- Nada. - conduzi lentamente devido ao caminho danificado. - Não precisas de ser tão desconfiada.

- Eu mal te conheço.

Olhei para ela. O que é que eu estava a fazer? - Bem, eu também não te conheço. Por isso estamos no mesmo patamar.

Ela grunhiu em frustração e voltou a cruzar o braços. Era teimosa, e em parte era isso que me deixava com tanta vontade em investir. De procurar mais, mesmo quando eu já sabia tudo, ou quase tudo.

Parei o carro e depois sai. A casa estava lá, como da última vez. Procurei pelas chaves no bolso e depois caminhei até à porta abrindo-a. Espreitei para dentro. Estava escuro e tive de acender a luz. Talvez estivesse com receio do que me pudesse aparecer. Mas não foi nada de mais. Apenas aquilo que tinha lá deixado da última vez.

Olhei para trás. A Ava estava encostada ao carro a olhar para mim.

- Não vens? - perguntei elevando o tom para que ela me podasse ouvir.

- O que é que me garante que não me vais violar? - ela era um pouco maluca.

- Gosto mais quando são os dois a dialogar. Dá mais prazer. - voltei a virar costas. Não sei se ela disse alguma coisa porque não consegui ouvir. Mas rapidamente ela já estava à minha beira.

Estava tudo como tinha deixado da última vez. Talvez mais sujo depois de dois anos sem lá pôr os pés, mas exatamente da mesma maneira.

Aquela tinha sido uma casa pré fabricada, com apenas um espaço, que eu e o Niall decidimos comprar. Era ali que fazíamos os nossos planos para atacar o Matt, ou então onde apenas nos refugiávamos. Era...

- Explica-me o que está a acontecer. - olhei para ela. Tinha tirado o casaco e estava a pousa-lo juntamente com a mala em cima do sofá. - Está tudo tão confuso desde que tu chegaste que...

- A culpa não é minha. - atirei ofendido. Mas na realidade ela era. - E não te esqueças que se estás aqui é porque eu te estou a tentar ajudar. Caso contrário nem te teria ajudado no outro dia.

- Okay. - ela suspirou. - Então conta-me. Tu sabes alguma coisa.

A minha cabeça estava uma confusão. Não sabia o que fazer. Não sabia se lhe devia contar. Mas para lhe contar tinha de o fazer primeiro com o Carl, e algo me dizia para não o fazer.

- Esta cidade... é muito perigosa... - olhei em volta. Perigoso era aquilo que estava a surgir. - E não é o local certo para ti. Se queres viver por mais alguns dias tens de sair daqui.

Não havia maneira dela escapar. O Matt já a tinha encontrado, mas ao menos preservava alguns dias. E eu até estava a fazer aquilo que o Carl me tinha pedido. A manda-la para outro local, só que não estava a fazer a outra parte, que era contar-lhe a verdade.

Ela riu-se sarcasticamente. Colocou uma mão na cinta e olhou para mim à espera que eu continuasse. No entanto mantive-me calado.

- Sair daqui. - ela era uma pessoa bastante revoltada. Ela não tinha paciência e talvez ela só tivesse medo. - Como é que eu vou sair daqui se eu não tenho para onde ir? E tu. - apontou um dedo na minha direção. - Para de jogar estes jogos comigo porque não vou cair na tua teia, muito menos fazer o que queres.

- Que jogos? - perguntei arqueando as sobrancelhas. - Eu não estou a jogar nenhum jogo. Tu é que não passas de uma miúda frustrada.

- Se calhar tenho as minhas razões. - estávamos a levar aquela conversa para lados não muito agradáveis. Ela parecia fraca. - Por isso não mandes bocas para o ar. A minha vida não é fácil e eu não tenho ser julgada por pessoas estúpidas como tu.

Mantive-me calado. Se ela tinha uma vida difícil, a minha era mil vezes pior. Porque eu sabia, tinha de lidar com isso. E no fim ainda aguentava com todos os lados. O bom, o mau, o neutro, o despreocupado. E acabava por ficar sem nenhum para mim.

- Então se não tens uma vida fácil, facilita-a, ou deixa-me fazê-lo, antes que eu me arrependa disto. - elevei o tom de voz. Estava possesso. Só queria que aquilo acabasse. - A partir de agora, sempre que sentires que alguma coisa está mal, vens para aqui. Eu vou fazer uma cópia da chave. Isto é seguro, ninguém descobre, por isso quem quer que seja que ande atrás de ti, aqui não te vai encontrar.

- Tenho medo. - ela falou baixo, muito mas muito baixo. Como se não quisesse que eu o ouvisse. Depois olhou para mim devagar.

Um silêncio bastante constrangedor instalou-se no nosso meio. Eu não sabia o que dizer. Ela deixava-me sempre sem palavras e ações para demonstrar. Era como que só com aqueles dois olhos azuis o mar ficasse completamente parado à nossa volta. Como se ela o congelasse com aquela frieza completamente fora do normal. Mas que no fundo ardia por algo que eu tinha.

Ela tentava apaziguar e eu apenas lançava o lume.

- Dá-me o teu telemóvel. - ela ficou a olhar para mim sem perceber e eu voltei a repetir. Ela deu-me o aparelho e eu gravei o meu número. - Liga-me quando precisares. Não importa a hora. Eu vou estar sempre disponível.

Depois voltei a passar-lhe o telemóvel para as mãos e saí. Peguei num cigarro e depois de o ter acendido encostei-me à parece e expeli o fumo.

Havia uma diferença entre estar preocupado e querer salva-la. Eu escolhi a pior. Talvez por estar completamente cego.



Callous | h.sWhere stories live. Discover now