Virei-me para a rapariga. Ela estava com um ar pensativo e eu até poderia dizer com medo. Mas só poderia, porque afirmar seria para além daquilo que eu via.

- Eu vou tomar banho. Fica à vontade. Podes tomar o pequeno almoço se quiseres. A cozinha fica no lado direito da entrada lá em baixo. - ela olhou para mim quando eu falei. No entanto parecia perdida nos seus pensamentos, porque não assentiu ou deu uma resposta audível.

Encolhi os ombros e depois fui para a casa de banho onde me despi e tomei um banho rápido.

Não sei o que me deu para ser tão prestável. Talvez eu estivesse com medo. Mas medo? De uma rapariga? Bem, ela não era só uma rapariga. Ela era a rapariga que em apenas três dias tinha conhecido mais de mim do que eu próprio. Primeiro eu presenteei-a com o meu eu mais rude. Depois ela quase que me apanhou em flagrante na floresta. Hipnotizei-a. Ela viu-me num estado onde eu estava a ser comandado pela droga e ao fim ainda conseguiu ver o meu lado, muito mas muito pequeno de medo. Quer dizer, eu não o transmiti. Mas toda aquela minha preocupação, se assim posso considerar, foi demasiado evidente.

Só que eu não a conhecia, e se estava com medo era do que poderia acontecer a mim, e não a ela.

Limpei-me à toalha e depois vesti umas calças confortáveis e uma camisola. Aborrecido com o meu cabelo, prendi-o num coque, ainda com ele molhado, e saí da casa de banho. Ela não estava no quarto. Desci então as dez escadas e quando entrei na cozinha fui presenteado com um agradável cheiro. Vi-a a movimentar-se de um lado para o outro e aquilo fez-me perceber como estava a errar em mantê-la tão próxima, quando isso poderia ser completamente tóxico para mim.

Aproximei-me do local onde ela estava e vi um prato com fatias de bacon, outro com ovos mexidos e mais uma série de comida. Com tanta proximidade ela acabou por olhar para mim e assustou-se quando quase bateu contra o meu peito. Foi como se os olhos azuis tivessem saído do seu rosto e caído ao chão.

- Calma aí boneca! - levantei as mãos em sinal de rendição e ela ergueu as sobrancelhas, provavelmente com o nome que lhe chamei.

- Mais uma assim e levas com a frigideira na cabeça! - o seu tom foi sério, e eu percebi que ela realmente não gostou do nome que lhe chamei. No entanto não me importei com isso e encolhi os ombros.

Olhei para a mesa e quando a vi sem pratos ou outro tipo de utensílio que nos permitisse comer, fui ao armário e coloquei tudo o que precisava em cima da mesa. Logo num instante ela juntou-se, sentando-se à minha frente.

Tirei os alimentos para o prato e comecei a comer em silêncio.

- Então. Chamas-te Harry não é? - ela perguntou depois de uns largos minutos onde apenas o barulho que preenchia o nosso meio era o dos talheres a baterem contra o prato.

- Yap. - respondi depois de levar outra garfada à boca.

- Em primeiro lugar deixa-me dizer que esse nome fica horrivelmente mal em ti. - parei de mastigar e olhei para ela. No entanto não pude dizer uma única palavra que fosse devido à comida que estava na minha boca. Então apenas levantei a cabeça para ela continuar e poder explicar-me. - É nome de príncipe, e deixa-me que te diga que mais pareces um ogre. - revirei os olhos e deixei que ela continuasse. - És bastante arrogante e nada acessível.

- 'Tou-me nas tintas para isso. - olhei para ela e sorri cinicamente.

- Eu ainda não acabei de falar. - ela disse, claramente irritada. - E em segundo lugar. Estás a pensar em dizer-me realmente o que aconteceu ontem? Ou terei de descobrir por mim mesma?

Ela era curiosa. Curiosa de mais para eu que não tinha paciência nenhuma para essas coisas. À minha beira das duas uma. Ou as pessoas calavam-se, ou iam-se embora depois de eu ser completamente desagradável. E se havia coisa de que eu não gostava, era que me fizessem tantas perguntas,igualmente às vezes que a terra girou em torno do sol.

