- Que horas são? – depois de uns minutos em silêncio, dos quais ela se levantou, finalmente falou. Apontei para o relógio na mesa de cabeceira. – Oh meu Deus, estou super atrasada para o trabalho.

- Hoje não vais. – impedi-a de se levantar segurando o seu braço. – Preciso que fiques comigo.

- Eu não posso Harry. – continuei a olhar nos olhos dela. – Não é tão simples como dizes. Eu preciso do dinheiro.

- Mas para isso tens de estar viva. Então hoje ficas comigo. – atirei-lhe o meu telemóvel. – Liga ao John. Diz que estás doente e estiveste até agora no hospital.

Os olhos dela fitaram os meus. Parecia que estava irritada, mas não no nível do costume. Acabou por deixar soltar um suspiro e depois pegou no telemóvel.

- John. – enquanto ela ia falando fui-me levantando. – Não, é a Ava... sim, quer dizer, não. – abri o armário e tirei algumas roupas. – Eu estive no hospital... sim sim, eu já estou melhor. O Harry levou-me. – ela olhou para mim. – ... sim era isso... eu não consigo ir hoje. Hmm, okay, obrigada. Até amanhã.

Atirei as roupas para cima da cama no preciso momento em que ela pousou também o meu telemóvel em cima dos cobertores. Um suspiro foi libertado por ela. Os seus olhos estavam cansados e o facto de ela não fazer nenhum movimento ou dizer alguma coisa fez-me perceber que dormir mais um pouco era o que realmente precisava.

Porém eu tinha outros planos e precisava que ela estivesse completamente apta e com energia para poder descarrega-la toda.

- Anda daí. – acenei com a cabeça para ela me seguir. – Veste isto. Eu vou preparar o pequeno almoço.

Saí do quarto e desci até à cozinha onde preparei o pequeno almoço num silêncio demasiado silencioso com os meus pensamentos conturbados e barulhentos que não me permitiam ter alguma estabilidade.

Rapidamente ela desceu e sentou-se frente a mim. Olhou para mim mas logo desviou os seus oceanos para a sua mala de onde tirou alguma coisa. Porém acabou por pousa-la quando o seu telemóvel tocou. Levantou-se e afastou-se. Aproveitei o momento para pegar na caixa que ela havia deixado.

Anti depressivos. Li no rótulo. Não sei o que estava à espera de ler. Mas aquilo não me admirou. Olhar para ela era ver algo tão escuro e envolvido numa mancha preenchida de profunda miséria psicológica que... talvez eu me tivesse logo devido juntar a ela.

O seu corpo voltou a aparecer. Uma expressão neutra na sua cara. Quando se sentou deixou escapar um suspiro.

- Está tudo bem? – vi-me talvez na obrigação de perguntar. Era estranho, mas era real.

- Sim. – serviu o seu prato, mas depois encolheu os ombros. – Quer dizer, não sei. Nada está bem. Nunca nada vai ficar bem. É a natureza da minha vida.

Não lhe consegui dizer nada. E ali voltava a cair no mesmo círculo repetitivo.

***

- O que é que nós vamos fazer? – abri a porta do meu ginásio improvisado.

Tinha de começar por algum lado se queria que as coisas corressem minimamente bem. Agora que já sabia que ela era filha do Carl e corria bastante perigo de vida devido aos pensamentos doentios do Matt, era preciso começar a planear algo que garanti-se pelo menos a salvaguarda da vida dela, mesmo que depois eu fosse apanhado. Ela tinha de se saber defender de algo que a podia com todas as certezas mata-la.

- Testar as tuas qualidades físicas. – vi-lhe uma expressão confusa na cara. – Vá, anda daí. Dá-me um murro com toda a tua força.

As sobrancelhas dela juntaram-se em questionamento.

- Eu não vou fazer isso. – virou costas para caminhar em dieção à porta. No entanto eu fui mais rápido ao puxa-la para mim.

- Vais sim. – disse-lhe quando o corpo dela se colou ao meu. – Isto é sério Ava. – mudei o meu tom de voz para algo mais brando.

- Está bem. – ela disse exasperada e antes que ela pudesse recurar encurtei ainda mais a nossa distância e juntei os lábios dela com os meus.

Quando me separei dela o seu rosto parecia mostrar um pouco de surpresa. Não querendo deixa-la mais embaraçada afastei-me.

- Agora dá-me um murro. – ela fê-lo, porém foi como se não o tivesse feito porque eu não senti nada ou praticamente nada. – Boa miúda. Estás no bom caminho.

- Estou?

- Claro que não! – ri-me deixando-a um pouco amuada. – Mas vais ficar. Eu vou treinar-te e quem sabe se não podemos fazer uma boa equipa.

Callous | h.sWhere stories live. Discover now