Fiquei em silêncio, ainda pensando em nosso último treinamento. Ele continuava a se aproximar até que estivesse sentado ao meu lado. Os dedos ágeis começaram a tocar combinações de notas, reconheci a melodia de Kiss The Rain e o acompanhei, tocando junto a ele. Foi uma sensação incrível, havia muito tempo que não tocava com alguém.

Ele parou de tocar de repente e levantou-se, pegando um copo no pequeno bar ao lado da cozinha e o enchendo com whisky e duas pedras de gelo.

— Hoje iremos atirar, vou te ensinar a usar uma calibre doze. – concluiu Sebastian, dando uma golada em seu whisky, como se fosse água.

Assim que terminou de concluir sua frase pudemos ouvir a campainha tocar. Olga correu de prontidão para atender. Quando abriu a porta, uma voz familiar ecoou até a sala.

Os passos pesados do juiz Morris chegaram até o cômodo que estávamos. Era um momento um tanto quando inoportuno para um juiz estar batendo em nossa porta... Nossa? Desde quando me sentia em casa desta maneira?

— Olá, Sebastian... Gary. – assentiu o homem para mim.

Morris era um homem negro e baixo, seu cabelo e barba grisalha deixava com que ele parecesse mais experiente. Em suas mãos havia um pacote marrom e estranhamente grande. Ele me olhou de cima abaixo, como se estivesse checando se eu estava vivo, assenti de volta e subi as escadas em direção ao meu quarto. Não queria incomodar Sebastian. Durante os últimos dias, ele havia ganhado todo o meu respeito.

Fechei a porta de meu quarto e pude ouvir os passos do juiz e do meu guardião subindo as escadas. Provavelmente eles iriam falar sobre mim. Ouvi uma porta se bater suavemente, os homens deviam ter ido para o escritório.

Eu me segurei o máximo que pude, mas não aguentei. Gostaria de saber o motivo que trouxe Morris até Brighton. Com os passos leves, abri minha porta e dirigi-me para frente da porta do escritório. A porta de madeira maciça era a mais grossa de toda a casa, talvez porque Sebastian cuidasse de seus negócios ali. Encostei o ouvido na superfície e tentei acompanhar a conversa. Só pude ouvir algo referente ao colégio. Senti uma vibração estanha, até perceber que eram passos. Ligeiramente voltei para meu quarto e encostei a porta.

Sorrow's ChildWhere stories live. Discover now