- A segunda opção, em qualquer situação, é sempre a melhor! - olhei para ela quando falei. Reparei numa expressão irritada, principalmente quando ela revirou os olhos. - Por que razão queres saber? Eu já te expliquei o que aconteceu.

- Mas eu não acredito em ti.

- E continuas a perguntar-me? - pousei os talheres no prato. - Isso é bastante confuso sabes?

Ouviu-se um suspiro pesado vindo dela, e depois um silêncio. Bebi a água que estava à minha frente e depois olhei discretamente para ela. Cabeça para baixo, a brincar com o garfo em cima do prato. Foi como se tivesse passado algo por ela. Primeiro ela estava irritada, depois parecia mais calma e de repente ficou triste, isto se assim o poderia caracterizar.

Até que ela olhou para mim, e deixou-me confuso. Eu tinha a certeza que a conhecia, mas não me lembrava de onde.

- Leva-me para casa por favor. - assenti e levantei-me quando ela o pediu.

Quando peguei nas chaves do carro lembrei-me que ele estava lá fora e que ela não podia sair pela saída principal.

- Hum... - cocei a cabeça. - Tens de ir ter à garagem. Desces no elevador que eu vou já lá ter com o carro.

- Okay, tu és bastante suspeito! - franzi as sobrancelhas não percebendo o que ela queria dizer. - Qual é o teu problema? É proibido sair daqui?

- Há pessoas que não te podem ver. Satisfeita? - eu nunca gostei que me fizessem muitas perguntas, e o facto de ela o ter feito estava-me a deixar irritado.

- Oh, não me digas que é a tua namorada ciumenta.

- Talvez. - não lhe disse mais nada e dirigi-me para a porta. Ela saiu comigo e depois entramos os dois no elevador. Eu saí num piso e depois disse para ela descer mais um e ficar à minha espera na garagem.

Quando entrei em contacto com a natureza, percebi que se não me despacha-se em leva-la, a neve que já estava a começar a cair ia impedir-me de conduzir. Então dei uma corrida até ao carro e depois conduzi até á garagem.

Abri o portão através do comando e depois encontrei-a encostada a uma parede. Fiz sinal de luzes para ela e depois vi-a a caminhar para o carro. Entrou e sentou-se ao meu lado.

Não disse nada, durante todo o caminho. Limitei-me a conduzir concentrado na estrada, ou talvez não tenha sido tanto assim.

Ela fazia-me lembrar alguém, e eu tinha a certeza disso. Ela não era só uma cara que eu já tinha visto, porque eu podia associa-la a outro alguém, mas eu não me estava a lembrar, e isso estava-me a deixar confuso. Não. Não era nenhuma das outras raparigas com quem eu apenas decidi tirar uns minutos de diversão. Até porque eu tinha a certeza que nunca tinha tido qualquer contacto com ela. Mas aqueles olhos não me eram estranhos e as expressões...

- Tu... - ela olhou para mim. - Como é que sabes onde moro?

Olhei em volta. Merda. Eu tinha conduzido tão descontraidamente e longe da realidade que nem me tinha lembrado de lhe perguntar onde ela morava para não dar muita bandeira. Eu estava a um passo de ser apanhado com a botija na boca.

Acabei por encolher os ombros e depois fiz uma expressão séria. Eu tinha mesmo de começar a pensar antes de fazer as coisas.

- Na realidade eu sei muitas coisas.

- Estás a jogar a algum jogo ou isso é apenas uma opção parva para eu ter medo de ti? Eu quero dizer, tu és a pessoa mais estranha que eu conheci em toda a minha vida. Ages como se nada fosse e depois ainda te achas com toda a razão...

- Olha, esquece. Estás em casa, agora sai. Eu não te conheço, tu não me conheces e eu não estou com intenções de mudar isso. - mas no fundo, bem lá no fundo, eu queria.






Callous | h.sWhere stories live. Discover now