"Por que um ômega não quer se divorciar?"

A busca não retornou nada. Zero. Nenhuma resposta.

Isso já dizia tudo sobre aquele mundo.

Ele então postou a pergunta num fórum.

As respostas começaram a pipocar:

Usuário Anônimo:
Pelo jeito quem tá perguntando é beta, né? Vc é adulto?

riccardo0714:
Ômega divorciado = lenço usado. Quem vai querer alguém já marcado? Qual alfa aguenta o cheiro de outro?

Outro usuário:
Natalidade tá negativa há quase 20 anos. Ômega é 5% da população. Beta quase não engravida. Se um ômega marcado é abandonado, vai pro Instituto de Fertilidade Centralizada. Obrigatório.

Instituto... de Fertilidade... Centralizada.

Jiang Yunshu digitou o nome.
Uma enciclopédia abriu.

Era real.
Era lei.
Era normalizado.

Cada palavra fazia sentido sozinha.
Juntas... viravam um pesadelo social.

Direitos humanos?
Igualdade?
Liberdade?

Nada disso existia ali.

Se Bai Tang se divorciasse... as opções eram duas:
exploração ou morte.

O mundo era podre. Estragado na raiz.

Jiang Yunshu fechou os punhos, a raiva queimando quente, quase viva.

Ele ia proteger Bai Tang.
Não importava o que custasse.

Mais de dez minutos depois, Bai Tang saiu do banheiro. O cabelo grudado no rosto, a gola molhada. Ele tinha se apressado tanto — com medo de irritar o alfa — que quase despencou da estrutura de gaze umas três vezes.

A gola torta deixou o TOC de Jiang Yunshu incomodado.
Mas ele se segurou.
Se falasse algo, Bai Tang ia entrar em pânico, pedir desculpas, tentar arrumar tudo de forma desesperada.

Ele passou a toalha pra ele.

— Molhou o curativo? Seca o cabelo.

— N-não... não molhei... eu tomei muito cuidado...

— Tudo bem. Se molhar, eu troco depois.

Jiang Yunshu deu uns passos pra trás, devagar, como quem se move perto de um animal ferido.

Estendeu a mão.

— Vem. Vamos descer.

Bai Tang obedecia como se estivesse pisando sobre vidro. Gestos pequenos, silenciosos, pensados demais. Como se respirar errado fosse motivo pra punição.

Jiang Yunshu o levou até o primeiro andar com cuidado, sem nenhum solavanco.
Mas quando Bai Tang viu a porta... congelou.

Ele achou que seria expulso.

Seus olhos se arregalaram, as mãos agarraram a camisa do alfa com um desespero que nem parecia humano:

— S-senhor... por favor... não me jogue fora...

Jiang Yunshu piscou, sem entender.

— O que você tá falando?

Colocou Bai Tang no chão.
Voltou à escada.
Desceu com a caixa.

E foi o suficiente.

Bai Tang reconheceu tudo ali.
As barras de ferro.
Os instrumentos.
As coisas que arrancaram gritos dele.
As coisas que quebraram ossos.
As coisas que deixaram cicatrizes que ele fingia que não existiam.

As pernas dele amoleceram.
Ele deslizou até a parede, respirando tão rápido que parecia que ia desmaiar.

— Bai Tang — chamou Jiang Yunshu do lado de fora, voz firme, mas suave. — Bai Tang. Olha pra mim. Aqui.

Mas o rosto de Bai Tang já não tinha cor nenhuma.
Ele se encolheu, sentando no chão, e as lágrimas começaram a cair — rápidas, silenciosas, desesperadas.

A memória bateu forte demais — a barra descendo contra seu braço, o estalo seco, a dor rasgada, o corpo caindo.
Ele balançou a cabeça, tentando expulsar tudo, e as palavras escaparam, quebradas:

— Eu... eu não quero isso... senhor... eu tava errado... desculpa... me perdoa... por favor...

Jiang Yunshu sentiu o estômago virar.
A vontade de correr até ele era enorme — mas ir agora seria pior.

Ele precisava que Bai Tang visse.

— Bai Tang — a voz dele saiu firme, mas tão doce que parecia impossível naquele cenário — tá tudo bem. Olha pra mim.

Demorou.
Muito.

Mas Bai Tang levantou os olhos.
E neles havia medo puro.
Medo que vinha de anos.
Medo que não precisava de palavras.

O antigo Jiang tinha quebrado esse homem.
Despedaçado.
Amassado até virar alguém que só sabia pedir desculpas.

Jiang Yunshu fez o que precisava fazer.

Ele pegou uma das hastes de ferro.
Levantou.
E jogou dentro da lixeira com toda a força.

O barulho metálico ecoou no corredor.

Bai Tang se encolheu na mesma hora, tremendo.

Mas olhou.

Pela primeira vez, olhou.

Isso era um começo.

Yunshu pegou outra barra.
E outra.
E mais outra — desmontando aquele símbolo de tortura como quem desmonta uma bomba.

A cada impacto na lata de lixo, algo em Bai Tang estremecia — medo, confusão, choque.

E então veio a voz do alfa:

— Açúcar Branco... — grave, quente, segura — ...você tá vendo isso?

Bai Tang piscou.
Respirou como quem finalmente sobe à superfície.
Seus olhos ainda tremiam, mas seguiam cada movimento de Yunshu.

O alfa virou a caixa em direção a ele.

— Bai Tang. Presta atenção. — Ele inclinou a caixa. — Isso aqui...

Parou.
Olhou bem nos olhos dele.

— ...é esse lixo que precisa ser jogado fora.

E virou a caixa inteira de uma vez.

As barras caíram juntas, fazendo um estrondo que vibrou no chão.

O impacto bateu no peito de Bai Tang.

Mas não como terror.

Como algo que ele não tinha nome pra definir — um choque quente, um começo, uma fresta de ar num quarto fechado.

Ele levou a mão ao próprio peito, respirando fundo, como se o coração tivesse tropeçado dentro dele.

As lágrimas que caíam já não eram só pavor.

E Jiang Yunshu viu.

Finalmente, Bai Tang começava a acreditar.

A entender.

A enxergar, mesmo que só um pouquinho, que o monstro daquele corpo...
não existia mais.

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⏰ Last updated: Nov 29 ⏰

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